EDITORIAL: Educação, eixo da mobilidade social

“A SBPC reafirma sua convicção de que a educação é a chave para um Brasil mais justo, inovador e democrático”, escreve Francilene Procópio Garcia, presidente da SBPC, para a editoria especial desta sexta-feira, que discute os dados sobre o Brasil apresentados no relatório Education at a Glance 2025, da OCDE

WhatsApp Image 2025-09-19 at 13.47.53A promessa republicana de igualdade de oportunidades passa, indiscutivelmente, pela educação. E o relatório Education at a Glance 2025, publicado pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) na última semana, reforça o impacto da formação superior como vetor de mobilidade social e de todas as políticas públicas nesta direção. O documento também evidencia alguns pontos que alertam para as fragilidades que ainda limitam o potencial do Brasil.

Entre os pontos positivos que podem ser destacados, no que diz respeito ao nosso país, está o impacto direto da conclusão de um curso superior nas trajetórias de vida. Mais de 40% dos adultos com diploma recebem mais que o dobro da média salarial nacional, um dos índices mais altos entre os países avaliados. A renda de quem conclui a graduação chega a ser 148% maior do que a de quem possui apenas o ensino médio. Tal resultado mostra que a educação continua sendo o principal instrumento no Brasil para enfrentar as desigualdades persistentes e romper ciclos de pobreza.

Mas a mobilidade social não depende apenas do ensino superior: ela começa na educação básica. O desempenho frágil em alfabetização, matemática e ciências impacta diretamente a permanência e a qualidade da formação universitária. Sem investimento consistente em escolas públicas de qualidade, o funil de acesso continuará estreito e desigual.

Há também, nesse panorama da OCDE, pontos de alerta sobre nosso sistema educacional. O Brasil aparece entre os países com menor proporção de mestres entre jovens de 25 a 34 anos, apenas 4%. A evasão universitária também segue elevada e apenas 24% dos jovens concluem o ensino superior, menos da metade da média dos países da OCDE. E entre os que têm de 18 a 24 anos, quase um quarto não estuda nem trabalha, a chamada geração nem-nem. Esses indicadores revelam que as desigualdades socioeconômicas estruturais ainda limitam fortemente a ascensão educacional. Compreender as razões por trás desses números, desde as deficiências da educação básica até as barreiras de permanência estudantil, e agir sobre elas é um dever nosso.

Não basta ampliar o acesso: é necessário garantir qualidade e relevância na formação para que as competências acompanhem os diplomas. Isso implica investir na valorização da carreira docente e em melhores condições de ingresso e permanência no ensino superior, de modo a reduzir a evasão e garantir a atração de talentos. Também é urgente fortalecer o ensino técnico e profissional, que em países da OCDE é uma via central de mobilidade e empregabilidade. O Brasil ainda oferece poucas oportunidades nessa modalidade, o que amplia o desequilíbrio de competências.

Além disso, é preciso olhar para a diversificação das áreas de formação. Enquanto Administração e Direito concentram mais de um terço dos graduados, apenas 16% dos formados são das áreas de STEM (ciência, tecnologia, engenharias e matemática). Ou seja, existe um claro desequilíbrio na formação de competências, que tem, obviamente, um preço no desenvolvimento do país. E, no cenário global, novas competências em inteligência artificial, sustentabilidade e transição verde tornam-se cada vez mais indispensáveis para garantir a inserção soberana do Brasil.

É preciso lembrar, entretanto, que o Brasil é um país de dimensões continentais e que os números médios nacionais apresentados pela OCDE generalizam realidades que são muito diversas entre Norte, Nordeste, Sul, Sudeste e Centro-Oeste. Essa diversidade interna exige políticas ajustadas às especificidades regionais. Além disso, comparações diretas com países europeus, geralmente menores em população e território, não refletem a complexidade de um sistema educacional que atende dezenas de milhões de estudantes.

Outro ponto para levarmos em conta quando falamos de educação e oportunidades é a política de cotas, que ampliou o acesso ao ensino superior para grupos historicamente excluídos e que, segundo dados recentes do Inep, apresenta taxas de conclusão até maiores que as de não cotistas. As cotas se mostraram um instrumento indispensável para corrigir distorções históricas e tornar a universidade mais representativa da sociedade brasileira.

