“É possível a gente chegar a uma bateria realmente sustentável”, diz Aldo Zarbin

Em sua conferência na 76ª Reunião Anual da SBPC, nessa terça-feira (9/07), o químico e professor da UFPR apresentou os avanços em novos materiais nanotecnológicos voltados para o desenvolvimento de baterias seguras, duráveis e que colaborem com a preservação ambiental
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Foto: Jardel Rodrigues

A busca por soluções tecnológicas que equilibrem inovação e sustentabilidade é um grande objetivo do grupo da pesquisa liderado pelo químico Aldo Zarbin, professor da Universidade Federal do Paraná (UFPR) e conselheiro da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC). Em sua conferência na 76ª Reunião Anual da SBPC, realizada no campus Guamá da Universidade Federal do Pará (UFPA), em Belém, nessa terça-feira (9/07), Zarbin apresentou os avanços em novos materiais nanotecnológicos voltados para o desenvolvimento de baterias seguras, duráveis e que colaborem com a preservação ambiental. A sessão foi coordenada pela pesquisadora do Laboratório Nacional de Computação Cientifica (LNCC/MCTI) e diretora da SBPC, Ana Tereza Ribeiro de Vasconcelos.

As baterias são essenciais para a portabilidade de dispositivos como celulares, tablets e, também, carros elétricos, cujo uso cresce exponencialmente. No entanto, a extração de lítio e cobalto, elementos-chave das baterias atuais, está associada a graves impactos ambientais e sociais, como consumo excessivo de água, emissão de CO2 e exploração de mão de obra.

Zarbin e seu grupo de pesquisa em Química de Materiais na UFPR têm se dedicado às soluções mais sustentáveis para o armazenamento de energia que possam substituir, com ganhos em eficiência e sustentabilidade, os materiais amplamente utilizados atualmente, em especial o lítio.

A descoberta da aplicação dos íons de lítio na fabricação de baterias recarregáveis foi revolucionária, rendendo o Prêmio Nobel de Química em 2019 aos pesquisadores John B. Goodenough, M. Stanley Whittingham e Akira Yoshino.

O lítio, conhecido como “ouro branco”, é considerado o metal mais valioso hoje, porém sua extração é altamente poluente. Para se ter uma ideia, são necessários 2,1 milhões de litros de água para cada tonelada de lítio obtida. Além disso, as mineradoras não usam energia limpa para extrair esse metal. Outro problema, é a exploração da mão de obra que garimpa esse metal. É conhecida a alta incidência de doenças respiratórias entre os trabalhadores dessas minas, concentradas em poucas regiões do mundo. Os maiores produtores de lítio são a Austrália, o Chile, a China, a Argentina e o Brasil. Mas as três maiores reservas estão concentradas na América Latina: Bolívia, Argentina e Chile.

“Não há sustentabilidade energética sem baterias. Somos capazes de armazenar, atualmente, apenas 1% da energia consumida no mundo. Porém, os materiais que compõem as baterias, bem como a forma de extração desses materiais não é nada sustentável ainda”, disse o cientista.

Além do lítio, as baterias atuais levam também carbono, óxido de cobalto litiado e compostos orgânicos derivados de petróleo com sais de lítio dissolvidos. O cobalto também tem sua extração fortemente ligada à exploração de trabalho escravo e trabalho infantil. Cerca de ¾ de todo o cobalto usado vem do Congo e 70% é processado na China. Sua extração e produção também é responsável pela liberação de grandes quantidades de CO2 para a atmosfera. Os eletrólitos ainda levam muitos derivados de petróleo – que além de tóxicos, são altamente inflamáveis.

“Baterias mais baratas e mais seguras, produzidas a partir de materiais sustentáveis, impõem desafios técnicos e tecnológico enormes.” E é esse desafio que o grupo de Zarbin vem abraçando há alguns anos.

O primeiro e maior de todos é substituir o lítio, o menor, mais leve e eficiente, em termos de voltagens, elemento da tabela periódica. Em sua conferência, Zabin citou dois possíveis substitutos deles próximos na tabela, que seu grupo vem estudando: o sódio e o potássio. Porém ambos possuem raios iônicos maiores – entende-se por raio iônico o tamanho que um átomo apresenta após perder ou ganhar elétrons. Ou seja, manter ou reduzir o tamanho das baterias torna-se um obstáculo.

Porém, o sódio e o potássio possuem imensas vantagens com relação ao lítio no quesito sustentabilidade: são muito mais abundantes, com distribuição geográfica mais ampla e uniforme, o que também faz que sejam mais baratos. As baterias produzidas a partir deles seriam mais seguras e de fácil reciclagem.

A tecnologia que permitiria esse grande avanço chama-se nanoarquitetura, ou seja, a composição de materiais diferentes para atingir novas propriedades por meio de um efeito sinérgico. “Nanomateriais são extremamente fantásticos. Não se trata de produzir uma mudança na composição química, mas sim na produção de novos materiais, com novas propriedades, a partir do contato. É a verdadeira soma: 1+1>2”, disse Zarbin.

É o que seu grupo faz: eles elaboram e testam novas interações dos elementos em níveis nanométricos para descobrir novas propriedades. Zarbin ficou conhecido mundialmente pelo desenvolvimento de uma maneira de processar nanomateriais avançados e sofisticados na forma de uma fina camada que pode ser aplicada sobre diferentes superfícies, conhecidas como filmes finos. Esse tipo de nanotecnologia é usada nas telas de celulares e tablets para viabilizar o touch screen. “Parece banal hoje, mas há alguns anos isso era coisa de ficção científica: acessar informações com um simples toque do seu dedo sobre uma tela de telefone.”

Amplamente utilizada em incontáveis aplicações tecnológicas, a tecnologia do filme fino abre possibilidades, por exemplo, para exploração de novos nichos inovativos, como a produção de baterias transparentes com dispositivos optoeletrônicos, com janelas, vidros e telas. Possibilitaria, em teoria, a redução da espessura de eletrodos, a produção de baterias flexíveis e multifuncionais também. “É isso que a gente tenta fazer, uma bateria recarregável de íon de sódio, transparente, flexível e, ao mesmo tempo, estável e segura”, resumiu Zarbin.  “É possível a gente chegar a uma bateria realmente sustentável”, garantiu.

Apesar dos desafios, a perspectiva de alcançar uma bateria verdadeiramente sustentável é cada vez mais tangível, resta torcer para que seja uma inovação mundial legitimamente brasileira.

Daniela Klebis – Jornal da Ciência