EDITORIAL – Hora de realizar

“A voz da ciência, mais do que nunca, precisa ser escutada, fortalecida e incorporada às políticas públicas que moldarão o Brasil das próximas décadas”, escrevem Renato Janine Ribeiro e Francilene Garcia, presidente e vice-presidente da SBPC, para a editoria especial desta sexta-feira

WhatsApp Image 2025-05-29 at 14.54.48O seminário “Vozes da Ciência”, realizado pela SBPC em parceria com a Academia Brasileira de Ciências (ABC), nos dias 22 e 23 maio, reforçou o papel civilizador da ciência, especialmente em um país que ͏tenta, mais uma vez, se reerguer após um período de ͏falta de recursos, negacionismo e retrocessos nas políticas públicas. Em tempos de tensão fiscal e desunião federal͏, é muito representativo conseguir chegar a um consenso sobre uma agenda de Ciência, Tecnologia e Inovação (CT&I).

Livro Violeta, publicação final sobre os esforços conjuntos da 5ª Conferência Nacional, é o registro vivo das recomendações para a formulação de uma Estratégia Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação (ENCTI) e de um Plano Decenal concretos, viáveis e que exigem ação coletiva e coordenada.

A história recente nos mostra que o risco não está apenas na ausência de propostas, mas na fragilidade das políticas públicas diante das mudanças de governo. Por isso, esta é uma oportunidade para aprender com os erros e acertos do passado. O Livro Azul, resultado da 4ª Conferência Nacional de CT&I, também trouxe sugestões importantes, mas poucas foram colocadas em prática. Quinze anos depois, o desafio continua: propor ideias é importante, mas é fundamental buscarmos meios de transformar essas ideias em uma Política de Estado.

O processo de elaboração dessas propostas, reunidas no Livro Violeta, mostra que estamos mais maduros. Agora, é preciso aprimorar a estrutura institucional que possibilite que essas diretrizes se realizem efetivamente. Essa passagem da teoria para a prática exige continuidade, compromisso e conexão direta com o interesse público.

Durante dois dias, o seminário reuniu especialistas, gestores públicos, parlamentares e representantes da sociedade civil para discutir temas essenciais como a ciência básica, os saberes tradicionais, a formação de recursos humanos, a sustentabilidade das unidades de pesquisa, as desigualdades sociais, as mudanças climáticas, a neoindustrialização e a comunicação pública da ciência.

Em todas as mesas, ficou claro que é urgente transformar as recomendações da 5ª Conferência Nacional de CT&I em políticas bem articuladas, sólidas e perenes. Entre as ações concretas propostas, destacam-se a criação de centros de excelência regionais, a reestruturação do FNDCT com foco em instituições públicas e a integração entre políticas de educação, indústria e meio ambiente, visando sempre uma transição ecológica justa e coerente com nossa realidade social.

A ciência básica, que aparece como tema fundamental em todas as discussões, continua sendo o pilar para a soberania do país em termos científicos e tecnológicos. Ainda sofre com pouco financiamento e precisa de um novo patamar de prioridade para impulsionar toda a cadeia de CT&I.

Com a transição digital, e o surgimento de tecnologias disruptivas como a inteligência artificial, além de desafios climáticos e sociais, é preciso ter respostas bem estruturadas e adaptáveis às transformações cada vez mais velozes. Nada disso será possível sem antes resolvermos o problema crônico de financiamento, que limita muito a evolução deste setor. Hoje, o Brasil investe menos de 1,3% do seu Produto Interno Bruto (PIB) em pesquisa e desenvolvimento, enquanto países como Coreia do Sul e Alemanha já passaram do patamar de 3%. É importante elevar esse investimento para 2% do PIB até 2035 — uma meta que a comunidade científica defende há décadas —, pois só assim podemos competir em pé de igualdade.

Sem esse avanço, o Brasil perde uma janela de oportunidades que se abre neste momento de rearranjo de eixos científicos no cenário global. Enquanto a China se consolida como a principal potência científica — liderando publicações, investimentos e protagonismo tecnológico, os Estados Unidos deteriora quase um século de grandes conquistas e liderança.

Berço de políticas de fomento e estruturação das instituições científicas, propostas por Vannevar Bush no emblemático Science: The Endless Frontier (1945), assistimos perplexos agora a uma erosão da autoridade científica. Harvard, símbolo de excelência acadêmica, que contribuiu com mais de 150 prêmios Nobel e formou muitos dos principais líderes do país, tornou-se alvo de ataques ideológicos de Trump e exemplo de como a ignorância não conhece limites na necropolítica negacionista.

Que sirva de alerta para todos nós: num país como o Brasil, que ainda busca se reconstruir após anos de desmonte institucional, ignorar a ciência é comprometer o próprio caminho para o progresso.

As propostas estão dadas. A SBPC seguirá mobilizada para que a Estratégia Nacional e o Plano Decenal de CT&I 2026–2035 não sejam apenas relatórios técnicos, mas um pacto de futuro com a sociedade brasileira. A voz da ciência, mais do que nunca, precisa ser escutada, fortalecida e incorporada às políticas públicas que moldarão o Brasil das próximas décadas.

Renato Janine Ribeiro, presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC)

Francilene Procópio Garcia, vice-presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC)

 

Veja abaixo as notas do Especial da Semana – Vozes da Ciência

Jornal da Ciência –  “Não existe projeto de país sem ciência pública, diversa e espalhada por todo o território”

ABC – Participantes comentam seminário ‘Vozes da Ciência’ e destacam seus principais pontos

ABC – Vozes da Ciência discute recomendações para uma estratégia nacional de CT&I

JC Notícias – Grupo de Trabalho vai formular a nova Estratégia Nacional da CT&I

Jornal da Ciência – “Nenhum desenvolvimento tecnológico no mundo surgiu sem ciência básica”, ponderam especialistas

Jornal da Ciência – Como alinhar pesquisa científica com saberes tradicionais

Jornal da Ciência – Unidades de pesquisa do MCTI precisam ser mais bem integradas na política científica brasileira

Jornal da Ciência – Formação de talentos e expansão universitária exigem investimento estratégico, alertam especialistas

Jornal da Ciência – Brasil será um dos países mais afetados pelas mudanças climáticas

Jornal da Ciência – Ciência tem papel essencial no combate às desigualdades, a fome e a miséria

Jornal da Ciência – Inovação e neoindustrialização demandam investimento e qualificação profissional

Jornal da Ciência – Brasil precisa incluir a comunicação científica na nova Estratégia Nacional de CT&I