EDITORIAL: Ciência e Olimpíadas, uma conexão inseparável

“Se você ama esportes, celebre também a ciência, pois é ela que, silenciosa e continuamente, faz das Olimpíadas o evento extraordinário que conhecemos hoje”, escreve o presidente da SBPC, Renato Janine Ribeiro, para a editoria especial do JCN desta sexta-feira

WhatsApp Image 2024-08-02 at 13.09.56Se você ama esportes, deveria amar a ciência também. Isso pode parecer uma provocação, mas é, na verdade, uma celebração da íntima ligação entre essas duas forças da transformação humana. As Olimpíadas, um evento que transcende fronteiras e culturas, têm uma história que remonta a mais de dois milênios, mas sua evolução até o que conhecemos hoje está profundamente entrelaçada com a criatividade e o avanço científico.

Os Jogos Olímpicos, desde sua origem na Grécia Antiga – registros apontam que o primeiro evento teria sido provavelmente em 776 a.C. – sempre foram mais do que simples competições esportivas. Eram também um palco para expressões culturais, onde até mesmo as artes e a poesia já chegaram a competir por medalhas, já nas Olimpíadas modernas, entre 1912 e 1948. Esta história fascinante, muitas vezes esquecida, reflete a profunda relação entre o esporte e outras formas de conhecimento e engenhosidade do ser humano.

Mais que isso: embora as fontes não sejam unanimes, sabemos que os Jogos, na Grécia, proporcionavam uma trégua nas guerras que as cidades-Estado helênicas travavam. As Olimpiadas deveriam, especialmente neste tempo em que guerras se multiplicam, trazer a paz – ou, pelo menos, trazê-la para o centro da reflexão atual.

A ciência, em particular, tem sido a força motriz da evolução dos Jogos Olímpicos modernos. Desde a primeira maratona em 1896, recriada por iniciativa do barão francês Pierre de Coubertin (muito homenageado na abertura dos jogos, na sexta-feira passada), até os recentes recordes quebrados, a ciência tem participado em cada detalhe. Tecnologias de vestimentas e equipamentos, aprimoramento de técnicas de treinamento, psicologia esportiva, arquitetura das arenas, segurança dos eventos, gestão de grandes públicos, urbanismo, sustentabilidade e até mesmo a comunicação global que une bilhões de espectadores ao redor do mundo – tudo isso é fruto de muito estudo, muito investimento e muitos avanços científicos.

A ciência do esporte, por exemplo, é responsável por cada milissegundo ganho em uma corrida ou por cada centímetro adicional alcançado em um salto. Os trajes dos atletas, desenhados para maximizar a eficiência aerodinâmica, são o resultado de anos de pesquisa em materiais, química e física. Os testes antidoping, cada vez mais sofisticados, garantem a integridade das competições. E o estudo da psicologia dos atletas mostra como o controle da mente, do estresse e da motivação podem ser fatores determinantes para a conquista dos pódios.

A engenharia e a arquitetura também desempenham papéis cruciais. As arenas olímpicas não são apenas monumentos ao esporte, mas marcos de inovação arquitetônica e sustentabilidade. Em 1992, o conceito do legado foi introduzido nas Olimpíadas e, desde então, para serem selecionadas pelo Comitê Olímpico Internacional (COI), as cidades que se candidatam devem apresentar também um plano de longo prazo. Os Jogos de Paris 2024, por exemplo, estão comprometidos em deixar um legado verde, com o uso de energias renováveis e a promoção de práticas ecológicas em todas as instalações.

Com isso, a ciência oferece também um olhar crítico para o futuro dos Jogos. Em tempos de mudanças climáticas e aquecimento global, os desafios ambientais tornam-se cada vez mais reais e urgentes. Neste ano, vimos um alerta geral para os perigos do calor extremo na Europa e cientistas climáticos buscando maneiras de proteger os atletas em um mundo cada vez mais quente e imprevisível.

