Após o trabalho desenvolvido no biênio 2021-2023 de enfrentamento a um Governo Federal marcado pelo negacionismo e por ataques à Ciência, quase toda a Diretoria da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) foi reeleita para atuar pelos próximos dois anos, de 2023 a 2025. Com pequenas mudanças de cargos e um novo nome, a nova gestão tem como desafios cobrar a retomada e o crescimento da estrutura científica nacional, com foco também na preservação do meio ambiente e dos povos tradicionais. O resultado das eleições da SBPC 2023 foram divulgados nessa terça-feira, 20 de junho.
“Essa Diretoria funcionou muito bem, de maneira bastante harmônica, mesmo tendo que enfrentar, em um ano e meio de seus dois de mandato, um governo absolutamente comprometido com as causas mais contrárias ao que nós acreditamos. Um governo que foi contra a ciência, contra a educação, a cultura, a inclusão social, o meio ambiente e a saúde. Agora, nós estamos numa situação diferente, em que o grande desafio, até devido ao descompasso entre os poderes executivo e legislativo, é a reconstrução de que o País precisa”, explica o professor e filósofo Renato Janine Ribeiro, que segue na presidência da SBPC.
Para Janine Ribeiro, uma das grandes marcas da entidade é seu aspecto suprapartidário e imparcial. “Nós estamos aqui representando a comunidade científica brasileira, justamente com a finalidade de colaborar com essa reconstrução, mas colaborar criticamente, sempre mantendo nossa independência e fazendo as críticas e os elogios que sejam necessários, creio que este é o papel do segundo mandato desta Diretoria.”
Outro nome importante que foi reconduzido ao quadro de diretores da SBPC é o físico Paulo Artaxo, novamente eleito como vice-presidente. Apesar do novo Governo Federal se mostrar consciente do papel e da importância da Ciência, Artaxo alerta que os ataques a áreas essenciais do País, como o meio ambiente, continuam, e cabe à entidade ajudar a combater os retrocessos que seguem fortes no cenário político:
“Os desafios para os próximos anos certamente serão menores do que os desafios ao longo do período do último governo, mas nós temos que lembrar que temos um Congresso Nacional que está fazendo todo o possível para continuar a destruir a legislação ambiental, continuar a tirar o prestígio da pesquisa científica e do ensino em todos os níveis. Então, é uma ameaça que a SBPC tem que enfrentar de frente, de maneira forte, com autoridade e autonomia com relação ao atual governo.”
Nesta nova Diretoria, há algumas mudanças em comparação com a gestão anterior. Anteriormente como secretária da SBPC, a professora Francilene Procópio Garcia agora assume a Vice-Presidência da entidade.
“Nós temos uma entidade que tem a importância de mobilizar pesquisadores, cientistas e alunos de graduação e de pós-graduação em todo o País preocupados com os desafios que o Brasil enfrenta, mas, sobretudo, olhando de que forma a ciência brasileira pode estar à disposição da sociedade e dos avanços do País”, relata a especialista.
Garcia aponta que as articulações que a entidade vem realizando são fundamentais para manter um ambiente democrático de diálogo e discussão, principalmente para garantir os direitos que estão registrados em nossa Constituição Federal. Assim como Artaxo, ela considera urgente o olhar às demandas ambientais, além de lutar pelo aporte a novos cientistas.
“Nós pretendemos continuar reafirmando a importância da competência científica já instalada no País, a importância da melhoria da infraestrutura de apoio à pesquisa e, sobretudo, nos novos desenhos e articulações que o Brasil vive. Vale citar a importância da presença das nossas instituições científicas e tecnológicas em desafios como a segurança alimentar e o enfrentamento às questões climáticas. E é fundamental também que nós possamos olhar de forma muito especial para os jovens cientistas, que procuram um espaço de continuidade de fixação em nosso País.”
Agora secretária da entidade, a socióloga Fernanda Sobral segue no time que lidera a SBPC para dar continuidade às medidas positivas dos últimos anos. “Embora eu esteja saindo da Vice-Presidência, continuar participando dessa Diretoria é importante, porque ela foi muito coesa em suas decisões e ações. Compreendi que poderia colaborar na continuidade dessa coesão, agora num outro momento do País” declara.
Para Sobral, a SBPC conquistou nos últimos anos um espaço decisório importante, e o utiliza em prol da Ciência. “A SBPC, ainda que não seja partidária, tem uma importância política muito forte, eu diria. Ela é ouvida em vários fóruns e conselhos, o que a torna uma liderança fundamental no sentido de influenciar na construção de políticas públicas, sobretudo aquelas referentes à educação, ciência, tecnologia, inovação e direitos humanos.”
Novo nome que compõe a diretoria no biênio 2023-2025 é o de Marilene Corrêa da Silva Freitas, professora titular da Universidade Federal do Amazonas e, agora, uma das três secretárias da entidade. Para a pesquisadora, os desafios da SBPC transcendem a agenda científica brasileira, e a entidade tem como característica-base o uso da defesa da democracia como relação política para que as instituições científicas funcionem.
