O presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), Renato Janine Ribeiro, participou, na última terça-feira (05/09), da abertura do 46º Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação, popularmente conhecido como Intercom. Realizado no campus da PUC Minas, em Belo Horizonte, o encontro teve como objetivo debater o desmonte e a reconstrução das políticas científicas e da comunicação pública.
Iniciando sua fala, Janine Ribeiro resgatou o recente histórico político do Brasil, marcado por ações autoritárias, como compra de votos por meio de auxílios emergenciais e a tentativa de impedir eleitores de uma região inteira do Brasil de irem às urnas no dia do segundo turno, em 2022.
“Houve um desmonte deliberado de tudo que era inteligência no Brasil. E a gente já vem discutindo esse ponto, mas precisamos discutir mais: como foi possível um retrocesso democrático tão grande? E como foi possível isso com o apoio de uma parte substancial da população brasileira?”, questionou.
Para o professor, que foi ministro da Educação em 2015, no governo Dilma Rousseff, é fato que, se não tivesse ocorrido o que ele chamou de “fraude eleitoral” em 2018, quando o pré-candidato Luiz Inácio Lula da Silva foi impedido de participar do pleito, os resultados eleitorais teriam sido mais favoráveis à democracia. Além das eleições em si, Janine Ribeiro ressaltou que é, também, importante refletir sobre o que leva uma parte substancial da população brasileira defender um pensamento que age pela destruição do diálogo.
“A gente tem um grande problema na comunicação atual, e aqui englobo tanto a comunicação política, como a comunicação em geral. Vimos aqui no Brasil, mas também nos Estados Unidos, com Donald Trump; na França, com Jean-Marie Le Pen; e também na Itália, com a primeira-ministra Giorgia Meloni. Todos esses são personagens da extrema direita que conseguem apoio popular. Mas como?”
Janine Ribeiro analisou que o apoio político a essas personalidades extremistas é fruto de “mentiras deslavadas” e que é importante entendermos a gravidade dessas farsas, já que não se trata de pessoas ou grupos políticos que fazem uma interpretação diferente dos fatos, mas, sim, de pessoas que negam, deliberadamente, fatos básicos. “Por isso mesmo, esses agrupamentos políticos extremistas têm dois grandes inimigos: o cientista e o jornalista”, acrescentou.
O filósofo explicou que ambos os profissionais – cientistas e jornalistas – são atacados por atuarem diretamente com a busca da verdade. Os primeiros, os cientistas, procuram a explicação veraz dos fenômenos; já os jornalistas e comunicadores em geral vão atrás dos fatos. “Ou seja, a verdade é, de certa forma, o inimigo desses grupos extremistas”.
Além do combate à verdade, outra preocupação compartilhada por Janine Ribeiro é que esses grupos extremistas conseguem fazer com que, mesmo em cenários em que haja a comprovação da verdade, seus apoiadores passem a descreditá-la.
“Quando as pessoas chegam a esse ponto de uma opção preferencial escolhida pela falsidade, pela mentira, fica muito difícil o diálogo. Por exemplo, quando uma pessoa afirma que a Terra é plana: é possível comprovar que a Terra é redonda, porque é tão óbvio, quer dizer, há tantas demonstrações científicas para isso, mas, mesmo assim, muitas pessoas vão na linha contrária da verdade e negam.”
Janine Ribeiro citou o inquérito aberto pelo Ministério Público de São Paulo nesta semana contra uma médica que espalhou informações falsas contra a vacina do HPV, alegando que a vacina gera vários problemas de saúde. “É uma prática que ela vem fazendo há alguns anos, e sempre os jornais rebatendo que os dados compartilhados eram falsos, que as pesquisas que ela alega serem científicas não foram realizadas pela academia, e nem publicadas por revistas científicas. São puramente posts de internet, com todos os critérios das ciências exatas e biológicas sendo descumpridos e, no entanto, a gente tem uma quantidade grande de pessoas que acredita nisso.”
O especialista define este cenário como o principal desafio que a sociedade tem que lidar hoje em dia, em termos de comunicação, já que esta é a base da sociedade democrática.
“A sociedade democrática tem que se basear no diálogo. O que isso quer dizer? Quer dizer que desde os albores da democracia, em Atenas, na Grécia Antiga, por volta de 500 a.C, um ponto fundamental é o diálogo, é a discussão, é o direito que todo cidadão ateniense tem de tomar a palavra na praça pública. Era um direito, praticamente de qualquer um, de levantar a mão, pedir a palavra e se dirigir ao coletivo. Claro, os assuntos que eram deliberados na praça pública ateniense são muito diferentes dos nossos, não eram propriamente impostos, mas, de qualquer forma, nós temos uma opção pelo coletivo, que é muito importante e que passa pelo diálogo”, concluiu.
A palestra completa de Janine Ribeiro está disponível no canal do YouTube do Intercom.
Rafael Revadam – Jornal da Ciência