O texto foi encaminhado ao plenário da Câmara dos Deputados que depois passará pelo crivo do Senado, antes de ser encaminhada à sanção presidencial. Presidente da SBPC considera a medida trágica
Apesar de alertas de cientistas e de especialistas em educação de que uma medida provisória não é o instrumento adequado para reformar o ensino médio, o relatório da MP nº 746/2016 – que institui a Política de Fomento à Implementação de Escolas de Ensino Médio em Tempo Integral – foi aprovado nesta quarta-feira, 30, na comissão mista do Congresso Nacional que analisou a matéria.
O texto do senador Pedro Chaves (PSC-MS), relator da medida, foi encaminhado ao plenário da Câmara dos Deputados que depois passará pelo crivo do Senado, antes de ser encaminhada à sanção presidencial.
O conteúdo do relatório de Pedro Chaves, disponível aqui, que foi apresentado na terça-feira, 29, é alvo de críticas de cientistas, de especialistas da área de educação e do deputado Reginaldo Lopes (PT /MG), autor do projeto de lei (PL nº 6840/2013), cuja proposta foi apontada pelos defensores da medida como referência na formulação do texto da MP.
A presidente da SBPC, Helena Nader, classificou a decisão como trágica, e argumentou que não se faz alterações da estrutura do ensino médio por decreto. A SBPC, logo após a publicação da MP pelo Palácio do Planalto, em 22 de setembro, divulgou nota alertando sobre os riscos de se fazer as mudanças na estrutura do ensino médio por intermédio de uma medida provisória. A instituição científica entende que esse não é o instrumento “adequado para promover o necessário debate nacional que, em sua análise, “deve ser amplo e democrático para enfrentar um problema tão complexo.”
O coordenador geral da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, Daniel Cara, disse que o relatório do senador Pedro Chaves é “decepcionante” e acredita que, da forma como está o texto, a reforma não deve melhorar nem a evasão e nem a qualidade do ensino médio, assim, deve contrariar o objetivo justificado na MP. Ao contrário disso, avalia, a medida deve desorganizar a rede pública de ensino.
Conforme entende Cara, entre as mudanças “mais absurdas” está a decisão de antecipar a escolha do itinerário formativo para o início do ensino médio. “O itinerário formativo é uma canalização da aprendizagem do estudante. Muito cedo o estudante terá de escolher um caminho, e o que ele deve escolher talvez não seja o melhor caminho. Tornar as coisas muito precoces não é uma boa estratégia”, avaliou.
Contradições
Embora o relator tenha decidido manter as disciplinas de Artes e Educação Física no relatório, Cara criticou a decisão de ser mantida a exclusão dos ensinos de Sociologia e Filosofia. “É curioso observar por que os parlamentares têm tantos problemas com Filosofia e Sociologia”, refletiu.
Outro aspecto contraditório no relatório, na análise de Cara, é o investimento exigido para implementação do ensino médio em período integral, em meio a uma restrição orçamentária expressiva em andamento – pela Proposta de Emenda Constitucional (PEC) nº 55, do teto dos gastos públicos –, em vias de aprovação, em 2º turno, no Senado Federal.
“Eles (os parlamentares) dizem que, por dez anos, a União terá de apoiar os Estados e o DF na expansão do ensino médio em período integral, isso é uma grande contradição. Ao mesmo tempo em que aprovam uma restrição orçamentária de 20 anos, aprovam uma expansão de recursos para o ensino médio por dez anos?”, questionou.
Cara lembrou ainda que havia uma expectativa positiva no âmbito do texto do relator, já que, acrescentou, o senador Pedro Chaves e o presidente da comissão especial, o deputado Izalci Lucas Ferreira (PSDB/DF), teriam se comprometido em fazer “um texto plural”.
