Mais de 25 representantes de instituições do Estado e do País participaram da discussão contra a PEC19/2016, que pede a redução em até 50% do orçamento da Fundação
A Comissão de Educação da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro realizou na manhã desta quarta-feira, 16 de março, uma audiência pública para discutir a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 19/2016, que pede a redução em até 50% do orçamento da Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do Rio de Janeiro (Faperj). Mais de 25 representantes de instituições do Estado e do País participaram do debate, entre eles, a SBPC, a Academia Brasileira de Ciências (ABC), as universidades estaduais do Rio de Janeiro, a Fiocruz, a UFRJ, a PUC-RJ, a Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro (Firjan) e a Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação (Anped). A sessão foi acompanhada por pesquisadores bolsistas, que estão desde fevereiro sem pagamento, e que, em diversos momentos, interromperam o debate para reivindicar que a discussão se mudasse para o plenário da Assembleia, espaço maior, onde todos que ficaram de fora pudessem entrar e participar.
“Esse debate tem uma função estratégica de ressaltar o impacto que a Faperj tem no desenvolvimento científico e econômico do Estado do Rio de Janeiro, no País e no mundo, e conseguir que o governo mantenha o atual dispositivo constitucional que garante que 2% das receitas tributárias, deduzidas as transferências constitucionais, sejam destinados à Fundação”, disse o presidente da Comissão, Plínio Comte Leite Bittencourt.
Na abertura da discussão, ele lembrou que situação semelhante aconteceu em 2003, também por iniciativa do poder executivo e por autoria de deputados da base do governo. Na ocasião, foi feita a mesma proposta de reduzir em 50% os recursos da Faperj, o que altera o artigo 332 da Constituição do Estado do Rio de Janeiro, reformado pela Lei aprovada em 2007, que garante 2% de toda receita tributária do Estado, deduzidas as transferências constitucionais e legais, à Faperj. Segundo ele, entre 2002 e 2006, o Estado deixou de cumprir o que determinava a Constituição Estadual.
“Em todos esses anos, tivemos menos de 1% dos recursos aplicados na Faperj. A lei não foi cumprida pelo governo. O que levou o tribunal de contas do Estado, nas contas de governo de 2008, a reconhecer uma dívida do tesouro com a Faperj na ordem de R$745 milhões”, contou.
Após a intervenção do Tribunal de Contas, o executivo, a partir de 2007, passou a aplicar um pouco mais de 2% das receitas tributárias. Porém, em 2015, o percentual caiu novamente, para 1,9% e, agora, no dia 2 de fevereiro, o deputado Edson Albertassi (PMDB/RJ) levou a PEC 19/2016 para ser votada na Alerj, propondo, novamente, a redução de 2% para 1% dos recursos destinados à Fundação.
“Não há caminho para independência econômica que não seja pelo investimento em ciência e tecnologia”, ressaltou Bittencourt.
O presidente da Faperj, Augusto da Cunha Raupp, reiterou que a C&T é o caminho para a inovação, que, por sua vez, é o que traz desenvolvimento econômico e social. “Nossa missão é trazer inovação para o Estado, implementar um sistema empreendedor de ciência e tecnologia, que possibilite que esse conhecimento produzido chegue à sociedade”, declarou.
Raupp enumerou os diversos projetos que a Fundação financia, desde a concessão de bolsas, “um dos caminhos mais importantes para a formação de recursos humanos qualificados”, à criação de acervos históricos, laboratórios, pesquisa básica até o desenvolvimento de tecnologias para empresas.
“Nos últimos anos, tivemos no Estado do Rio de Janeiro um crescimento de 13% do número de pós-graduação com avaliação da Capes, além disso, tivemos um aumento de 66% do número de grupos de pesquisa com trabalhos indexados e hoje temos quatro universidades nossas entre as melhores do País”, disse. Em parceria com o CNPq, a Fundação também criou mais de 20 Institutos Nacionais de Ciência e Tecnologia (INCTs). O presidente da Faperj citou também programas de apoio a empresas inovadoras, a Núcleos de Inovação Tecnológicas (NITs) das universidades, a parques tecnológicos e, mais recentemente, um edital lançado no final de 2015, para estabelecer parcerias com investidores para financiar empresas emergentes de base tecnológicas.
“Queremos articular políticas de pesquisa e inovação, implementar o que a Lei de Inovação prevê. Queremos internacionalizar, aproximar empresas dos centros de pesquisa para promover inovação e conseguir o retorno social esperado. O Rio de Janeiro tem pesquisa que pode apoiar a indústria”, concluiu.
