Tudo começa com a Educação. Segundo especialistas, é necessário que o Brasil e seus gestores públicos compreendam que o desenvolvimento da Inovação – e, consequentemente, do próprio País – começa com o acesso igualitário ao ensino público e que este ensino precisa se atualizar às características e necessidades de cada região.
“Nenhum pesquisador nasce no doutorado, ele nasce na alfabetização”, introduziu o sociólogo Luiz Roberto Liza Curi, membro do Conselho Nacional de Educação (CNE). “Se vamos olhar para o ecossistema de Inovação, precisamos entender que ele parte das políticas de Educação e de Ciência, Tecnologia e Inovação (CT&I), e essas políticas precisam estar integradas, o que não acontece nos dias de hoje.”
Estas percepções ocorreram durante a mesa-redonda “Educação para a Ciência e a Inovação”, que integrou a programação da 76ª Reunião Anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC). Além de Curi, que mediou o debate, o evento também contou com as participações de Francilene Procópio Garcia, vice-presidente da SBPC, e Cristovam Wanderley Picanço Diniz, professor da Universidade Federal do Pará (UFPA).
Em sua fala, Curi apontou a evasão de estudantes que vem assolando o País. “A cada 100 crianças que entram no ensino fundamental, apenas 50 vão para o ensino médio. Se olharmos somente para o ensino médio público, do total de matriculados, apenas 20% vão para o ensino superior, sendo 5% em universidades públicas.”
O especialista pediu atenção à Educação a Distância (EAD) no Brasil, que apesar de ser um método de ensino-aprendizagem legítimo, tem sido usado como uma forma de precarização da Educação.
“Por exemplo, segundo dados do Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira), existe uma instituição de ensino em EAD no País que possui 669 mil estudantes, mas conta apenas com 259 docentes. Como que o profissional vai dar conta dessa quantidade de alunos? Ele não consegue”, alertou.
Curi pontuou que a regulação dos cursos em EAD em 2017 não avalia a qualidade do ensino. “O Ministério da Educação suspendeu a criação de novos cursos em EAD, o que é correto. O Brasil tem que reordenar sua estrutura educacional.”
O sociólogo concluiu que o EAD é necessário, principalmente em regiões onde não há estruturas educacionais, mas deve-se haver uma preocupação com a qualidade do ensino. “Hoje, do total de matrículas no ensino superior que temos no País, apenas 33% são para o ensino presencial. São 4,7 milhões de matrículas em EAD, que seguem a regulação do Ministério da Educação. O que está errado é a regulação e a avaliação do Ministério da Educação, que precisam olhar para a qualidade do ensino.”
Relação entre Educação e Ciência é algo transversal
Concordando com Curi, a vice-presidente da SBPC, Francilene Procópio Garcia, reforçou que o estímulo à Ciência e à Inovação começa desde a iniciação educacional. Garcia, inclusive, citou uma iniciativa que ocorreu durante a 76ª Reunião Anual: o espaço “Infâncias Mairi na SBPC”, um local que recebeu 1.045 crianças de até 5 anos de idade e ofereceu ações de iniciação científica.
“Nós recebemos diversos relatos de mães que, ao chegarem em casa com seus filhos após a visitação do espaço Infâncias Mairi, as crianças não queriam tirar o crachá da Reunião Anual. Elas queriam ficar com o crachá para virem ao espaço no dia seguinte”, contou.
Garcia defendeu a necessidade de programas de Educação para a Ciência, e que essas iniciativas precisam ser políticas públicas contínuas. “A Educação é o pilar fundamental para o estabelecimento de uma política nacional de CT&I.”
Entretanto, a especialista ressaltou a urgência de uma atualização do ensino, que considere práticas cada vez mais transversais. “A aplicação do conhecimento, por si só, é transversal. Ela demanda interações novas, com novos atores, o uso de ferramentas digitais e o olhar às realidades locais em que se encontra.”
A pesquisadora, que também atua na Universidade Federal de Campina Grande, na Paraíba, destacou que o avanço tecnológico, com ênfase às ferramentas de inteligência artificial, precisa ser acompanhado de perto, para que sua apropriação dentro da estrutura educacional ocorra de forma adequada. “É fundamental que a gente construa com o aluno a melhor forma de usar as ferramentas digitais, lembrando sempre que a criatividade e o conhecimento não são programáveis.”
Garcia concluiu que existe um desafio na inserção de novas práticas educacionais, que demanda recursos financeiros e novos métodos de formação de professores. É importante também que se olhe nas grades curriculares, principalmente as do ensino superior, pois a falta de flexibilidade e adequação ao mercado de trabalho tem afastado o público jovem.
“Precisamos de uma Educação que olhe para as trajetórias dos alunos e que, ao mesmo tempo, ajude no desenvolvimento de seu pensamento crítico. Isso envolve entender as realidades educacionais de hoje. Por exemplo, tem jovens que, depois da pandemia de coronavírus, não querem mais frequentar a sala de aula, e precisamos saber o porquê.”
A pesquisadora finalizou sua fala afirmando que esse debate entre Educação, Ciência e Inovação seguirá na 5ª Conferência Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação, que acontecerá nos dias 30 e 31 de julho e 1º de agosto, em Brasília. “É importante que a 5ª Conferência nos ajude a olhar para essas questões, e que elas estejam presentes no desenho das políticas científicas do País.”
Na Amazônia, distância entre ensino e realidade tira crianças da escola
Focando especificamente para o desnível educacional na Amazônia, o professor Cristovam Wanderley Picanço Diniz, da UFPA, afirmou que o distanciamento da Educação se intensifica quando há a demanda por trabalho.
“Segundo dados da Fundação Getúlio Vargas (FGV), em 2020, apenas 50% do total de crianças se matriculou. Os professores da educação básica na região não conseguem dar conta do problema de falta de aprendizagem. E quando o pai descobre que o filho não está aprendendo, tira ele da escola e coloca no trabalho. A escola está completamente descontextualizada, está de costas para o rio, de costas para a floresta. O pai pede: eu queria que meu filho aprendesse a plantar, que ele me ajudasse.”
No olhar para o acesso às universidades, a redução de estudantes é ainda mais grave. “A cada 100 jovens, 10 conseguem entrar no ensino superior. Se nós olharmos para o interior da Amazônia, esse índice cai para 1”, alertou o especialista.
Diniz defendeu que é necessária uma política de aprendizagem nova, mas que ela também venha amparada por políticas sociais, já que o povo amazônico segue lutando constantemente por sua sobrevivência. “Você não vai conseguir simplesmente convencer uma pessoa a não cortar uma tora de madeira, que vai sustentar ela e sua família por um mês, porque é necessária a preservação da área. O fato é que não há emprego, e isso tem relação direta com o acesso à Educação.”
O professor alertou que, infelizmente, o Brasil não mudou muito nas suas políticas educacionais à Amazônia durante os últimos 30 anos, e que as emergências climáticas mundiais e com impacto direto no País, como as fortes chuvas no Rio Grande do Sul, exigem uma intensificação do ensino amazônico, principalmente o ensino superior.
“Nós não vamos conseguir manter a floresta em pé se não formarmos pessoas que ajudem a pensar soluções nessas áreas degradadas. Isso requer educação científica voltada para a sustentabilidade, mas, principalmente, requer a formação de líderes locais”, concluiu.
Rafael Revadam – Jornal da Ciência