Após uma tramitação demorada e tumultuada, a Lei Orçamentária Anual da União para este ano (LOA 2021), aprovada em 25 de março, aponta para mais um período de retração do Sistema Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação (SNCTI). Na contramão de todos os países que aumentaram os investimentos em Ciência, Tecnologia e Inovação (CT&I) e em plena pandemia de covid-19, o governo apontou cortes em quase todas as atividades ligadas ao setor e a tradicional recuperação de perdas durante o processo legislativo, por meio de emendas parlamentares, não se materializou desta vez. Algumas programáticas receberam emendas, mas em valores aquém do necessário para recuperar os recursos anteriormente destinados para estas áreas, que seguem ano a ano com orçamentos menores.
É o que mostra a análise da LOA 2021 realizada pela assessoria parlamentar da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC). O estudo foi realizado com base no relatório final aprovado, já somados os créditos suplementares, que devem ser aprovados futuramente pelo Congresso. Os suplementares rompem a chamada “regra de ouro”, mecanismo que proíbe o governo de fazer dívidas para pagar despesas correntes, como salários, benefícios de aposentadoria e outros custeios da máquina pública. Quando a regra é descumprida, os gestores e o presidente da República podem ser enquadrados em crime de responsabilidade.
Este critério foi utilizado pelo fato não apenas de que estes créditos já estão declarados na própria LOA aprovada, mas também pela necessidade de que estes recursos sejam liberados sob risco de paralisação total da máquina pública.
Créditos suplementares
No total, o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações (MCTI), ficou com um orçamento de cerca de R$ 2,7 bilhões, comparado aos R$ 3,2 bilhões em 2020. É o menor valor desde 2015, conforme dados apresentados pelo ministro Marcos Pontes, em audiência pública na Comissão de Ciência e Tecnologia, Comunicação e Informática da Câmara dos Deputados, realizada dia 7 de abril.
O Ministério administra importantes programáticas, como as relacionadas às unidades de pesquisa, construção do acelerador de partículas Sirius, o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), que monitora queimadas, além de programas de fomento e bolsas de estudos.
A análise dos números da LOA apontou que mesmo com uma forte queda do orçamento geral, os cortes por programas foram bastante desiguais, com alguns registrando alta expressiva de verbas e outros completamente desidratados.
Um dos que mais foram favorecidos foi a publicidade do próprio MCTI, que ganhou R$ 38,3 milhões, dez vezes mais do que em 2020. Os recursos foram assegurados por uma emenda do relator-geral, senador Márcio Bittar (MDB/AC), de R$ 35 milhões.
Os programas de fomento à Pesquisa & Desenvolvimento (P&D), à Inovação e às Áreas Estratégicas também foram reforçados. Para P&D foram destinados R$ 50,666 milhões, quase 75% mais que no ano passado; para Inovação foram aprovados R$ 57,148 milhões, alta de 41,45% comparado ao valor do ano passado; Áreas Estratégicas receberão R$ 216,415 milhões em 2021, valor 765,55% maior que 2020.
Porém, em todas estas rubricas, grande parte dos valores alocados (50% no caso de P&D e 16,40% em Inovação) dependem da aprovação de créditos suplementares no futuro. É o caso também dos recursos para Encomendas Tecnológicas, que receberam um acréscimo de 12,15% em 2021, mas 62,02% dos R$ 3,598 milhões aprovados dependem de créditos futuros. A emenda que autorizou o aumento da verba para Áreas Estratégicas está no pacote que pode vir a ser cancelado pelo relator nas negociações com a equipe econômica.
Praticamente todos os programas ligados ao SNCTI estão nessa situação de dependência.
Já os programas PD&I nas Unidades de Pesquisa do MCTI perderam 24,06% dos recursos. Dos R$ 9,028 milhões aprovados, 22,05% dependem de créditos futuros. Os recursos para a construção do Sirius – projeto que implantou o primeiro acelerador de partículas do País – caíram 35,26% em 2021. Além disso, 62,2% dos R$ 91,693 milhões aprovados dependem de créditos futuros.
O monitoramento de desastres naturais feito pelo Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden) terá R$ 13,938 milhões, 20,37% a menos que em 2020, sendo que quase 60% dos recursos dependem de créditos futuros. O Fomento à Pesquisa do Mar, Oceano e Clima perdeu 19,27% dos recursos, totalizando R$ 1,312 milhão, dos quais 55,35% dependem de créditos futuros.
FNDCT
Principal fonte de financiamento do SNCTI, o FNDCT é a unidade do MCTI com maiores perdas de recursos por conta do desvio da arrecadação do fundo para a Reserva de Contingência. Após muita luta da SBPC, das sociedades afiliadas e de muitas outras instituições ligadas à educação e à ciência, em dezembro o Congresso Nacional aprovou um projeto de lei que proibiu o bloqueio dos recursos do fundo para reservas de qualquer finalidade.
O projeto se transformou na Lei n° 177/2021 que foi vetada pelo presidente da República em seu cerne, vetos que foram derrubados em parte, em votação ampla em março.
No entanto, a LOA foi aprovada com os recursos ainda alocados na Reserva, gerando controvérsia sobre como o orçamento será adequado para não infringir a Lei. Dado este impasse, a análise considerou os valores do texto aprovado no Plenário do Congresso Nacional, com os recursos alocados na Reserva.