Desperdício
Para o diretor científico da Faperj, Jerson Lima, a redução da verba do governo pode levar a um êxodo de pesquisadores do Estado para instituições de fora. Segundo ele, cerca de 35% das pesquisas sobre doenças transmitidas pelo Aedes aegypti são feitas no Rio, o que engloba mais de mil pesquisadores atuando nesses estudos. “Se houver uma redução nas verbas, isso vai acabar. Nós iremos à lona. E esses jovens que hoje estão protestando aqui, irão deixar o Rio de Janeiro. Cortar as verbas da Faperj é cortar o futuro”, argumentou.
Ruy Garcia Marques, reitor da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj), foi presidente da Faperj entre 2007 e 2015, logo antes de Raupp, e reforçou o empenho nos últimos anos para incrementar o financiamento à CT&I no Estado, o que colocou a instituição como a segunda Fundação de Amparo à Pesquisa do País. “Foram mais de R$2 bilhões investidos entre 2007 e 2015. Com a Lei Estadual de Inovação, passou-se a investir também nas micro e pequenas empresas de todos os municípios. Hoje temos 22% dos cursos de pós-graduação com conceito de excelência do País. Tudo isso só foi possível pela pujança orçamentária da Faperj”, disse.
O reitor comentou que a redução das verbas colocará a perder todo o trabalho conquistado ao longo desses anos: “É um retrocesso. Todo grande investimento terá sido desperdiçado”.
Ignorar o futuro
A presidente da SBPC, Helena Nader, declarou que é imperativo reverter “essa aberração que aconteceu no Rio de Janeiro”. Ela destacou o papel de liderança que o Estado desempenha para a modernização do País, responsável por 20% da produção científica nacional indexada de qualidade.
No final do ano passado a mesma medida foi abortada. Na ocasião, a SBPC e a ABC se posicionaram contrários e enviaram um manifesto, no dia 18 de dezembro, aos deputados da Alerj solicitando que a PEC não fosse aprovada. “O Rio de Janeiro está indo na contramão de tudo que a gente espera”, observou.
Nader fez duras críticas à PEC, argumentando que ao propor essa mudança, o governo olha apenas para o mais imediato e deixa de olhar o futuro. Mais que isso, ele estremece princípios democráticos. “Se cada vez que temos um problema, se muda a Carta Magna de um País, nós temos um problema de democracia”, alerta.
Concordando com Nader, o presidente da ABC, Jacob Palis, reiterou que a ciência é a portadora do futuro e disse também que a luta deveria ser não para a manutenção desse percentual, mas para dobrá-lo: “O nosso apelo é para que se mantenha esse percentual de 2%, que representa muito pouco do PIB do Estado. Na verdade, deveria passar para 4%”.
O reitor da Universidade Estadual do Norte Fluminense (Uenf), Luis Passoni, observou que, com a crise, a Faperj e todas as instituições relacionadas já precisarão lidar com valores bastante reduzidos com relação aos anos anteriores. “Manter o financiamento em 2% já é uma redução, uma vez que a houve queda na arrecadação. E isso já um problema que as instituições vão ter que lidar”, pontuou.
Apoio
A Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro (Firjan) também manifestou apoio à Faperj para a derrubada da PEC. “A Firjan possui mais de 14 mil empresários associados. Toda vez que pensamos em inovação, pensamos em Faperj”, disse o diretor de inovação da Federação, Fabiano Muniz Gallindo. Ele destacou a parceria com a Fundação, no fomento em projetos desenvolvidos em 92 municípios do Estado.
“As ações da Faperj têm pavimentado o futuro do Rio de Janeiro. A Firjam gostaria de manter seu apoio à Fundação e pedir aos deputados que mantenham os 2%”, afirmou.
Paulo Carrano, primeiro secretário da Anped, disse que a entidade irá escrever em favor da democracia e contra os cortes da Fundação. “A Faperj não é uma instituição regional, ela tem impacto nacional. E o Rio de Janeiro não pode ser protagonista do atraso”, disse. Ele afirma ainda que é de responsabilidade da Alerj não deixar o governador Pezão andar igual a um curupira, com os pés voltados para trás. “O papel da Faperj é fundamental para o desenvolvimento do País e esses cortes não podem acontecer. Essa situação é esdrúxula. A Anped compartilha o sentimento de outras instituições e está perplexa, pois acredita no papel do desenvolvimento do Rio de Janeiro”.
Ao final da sessão, Bittencourt informou que a Comissão irá realizar uma nova audiência pública em breve, “para reforçar a posição da Comissão de Educação da Alerj contrária à PEC”.
(Daniela Klebis e Vivian Costa – Jornal da Ciência)