Desde os primeiros jogos até os complexos torneios olímpicos dos dias atuais, o esporte sempre esteve profundamente enraizado na cultura e na identidade humana. Se nos Jogos Olímpicos da antiguidade, celebrações da excelência, da virtude e da harmonia entre corpo e mente, os atletas ofereciam suas vitórias a Zeus, hoje, uma outra figura mítica poderia ser, também, símbolo das Olimpíadas: Atena, deusa da sabedoria, da estratégia e da guerra. Na mitologia grega, ela nasce da cabeça de Zeus e personifica a inteligência que orienta a força bruta. Enquanto Zeus simboliza o vigor e a determinação, Atena é a guardiã da mente estratégica, aquela que compreende que o conhecimento é a verdadeira chave para o sucesso, seja no campo de batalha ou na arena esportiva. Muito emblemática a escolha da cidade que marcou o início da era moderna desses jogos ser, justamente, Atenas.

Os Jogos Olímpicos são, portanto, uma celebração não apenas do corpo humano em sua máxima performance, mas também da mente e da criatividade que permitem essas façanhas. Quando a chama olímpica é acesa (também uma obra da tecnologia, que hoje resiste às condições climáticas adversas), ela ilumina não só as arenas esportivas, mas também os laboratórios, as universidades e os centros de pesquisa que tornam esse espetáculo possível.

Assim, ao vibrarmos com cada medalha conquistada, lembremos que por trás de cada atleta há uma equipe de cientistas, engenheiros, médicos e muitos outros profissionais que transformam expectativas em realidade. Se você ama esportes, celebre também a ciência – pois é ela que, silenciosa e continuamente, faz das Olimpíadas o evento extraordinário que conhecemos hoje.

Finalmente, lembremos que o esporte competitivo, que ora celebramos, deve servir de inspiração ao que é realmente decisivo: a saúde de todos os cidadãos, a saúde como parte da cidadania, garantindo à humanidade que pelas atividades físicas consiga viver com qualidade os anos e decênios a mais, que os avanços das ciências da saúde têm proporcionado.

Renato Janine Ribeiro, presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência – SBPC

Veja as notas do Especial da Semana – Ciência nas Olimpíadas

Smithsonian Magazine, 25/07/2024 – De maiôs elegantes a tênis de corrida especializados, essas cinco inovações transformaram as Olimpíadas

Folha de S. Paulo – Uniformes olímpicos e o efeito das roupas: o que a ciência diz

Nature – Três maneiras pelas quais a IA está mudando as Olimpíadas de 2024 para atletas e fãs

Nature – O matemático que ajuda nadadores olímpicos a irem mais rápido

The Conversation, 25/07/2024 – Paris 1900-2024: das primeiras mulheres olímpicas aos primeiros jogos paritários

Mídia Ninja, 28/07/2024 – Ciência e esporte: quem são as mulheres cientistas competindo nas Olimpíadas de Paris 2024

Metrópoles, 29/07/2024 – Como é o cérebro de um atleta olímpico? Ciência aponta diferenças

Época Negócios, 30/07/2024 – Olimpíadas: por que corredores de elite vivem mais do que a maioria das pessoas

The Conversation, 23/07/2024 – Os desafios do antidoping nos Jogos Olímpicos de Paris 2024

Canaltech, 26/07/2024 – Olimpíadas 2024: Como funciona o teste antidoping dos jogos olímpicos

Poder360, 28/07/2024 – França investe em segurança e tecnologia para Jogos Olímpicos

O Tempo, 22/06/2024 – Mudanças climáticas ameaçam atletas das Olimpíadas de Paris, alertam cientistas

Olhar Digital, 29/07/2024 – Paris: pira olímpica tech não tem combustão; veja como ela funciona

Tecmundo, 31/07/2024 – Assistir às Olimpíadas pode fazer com que nos exercitemos mais?

The Conversation, 22/07/2024 – Assistir a esportes é bom para você graças aos efeitos do vínculo social