Exclusão de Filosofia e Sociologia
Em outra frente, o relator Pedro Chaves, disse, na leitura de seu relatório na terça-feira, 29, ter acatado “um grande número de emendas” para aperfeiçoar o texto. Entre elas, destacou a manutenção dos ensinos da Educação Física e Artes, embora tenha anulado Filosofia e Sociologia como componentes curriculares obrigatórios do ensino médio.
A medida altera a Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, e também a Lei nº 11.494 de 20 de junho 2007, que regulamenta o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação.
O relator também manteve, no relatório, a proposta de incluir no rol dos profissionais da educação escolar básica aqueles com notório saber nas áreas de formação, na tentativa de atender à formação técnica e profissional dos estudantes.
Conforme a proposta, o currículo do ensino médio será composto por 60% da Base Nacional Curricular Comum (BNCC) e terá ênfase em linguagens, matemática, ciências da natureza, ciências humanas e formação profissional.
Exclusão e fragilidades
O deputado Reginaldo Lopes, autor do PL nº 6840/2013 – projeto citado como referência na elaboração do texto da medida provisória –, analisou o relatório de Pedro Chaves e disse que foram acatados somente alguns pontos do projeto de lei de sua autoria.
“Existia um diálogo (com o relator) para melhorar no conteúdo, mas não aconteceu”, lamentou o deputado que também criticou a MP como instrumento utilizado para fazer a reforma da estrutura de um sistema tão complexo.
Na avaliação de Lopes, entre as fragilidades do relatório, está a ausência de uma política de fomento ao ensino integral e sinais de exclusão.
“Embora o ensino médio pareça ser para todos, ele é para poucos. A política de fomento da escola em tempo integral que propõe a MP ‘é uma piada’”, disse e explicou. “Estão propondo a reforma para 500 mil alunos, o ensino médio continuará sendo para poucos. Algumas escolas terão tudo, outras não terão nada”, observou.
No entendimento do deputado, para fazer uma reforma do ensino médio e adotar o período integral nas escolas, é preciso assegurar uma política de fomento que atenda todos os jovens.
“Fiz uma sugestão de adotar mil horas por ano, um tempo suficiente para melhorar a qualidade da educação. Mas, para isso, é preciso garantir o financiamento e a medida provisória não assegura isso. Estão terceirizando responsabilidades, criando responsabilidades para os entes federados sem garantir financiamento”, pontuou.
Lopes informou ainda que o projeto de lei, de sua autoria, garante aumento complementar de 25% sobre o custo do aluno per capita do ensino médio ao ano, o equivalente a R$ 6 mil anuais, proposta que, segundo calcula, representaria um custo adicional de R$ 6 bilhões anuais no programa de fomento, por um período de cinco anos.
Metas do PNE abortadas
Ao mesmo tempo, o deputado defendeu a necessidade de recuperar o cumprimento das metas do PNE que, para ele, devem ser abortadas pela MP. “Para fazer direito uma reforma do ensino médio e cumprir as metas do PNE, é necessário ampliar a carga horária para mil horas (pelo menos) e aumentar em 25% o custo aluno per capita até 2024”, defendeu.
Na ponta do lápis, Lopes calculou que o acréscimo sugerido representaria um investimento adicional de até R$ 12 bilhões no ensino médio, até 2024. “Isso não é nada para a educação”, considerou.
O relator Pedro Chaves, porém, reconheceu as dificuldades financeiras para adotar o ensino integral nas escolas, com carga horária de até 1,4 mil horas anuais, e adotou o que chamou de “meta intermediária”. Ou seja, no prazo de cinco anos, pelo menos, todas as escolas de ensino médio terão carga horária anual de mil horas, perfazendo o total de três mil horas, nos três anos do ensino médio.
“Assim, a gradação prevista se efetivará e será possível estender para todo o País, no máximo em cinco anos, a carga horária diária de cinco horas”, destaca o texto do relator que acrescenta que a iniciativa faz alterações significativas na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) – Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996.
Viviane Monteiro – Jornal da Ciência