Nenhuma programática do FNDCT depende de crédito suplementar em 2021. No entanto, devido à lacuna entre a derrubada dos vetos e a aprovação da LOA, os recursos do fundo seguem alocados na Reserva de Contingência em um total de R$ 5,049 bilhões, 17,91% mais que na LOA de 2020.
Entre os projetos que ganharam mais recursos este ano, graças a emendas parlamentares, estão o Fomento à P&D que finalizou com R$ 108,99 milhões, com acréscimo de 64,14%. O CT-Saúde também foi recheado com mais de 4.700%, porém o valor continua mínimo, apenas R$ 2,420 milhões em 2021, ano em que a área demanda cada vez mais esforços do setor público devido à Covid-19.
O CT-Agronegócio também terá acréscimo em relação ao ano passado. O valor aprovado foi de R$ 1,230 milhão, alta de 2.360%. Chama a atenção o item Promoção de Eventos Científicos que, pelo novo orçamento, contará com R$ 5 milhões, 1.000% a mais do que em 2020. O CT-Petro também receberá mais recursos. Serão R$ 1,360 milhão, 455,10% acima do aprovado em 2020 e graças a emenda parlamentar, o CT-Amazônia receberá R$ 620 mil em 2021, aumento de 1.140%. A verba para equalização de juros das operações financeiras teve aumento de 6% em relação ao ano passado, com total aprovado de R$ 279,5 milhões.
Já os fundos setoriais CT-Mineral, CT-Energ, CT-Transporte, CT-Biotecnologia, CT-Aeronáutico e CT-Info terão dotações de apenas R$ 20 mil cada em 2021. O CT-Infra perdeu 32,68% dos recursos, com R$ 76,490 milhões aprovados. O CT-Verde Amarelo perdeu 85,33% dos recursos, com apenas R$ 1,320 milhão alocado em 2021.
Área nuclear
Ainda na pasta do MCTI, a assessoria parlamentar da SBPC analisou a situação orçamentária dos sete principais projetos alocados no orçamento da Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN) em um total de R$ 141,5 milhões. A CNEM é o órgão responsável pela orientação, planejamento, supervisão e controle do programa nuclear do Brasil, está subordinado diretamente ao MCTI. Tem entre suas atribuições a pesquisa e manipulação de materiais radioativos no País e a implementação do Reator Multipropósito (RM).
Entre os projetos beneficiados com um montante maior de recursos estão a implantação do RM, que receberá mais 54,31% em relação ao ano passado. Mas do R$ 1,162 milhão aprovado, 47,67% dependem de créditos futuros. O Desenvolvimento de Tecnologias Nucleares recebeu R$ 66,424 milhões, 6,27% mais comparado ao orçamento do ano passado, porém 23,30% dependem de créditos futuros. A Prestação de Serviços Tecnológicos terá R$ 847 mil em 2021, um acréscimo de 27,27%. Deste valor, 38,65% dependem de créditos futuros.
Já os recursos para Segurança Nuclear caíram 4,13% em 2021. Dos R$ 6,512 milhões aprovados, 4,22% dependem de créditos futuros. A verba para Armazenamento de Rejeitos Radioativos foi cortada em 10,82% e dos R$ 2,549 milhões aprovados, 32,11% dependem de créditos futuros. A Produção de Radiofármacos sofreu corte de 32,22%, ficando com R$ 66,024 milhões, mas não há créditos suplementares futuros neste item. A implantação do Laboratório de Fusão Nuclear recebera menos 50,78%, totalizando R$ 46 mil em 2021, dos quais 62,02% dependem de crédito futuro.
AEB
O programa espacial brasileiro perdeu quase 30% de seu orçamento. As verbas dos principais programas da Agência Espacial Brasileira (AEB) baixaram de R$ 102,5 milhões na LOA 2020 para R$ 74 milhões em 2021. A AEB cuida também do monitoramento espacial. Entre os programas que tiveram orçamento aumentado se destacam: a Governança das Atividades Espaciais, que recebeu 738,42% mais em 2021, embora dos R$ 2,598 milhões aprovados, 50,73% dependam de créditos futuros.
A verba para a Base de Alcântara sofreu forte redução de 95,74%, totalizando R$ 74 mil em 2021, sem previsão de créditos suplementares. O desenvolvimento de Sistemas Espaciais teve seus recursos reduzidos em 18,10% e dos R$ 51,594 milhões aprovados, 15,84% dependem de créditos futuros. A conta para Infraestrutura e Aplicações Especiais perdeu 40,95% dos seus recursos e dos R$ 18,974 milhões aprovados, 55,37% ainda dependem de créditos futuros. Os recursos para atividades relacionadas ao Satélite SGDC foram reduzidos em 84,68%, sendo que dos R$ 873 mil aprovados, 13,87% dependem de créditos futuros.
Microchips
O mundo vive uma escassez de microchips, ao ponto do presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, ter colocado a falta desse produto como um problema de segurança nacional. O Brasil, na direção contrária, está desidratando sua empresa de produção de microchips, a gaúcha Ceitec, uma empresa pública vinculada ao MCTI que, além de semicondutores desenvolve soluções para identificação automática e para aplicações específicas. O Centro está na lista de intenção do governo para privatização.
No orçamento de 2021, os recursos para P&D, Fabricação e Comercialização de Semicondutores da empresa foram cortados em 17,41%. Dos R$ 27,510 milhões aprovados, 54,23% dependem de créditos futuros.
Procurado pela reportagem do Jornal da Ciência através da assessoria de comunicação para explicar os cortes, o MCTI não respondeu até o fechamento desta edição.
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