A segurança alimentar no Brasil é um tema que entrelaça questões sociais, ambientais e econômicas. É, por isso, campo vasto em oportunidades para o engajamento científico e de instituições não governamentais, a exemplo das instituições filantrópicas. Observa-se uma crescente tendência entre instituições de buscar soluções inovadoras e sustentáveis para os desafios que enfrentamos. A conexão dessas instituições com a ciência e a presença de atores internacionais são cruciais para o avanço dessa agenda.
Na editoria especial do JC Notícias desta sexta-feira, trazemos diversos exemplos de iniciativas neste sentido: O Instituto Ibirapitanga, que não apenas se dedica à equidade racial, mas também vem mobilizando esforços por agendas de sistemas alimentares sustentáveis relacionados à biodiversidade brasileira. Ou o Arapyau e seu foco em soluções sustentáveis e escaláveis, especialmente para a Amazônia e o Sul da Bahia, regiões críticas para a conservação ambiental e a sustentabilidade agrícola no Brasil. Podemos citar ainda a AYA Earth Partners, que oferece uma perspectiva sobre a economia regenerativa e o carbono zero. Seu recente estudo ressalta os desafios dos sistemas de produção agrícola, que, embora tenham trazido prosperidade econômica como grandes produtores de grãos e carnes, também levaram a um alto custo ambiental. Uma análise que reforça a necessidade de políticas públicas que integrem ciência, tecnologia e inovação para transformar e regenerar nossas práticas agrícolas.
Em novembro do ano passado, a Fapesp e a Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq) da USP em Piracicaba lançaram o Centro de Estudos de Carbono em Agricultura Tropical, o Ccarbon. O objetivo do CCarbon é desenvolver soluções e estratégias inovadoras em agricultura tropical sustentável, baseadas em carbono, para mitigar as mudanças climáticas e melhorar os padrões e condições de vida. Carlos Eduardo Cerri, diretor do Centro, destaca que, enquanto 70% das emissões globais de gases de efeito estufa originam-se da queima de combustíveis fósseis, cerca de 20% provêm da agricultura, pecuária e desmatamento. Face ao desafio de aumentar a produção de alimentos em 40% até 2050 para atender à demanda global, o Brasil se vê diante da necessidade de expandir sua capacidade agrícola, porém com um olhar atento à sustentabilidade ambiental, social e econômica.
O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), importante movimento social cuja atuação encontra-se espalhada por todo o território brasileiro, atento às mudanças inspiradas pelos avanços da ciência e da tecnologia e comprometido com a produção de alimentos saudáveis com práticas sustentáveis, articula e mobiliza os agricultores assentados em torno da produção de alimentos orgânicos. O MST é o maior produtor de arroz orgânico do Brasil. Segundo dados do Irga (Instituto Riograndense do Arroz), órgão vinculado do Governo do Rio Grande do Sul que monitora a produção do grão, mais de 4.000 hectares da produção de arroz orgânico estão em assentamentos do MST, contra menos de 1.000 hectares dos demais produtores do estado, que concentra 70% da produção do grão no Brasil.
Como nação, o Brasil possui um papel único no cenário global devido à sua vasta biodiversidade e capacidade agrícola. É urgente que continuemos a explorar e implementar estratégias que não apenas protejam nossos recursos, mas também garantam a segurança alimentar de maneira justa e sustentável. A ciência tem um papel crítico nesse processo, fornecendo as bases para políticas públicas eficazes e inovadoras que possam transformar nossos sistemas alimentares.
Este ponto é extremamente importante, porque integra a produção de alimentos saudáveis com práticas de produção igualmente saudáveis, promovendo uma harmonização crescente entre as demandas da humanidade e as capacidades da natureza. Isso envolve a fusão de boas políticas com a cooperação entre as diversas ciências, incluindo as humanas, e a recuperação do senso de pertencimento, de coletividade. Como foi dito em evento realizado recentemente pela SBPC, sobre a contribuição das Ciências Humanas e das Humanidades no desenvolvimento do Brasil, esse é o tipo de nova utopia que só nasce na integração de saberes.
As abordagens de redes são fundamentais para enfrentarmos os complexos problemas de nossos sistemas alimentares. A integração de esforços entre cientistas, governos, empresas e a sociedade é a chave para avançar nessa agenda. Com o comprometimento e colaboração de todos esses atores, podemos aspirar a um futuro no qual o Brasil não apenas se destaque como um líder agrícola global, mas também como um exemplo de sustentabilidade e equidade.
Renato Janine Ribeiro, presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência – SBPC
Francilene Procópio Garcia, vice-presidente da SBPC
Veja abaixo as nota do Especial da Semana – Segurança alimentar e a contribuição brasileira
Estadão, 15/02/2024 – Por que a produção de alimentos é central na conservação da Amazônia
Arapyaú, 01/03/2024 – Amazônia no centro do debate sobre o futuro dos alimentos
Agência Fapesp – Novo centro da Fapesp tem a missão de reduzir emissões e aumentar o sequestro de carbono na agricultura
Jornal da USP – Centro de Estudos de Carbono da USP vai propor soluções inovadoras e sustentáveis para a agricultura brasileira
Instituto Fome Zero, 14/12/2023 – Garantir o direito humano à alimentação adequada e saudável
WWF, 147/10/2023 – Soluções e demandas para Sistemas Alimentares Sustentáveis são postas à mesa
ClimaInfo, 04/12/2023 – Países se comprometem a incluir agricultura e sistemas alimentares em metas climáticas
Folha de S. Paulo, 01/12/2023 – Alimentação entra na pauta da COP28 com declaração de mais de cem nações, inclusive o Brasil
Agência Brasil, 06/08/2023 – Tecnologia e inovação são caminho para sistemas alimentares amazônicos
Brasil de Fato, 20/04/2023 – Maior produção de arroz orgânico da América Latina: conheça a experiência agroecológica do MST
Exame.com, 11/11/2023 – Custos ‘invisíveis’ dos sistemas agroalimentares chegam a US$ 12 trilhões, segundo a FAO
Agência Brasil, 26/03/2024 – Atlas dos Sistemas Alimentares aponta crise em países do Cone Sul
Um Só Planeta, 31/01/2024 – Transformação dos sistemas alimentares pode trazer benefícios de até US$10 bilhões por ano, aponta relatório
Folha de S. Paulo, 24/10/2023 – Produção de comida responde por 74% dos gases-estufa do Brasil, diz estudo
Estadão,02/09/2023 – Fome, insegurança alimentar e crise climática na Amazônia
Nexo, 25/03/2024- A piscicultura da Amazônia e o uso de bioflocos: um exemplo de investimento em ciência e tecnologia estratégico para a região
Arapyaú, 03/04/2024 – Passado, presente e o futuro do cacau sustentável brasileiro: uma conversa com o cacauicultor Ricardo Gomes
Ecoa – UOL, 05/06/2023 – Seus filhos só comem orgânicos? Mas a água que bebem está cheia de veneno
Ibirapitanga, 31/10/2023 – Cinco pontos de atenção sobre estratégias da indústria e do agronegócio