A onda calor extremo que já está castigando o sul da Europa neste verão – que sequer terminou – é resultado do aquecimento global anunciado há décadas, alertou o cientista do clima, Paulo Artaxo. Ele falou nesta sexta-feira (28/7) durante a conferência “Mudanças Climáticas Globais: Desafios e Perspectivas”, que foi parte da programação científica da 75ª Reunião Anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC).
A atividade foi apresentada pelo geógrafo Francisco de Assis Mendonça, professor do Programa de Pós-graduação em Meio Ambiente e Desenvolvimento da Universidade Federal do Paraná (UFPR), que sediou a Reunião Anual.
Físico, professor da Universidade de São Paulo (USP) e vice-presidente da SBPC, Paulo Artaxo iniciou a conferência com um reporte das altas temperaturas que estão marcando a temporada no Hemisfério Norte, relacionando com as previsões sistemáticas feitas pelos cientistas.
O aquecimento global tem uma relação direta com a atividade humana, como já foi demonstrado em estudos que vem sendo realizados há pelo menos 50 anos.
“Alguns milhões de anos atrás, o clima sempre variou muito, com épocas glaciais mais frias, interglaciais mais quentes”, ponderou, explicando que a partir da era do Holoceno (iniciada cerca de 15 mil anos atrás) o clima vinha mantendo uma certa estabilidade que permitiu à humanidade desenvolver agricultura e construir cidades. “Ou seja, o clima é determinante na nossa estrutura socioeconômica”, analisou.
Mais recentemente, o planeta entrou na era que os cientistas estão chamando de Antropoceno, marcada pela influência do modo de vida humano e cujos efeitos daqui para frente são desconhecidos. “A grande questão é para onde estamos levando o clima do nosso planeta?”, questionou Artaxo.
Ele explicou que o aumento da temperatura média global já registrada até agora, de 1,15°C, significa pelo menos um grau a mais nas regiões continentais e que o aquecimento global já se reflete em desertificação de áreas como Sul de Portugal e Espanha, degelo das camadas polares, aumento do nível e aquecimento das águas oceânicas com consequências fatais para a biodiversidade na terra e no mar.
O Brasil também já está sendo afetado com a área semiárida no Norte e Nordeste em expansão, déficit hídrico avançando para a região Centro-Oeste e chuvas torrenciais catastróficas no Sul e Sudeste. “Na área central (Centro-Oeste), que produz carne e soja, a produtividade vai cair, vamos ter processo acelerado de redução da produtividade do solo”, afirmou, com base nos estudos do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC) da Organização das Nações Unidas, que reúne milhares de cientistas de todo mundo e do qual ele mesmo faz parte. “A conclusão óbvia é que o Brasil vai ter que repensar seu futuro, um país exportador de soja e de carne pode não ter mais espaço mundial”, afirmou.
Segundo o cientista, a despeito de todos os alertas, passadas cinco décadas da primeira conferência do clima, a Eco-72, nenhuma medida de redução de gases de efeito estufa foi tomada até agora para conter o aquecimento global. “É muito surpreendente, mas é a realidade do nosso planeta”, frisou. “A ciência está fazendo seu papel de alertar, mas somos só cientistas; podemos aconselhar os governos, mas não podemos fazer políticas públicas.”
Para ele, no entanto, o atual sistema socioeconômico precisa de uma revisão. “É importante ter isso em mente para que possamos construir um caminho de sustentabilidade para o nosso planeta, o que, com certeza, é um dos objetivos dessa conferência da SBPC e da sociedade em geral”, disse.
Para Artaxo, é preciso “restabelecer a conexão vital” entre a sociedade, o sistema socioeconômico e o mundo que nos sustenta. “Somente com ações integradas entre governos, empresas e a sociedade como um todo, a gente vai construir um mundo sustentável”, concluiu.
Janes Rocha – Jornal da Ciência