Não se pode esquecer que o Brasil não integra a OCDE, mas participa como convidado, ou “parceiro estratégico”, em razão de sua importância geopolítica. Ainda assim, mesmo com todas as limitações, o relatório faz um retrato do estado da arte da educação no país e do papel que desempenha na mobilidade social, em comparação com os países mais ricos do mundo. Ou seja, mostra ao que podemos aspirar e que, embora existam muitas discrepâncias, podemos reconhecer o grande potencial da educação na transformação de nossa sociedade.

Não à toa, a educação é alvo permanente de disputas políticas. De um lado, a desqualificação das universidades públicas, responsáveis por mais de 90% da pesquisa científica nacional, e propostas de controle e militarização das escolas. De outro, a crônica falta de financiamento, as barreiras de permanência estudantil e os ataques às políticas afirmativas, como as cotas. É necessário um compromisso nacional com a sustentabilidade do financiamento educacional, de forma estável e plurianual, envolvendo Fundeb (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação), bolsas de pesquisa e inovação e recursos do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT).

Outro vetor a considerar é a internacionalização. Mais do que indicadores de acesso, é preciso estimular mobilidade acadêmica, cooperação científica e inserção do Brasil em redes globais de conhecimento, aproveitando sua posição estratégica em temas como biodiversidade e mudanças climáticas.

A educação superior multiplica oportunidades, e seus efeitos podem alcançar muito mais brasileiros. O desafio é ampliar esse impacto com planejamento e estratégia, por meio de políticas públicas que garantam maior acesso e formação de qualidade, ao mesmo tempo em que propiciem oportunidades de inserção em um mercado de trabalho próspero, moderno e sustentável. Assim, cria-se um círculo virtuoso de produção e aplicação de conhecimento, geração de oportunidades e expansão do próprio sistema.

Esse caminho só será possível com valorização docente, fortalecimento da educação básica, ampliação do ensino técnico, maior aproximação entre universidades e setores produtivos, e alinhamento às transições digital e sustentável em curso no mundo. A SBPC reafirma sua convicção de que a educação é a chave para um Brasil mais justo, inovador e democrático.

Francilene Procópio Garcia, presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência – SBPC

 

Veja as notas do Especial da Semana – OCDE, educação e mobilidade social

Estadão – Investimento do Brasil em ensino superior era igual ao dos países ricos – mas agora isso mudou

Estadão – O peso do diploma universitário: 6 pontos mostram distância do Brasil para os países ricos

O Globo – Só 1% dos jovens adultos brasileiros tem mestrado; taxa da OCDE é de 16%, aponta Education at Glance

Agência Brasil – Ensino superior no Brasil pode mais que dobrar salário

O Globo – Brasileiro com graduação ganha mais que o dobro de quem só fez ensino médio, diz relatório da OCDE

Estadão – O peso do diploma universitário: 6 pontos mostram distância do Brasil para os países ricos

Folha de S. Paulo – Brasil tem a 4ª maior proporção de jovens que não trabalham nem estudam, diz OCDE

Estadão – Ensino técnico no Brasil cresce, mas ainda está bem longe de países ricos

Estadão – Brasileiro estuda menos Engenharia, Tecnologia e Matemática? Veja diferença para países ricos

Agência Brasil, 10/09/2025 – Alfabetização de adultos pode aumentar renda em até 16%, aponta estudo

Nexo, 28/04/2025 – O perfil e os motivos que levam os jovens a não concluir o ensino básico

CNN Brasil, 04/12/2024 – IBGE: 9,1 milhões abandonaram a escola sem terminar o ensino básico até 2023

Folha de S. Paulo , 04/12/2025 – 1 em cada 5 jovens do país abandona escola antes de concluir educação básica

Nexo, 04/05/2024 – O trauma da pobreza e o processo de ascensão social pela educação

O Globo, 08/06/2025 – Salário de quem tem pós é quase o dobro do ganho de quem só tem graduação, mostra pesquisa

Agência Brasil, 10/04/2025 – MTE lança cursos profissionalizantes para quem não tem o ensino básico

Nexo, 06/12/2024 – Desigualdades raciais na educação no Brasil

Deutsche Welle Brasil, 10/10/2024 – Por que cotistas têm maior taxa de conclusão de curso

O Globo, 01/06/2025 – ‘Não vejo nenhuma mudança radical nos próximo 50 anos’, diz Naercio Menezes Filho sobre ascensão social no Brasil

Exame – Raízes do futuro: o papel da educação na ascensão de um País

Folha de S. Paulo – Ainda vale a pena estudar no Brasil