Derrubada de veto contra o Marco Temporal mostra que Legislativo ignora os direitos da população indígena

Tese jurídica que define novos critérios para demarcação de terras foi aprovada mesmo com diagnósticos científicos contrários à sua idealização
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(Foto: Lula Marques/Agência Brasil)

O Congresso Nacional derrubou, na tarde da última quinta-feira (14/12), o veto presidencial sobre o Marco Temporal. Com isso, a tese jurídica que modifica os critérios para demarcação de terras indígenas será sancionada como lei. Para as populações diretamente afetadas com a nova legislação, o Marco Temporal oficializa um genocídio.

A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) afirmou, em nota, que vai protocolar uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) no Supremo Tribunal Federal (STF), solicitando a anulação da lei, já que o próprio STF realizou um julgamento e considerou o Marco Temporal como inconstitucional.

Entretanto, a entidade também manifestou preocupação com os trâmites burocráticos, já que o caminho legal tende a ser demorado e as populações indígenas seguem enfrentando invasões em suas terras, assassinatos e devastações do meio ambiente. Para se ter uma ideia, o julgamento no STF que definiu o Marco Temporal como inconstitucional foi um dos mais demorados do órgão judiciário: levou cerca de dois anos para ser concluído.

O Marco Temporal nasceu de uma tese jurídica que afirma que os povos indígenas teriam o direito de ocupar apenas as terras que já ocupavam ou disputavam em 5 de outubro de 1988, data em que a atual Constituição Federal foi promulgada.

Desde o início de 2023, quando os atores dos poderes Legislativo e Judiciário retomaram os debates acerca desta legislação, a SBPC (Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência) vem realizando uma série de reportagens com o objetivo de exemplificar as suas problemáticas. Além da exclusão da própria população indígena no processo de decisão, o Marco Temporal também desconsiderou diagnósticos negativos apresentados em diversos estudos científicos.

Uma das principais frentes acadêmicas contra o Marco Temporal, o Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM), apontou que cerca de 23 a 55 milhões de hectares serão desmatados só nos próximos anos por conta da intensificação de ações de grilagem. Como efeito do desmatamento, 7,6 a 18,7 bilhões de toneladas de dióxido de carbono devem ser emitidas na atmosfera.

“As áreas que menos se desmatam hoje no Brasil são as terras indígenas e as unidades de conservação. Então, criar uma terra indígena e criar uma unidade de conservação significa você combater desmatamento, e combater desmatamento significa você manter algum grau de estabilidade no regime de chuvas. Em última instância, isso tem relação direta com a economia do País. Essa visão de ‘vamos continuar abrindo a fronteira indefinidamente, vamos continuar desmatando e expandindo horizontalmente a nossa área produtiva’ é uma visão datada, ultrapassada”, explicou André Guimarães, diretor-executivo do IPAM.

Professora da Universidade Federal da Paraíba (UFPA) e membro do GT de Meio Ambiente da SBPC, Luciana Gomes Barbosa, complementou as preocupações apresentadas pelo IPAM, alegando que a lei do Marco Temporal possui brechas que estimulam a degradação ambiental:

“Com certeza, vai ter um aumento nos impactos em termos de preservação da biodiversidade e poluição de recursos hídricos, porque o Marco Temporal abre espaço para a realização de atividades dentro desses espaços, além de negar o direito à terra aos indígenas, onde já estavam muito antes da promulgação da Constituição.”

Rafael Revadam – Jornal da Ciência