Efeitos da poluição no corpo humano estão subestimados

Em mesa-redonda da Reunião Regional da SBPC no Espírito Santo, especialistas exploraram impactos pouco conhecidos de poluentes do ar e microplásticos
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Foto: Jardel Rodrigues/SBPC

Embora apareça em quinto lugar entre as principais causas de morte, a poluição atmosférica pode estar por trás – e subnotificada – de outras doenças mais frequentes que também tiram a vida de milhões de pessoas no mundo todo ano.

“Eventos agudos, por exemplo, as arritmias cardíacas e os quadros de insuficiência respiratória, ocorrem quando a poluição do ar aumenta”, explicou o médico José Geraldo Mill. E completou: “Isso tem uma correlação direta, às vezes (pode ocorrer) no mesmo dia, pode ser um ou dois dias depois”, o que dificulta fazer uma correlação entre um evento climático agudo e um problema de saúde.

A fala de Mill foi durante a Mesa Redonda “Poluição Atmosférica Urbana e Saúde”, realizada sexta-feira (21/2) como parte da programação científica da Reunião Regional da SBPC, na Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), em Vitória (ES). Além dele, a mesa contou com a participação da química Roberta Serasi Urban, professora da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), que falou sobre poluição por plásticos. A atividade foi coordenada pela biomédica Marimélia Porcionatto, professora da Escola Paulista de Medicina (EPM) da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e diretora da SBPC.

Doenças cardíacas

Professor do Departamento de Ciências Fisiológicas da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), José Geraldo Mill é fisiopatologista cardiovascular e coordena pesquisas em epidemiologia de doenças cardíacas. Segundo ele, pelas estatísticas oficiais da Organização Mundial de Saúde (OMS), a poluição do ar mata aproximadamente 55-57 milhões de pessoas todos os anos, o que equivale a 13-16% do total de mortes. Esta causa mortis vem atrás de riscos dietéticos (dietas inadequadas), hipertensão arterial, uso do tabaco (por câncer e outras enfermidades causadas pelo fumo) e distúrbios de metabolismo da glicose (diabetes).

Só o contato de poluentes com as vias respiratórias já provoca um desbalanceamento do sistema nervoso simpático e parassimpático, afetando os batimentos cardíacos e principalmente a musculatura lisa dos brônquios, provocando aumento de crises de insuficiência respiratória, explicou. Além disso, a inalação de poluentes no ar pode elevar a pressão arterial e potencializar a aterosclerose (depósito de placas de gordura nas artérias), a doença cardiovascular mais comum entre as pessoas acima de 50 anos.

“A poluição impacta a mortalidade ao longo do tempo porque ela afeta vasos sanguíneos de todo o organismo, não tem nenhum órgão que se salva desse impacto”, afirmou Mill.

Plástico por toda parte

Na abertura da mesa, a coordenadora Marimélia Porcionatto, mencionou um estudo realizado na Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FM-USP), que identificou partículas de microplásticos no cérebro de oito pessoas a partir da autópsia, na qual os pesquisadores coletaram amostras do chamado bulbo olfatório. Estudos anteriores, porém, documentam a presença de microplásticos por toda parte, em frutas, legumes, peixes e até no leite materno.

“Já tinha um trabalho publicado anteriormente (ao do cérebro) que determinou em 13 das 20 amostras de pulmões a presença de partículas e fibras plásticas, com composições químicas bastante variáveis”, comentou a pesquisadora Roberta Serasi Urban. Atuando na área de química ambiental, Urban pesquisa nanotoxicologia, microplásticos, nanoplásticos e outras partículas, suas composições e as implicações para saúde e o clima.

Segundo Urban, estas partículas podem penetrar não só nos pulmões, como já foi demonstrado, mas também atingir o sistema circulatório e se espalhar por todo o corpo, inclusive o cérebro, órgão mais protegido.

“Em termos de toxicidade, os dados ainda são muito incipientes”, acrescentou Urban, frisando que os estudos ainda estão em andamento e as respostas, por enquanto, são muito variáveis, desde efeitos tóxicos e mudanças metabólicas até danos ao DNA, mas faltam dados para preencher as lacunas do conhecimento nessa área.

Roberta Urban concluiu opinando pela necessidade de repensar os padrões de consumo para diminuir o descarte de plásticos. “A gente consome e muitas vezes não pensa no ciclo de vida desses produtos”, ponderou.

“Esse tema certamente nos afeta a todos”, comentou Porcionatto, lembrando que a poluição atmosférica tem sido impulsionada pelos incêndios florestais, como queimadas na Amazônia, e nas áreas rurais, como as que atingiram fortemente o interior de São Paulo em 2024, assunto abordado pelo vice-presidente da SBPC, Paulo Artaxo, em sua conferência de abertura da Reunião Regional.

“No caso específico da poluição sobre a saúde humana, a gente sempre pensou muito nos efeitos cardiorrespiratórios, nas alergias e mais recentemente temos visto também o impacto no cérebro e em doenças neurodegenerativas”, disse a coordenadora da mesa redonda.

Assista à Mesa-Redonda “Poluição atmosférica urbana e saúde” na íntegra no canal da SBPC no Youtube

Janes Rocha – Jornal da Ciência