“Hoje, a SBPC tem novos desafios. O primeiro desafio é a recuperação do status, da importância e, mais ainda, do orçamento para a ciência brasileira, que ficou bastante debilitado e prejudicado na conjuntura precedente. E outro desafio é retomar o diálogo institucional republicano entre a ciência e tecnologia no Brasil, as instituições que operacionalizam e as instâncias do poder nacional. A SBPC sempre foi uma porta-voz das liberdades democráticas, sempre apostou na democracia e sempre apostou na mudança positiva e numa agenda bem concatenada, que corresponde aos interesses nacionais brasileiros”, afirma a cientista.
Uma responsabilidade de décadas
Prestes a completar 75 anos de fundação – a serem comemorados no próximo dia 8 de julho -,a trajetória da SBPC é repleta de histórias e responsabilidades, que são passadas a quem chega em seu quadro de gestores, explica a segunda tesoureira da entidade, Ana Tereza Ribeiro de Vasconcelos.
“A SBPC é uma entidade que está celebrando agora 75 anos. Ela esteve presente em diversas fases da democracia no Brasil e, mesmo durante a época de ditadura, atuou sempre com firmeza e suprapartidariamente, tentando ajudar a colaborar com a sociedade civil para o desenvolvimento da ciência e da tecnologia. Então, é um desafio muito grande representar essa sociedade na Diretoria e representar essa sociedade nas várias atividades que a gente desenvolve, porque é uma responsabilidade muito grande, né? A SBPC tem um nome, e é muito importante.”
Outra pessoa que ressalta o passado histórico da entidade e como ele é essencial na construção política do Brasil atual é a professora Laila Salmen Espindola, reeleita para um dos três cargos da Secretaria da entidade.
“A SBPC cumpre, em sua essência, o papel de orientar com muita ciência, clareza e firmeza, a lucidez em processos de decisão, que possam colocar em risco nosso projeto de nação democrática. Com conhecimento e a tradição do diálogo, exerce um trabalho que exige constante atenção e resposta quase que imediata, para acudir ou valorizar os acontecimentos diários que envolvem ciência, educação, saúde, meio ambiente, tecnologia, cultura e inclusão social”, diz.
Baseada em Brasília, o polo político do País, Espindola acompanha de perto processos em diferentes entidades, como as pastas ministeriais, as Fundações de Amparo à Pesquisa, a Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior), o CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico), entre outras entidades. Para a especialista, um dos desafios nesta nova Diretoria que se inicia é lutar pela valorização dos conhecimentos tradicionais como conhecimentos científicos e, principalmente, garantir a sua proteção.
“Trabalhamos para promover o crescimento de um Brasil, que não deve separar a economia do social. Ainda temos um longo caminho a ser percorrido neste País, principalmente na proteção do conhecimento tradicional dos povos indígenas, quilombolas e ribeirinhos. Esse conhecimento tradicional que, na história mundial, nos deu tantos medicamentos, como antimaláricos, anticancerígenos, a própria digoxina, e tantos outros. A ciência dos povos indígenas é um patrimônio que precisa ser protegido, e não respeitar esses povos, significa trair o Brasil.”
Os debates econômicos e societários também são preocupações da primeira tesoureira da entidade, Marimélia Porcionatto, que destaca a importância da sequência do trabalho iniciado na gestão passada. “Para esse mandato, nós pretendemos dar continuidade ao trabalho que já vinha sendo realizado de captação de recursos para que a SBPC possa realizar os seus programas e as suas atividades, e também, junto com a equipe financeira, cuidar para que estes recursos sejam utilizados de maneira responsável e transparente. Com isso, nós queremos que a SBPC continue na sua missão de luta pela ciência, educação e democracia”, afirma.
Após as constantes lutas pelo reconhecimento da importância da ciência e para evitar os contingenciamentos de recursos na gestão passada, a secretária-geral da SBPC, Claudia Linhares Sales, concorda com os demais membros da diretoria sobre o Brasil viver um período de melhor reconhecimento da Ciência, mas isso não significa que é um período sem lutas:
“Para essa nova gestão, os debates serão muito mais qualificados, as lutas serão boas lutas, finalmente, mas elas nunca deixarão de existir, porque é assim que se constroem as coisas, né? Se constroem no debate, na troca de ideias. Então, é um cenário de muito mais respeito, com a intenção de refundar e reconstruir o que perdemos, além da expectativa de avançarmos”, pondera.
Se nos últimos anos, as lutas da SBPC foram essencialmente contra os cortes de recursos e pelo amparo à estrutura científica nacional, agora, Sales torce para que a entidade assuma uma nova postura, menos combativa e mais agregadora.
“A gente passou do modo de sobrevivência – e não falo de aspectos financeiros ou qualquer coisa assim, mas do aspecto existencial – para o modo no qual a ciência volta a ser crucial para o desenvolvimento do Brasil. E que a gente possa, agora, finalmente, trabalhar e fazer o que a SBPC sempre fez: aglomerar grupos e pessoas para propor estudos e políticas que nos levem ao País que todos sonhamos”, conclui.
A Diretoria eleita será empossada no dia 27 de julho, na Assembleia Geral Ordinária dos Sócios, que será realizada durante a 75ª Reunião Anual da SBPC, na Universidade Federal do Paraná (UFPR), em Curitiba. Confira a lista de todos os eleitos, incluindo os conselheiros regionais, neste link.
Rafael Revadam – Jornal da Ciência