A Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), a Academia Brasileira de Ciências (ABC), a Rede Clima e a Coalizão Ciência e Sociedade divulgaram nota sobre o Projeto de Lei 1539 de 2021, que altera o artigo 12 da Política Nacional sobre Mudança do Clima, de 2009, aumentando o percentual de redução das emissões. Os cortes nos gases-estufa passariam de 37% até 2025 e 43% até 2030 para, respectivamente, 43% e 50%.
Veja abaixo a nota na íntegra:
NOTA DA COMUNIDADE CIENTÍFICA SOBRE O PROJETO DE LEI 1539 de 2021
A Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência e a Academia Brasileira de Ciências receberam com muita preocupação o texto aprovado no último dia 21 de outubro, pelo Senado Federal, alterando a Lei nº 12.187 (que instituiu a Política Nacional sobre Mudança do Clima, PNMC), de 29 de dezembro de 2009. A alteração fragiliza os compromissos brasileiros de redução das emissões de gases de efeito estufa no Brasil, o que, ante o ritmo acelerado de aquecimento global e suas decorrências para a humanidade – que podem colocar debaixo d’água várias de nossas cidades costeiras até o fim do século –, pode ter efeitos calamitosos para o país e o planeta.
A versão aprovada altera o art. 12 da Lei 12.187/2009, com a seguinte redação:
“Art. 12. Para alcançar os objetivos da PNMC, o País adotará, como compromisso nacional voluntário, ações de mitigação das emissões de gases de efeito estufa, com vistas a reduzir em 43% (quarenta e três por cento) suas emissões projetadas até 2025 e em 50% (cinquenta por cento) até 2030.
- 1º A projeção das emissões para 2025, assim como o detalhamento das ações para alcançar o objetivo expresso no caput deste artigo, com ênfase na eliminação do desmatamento ilegal e na promoção da agropecuária sustentável, nos termos da Lei nº 12.651, de 25 de maio de 2012, serão dispostos em regulamento, tendo por base o mais recente Inventário Brasileiro de Emissões e Remoções Antrópicas de Gases de Efeito Estufa não Controlados pelo Protocolo de Montreal, usando como referência o ano de 2005.
- 2º O compromisso nacional voluntário atualizado nos termos do caput deste artigo será depositado junto à Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima na primeira Conferência das Partes – COP que ocorrer após a regulamentação prevista no §1º.” (NR)
Embora a intenção de incorporar à lei metas futuras de redução de emissão seja meritória, é crucial que tal iniciativa esteja ancorada em robustas análises científicas e em dados consolidados e transparentes, sendo portanto consistente com uma trajetória de redução alinhada ao esforço estabelecido pelo Acordo de Paris de limitar o aumento da temperatura em 1,5°C. É preciso considerar que os alertas do mais recente relatório de Painel Intergovernamental sobre Mudança do Clima (IPCC) mostram de forma cabal que os esforços de mitigação devem ser muito ambiciosos e as metas devem estar claramente acompanhadas de um plano concreto de ações e suas formas de implementação.
No entanto, a proposta aprovada estabelece metas de redução para 2025 e 2030 em cima de projeções de emissões que ainda serão estabelecidas em regulamento. À primeira vista as porcentagens utilizadas, 43% e 50%, parecem ser ambiciosas, mas tudo depende de qual será o valor das emissões que irão ser projetadas para 2025 e 2030, o que traz muita incerteza e pode inclusive permitir aumento das emissões, dependendo da metodologia científica de como estas “projeções” forem feitas.
Um projeto que trata de reduções de emissões no Brasil deveria também propor explicitamente a mais rápida eliminação do desmatamento nos biomas brasileiros, pois as mudanças de uso do solo respondem por 44% de nossas emissões, valor muito elevado. O projeto aprovado, entretanto, não estabelece uma data limite para acabar com o desmatamento ilegal, o que é um absurdo, porque se é ilegal já não deveria ser tolerado. Destacamos aqui a importante contribuição do relatório recentemente lançado pelo Painel Científico para a Amazônia (Science Panel for the Amazon – SPA) que reuniu mais de 200 cientistas para sintetizar o conhecimento atual sobre a Amazônia e que destaca que o desmatamento e a degradação da Amazônia já aproximam partes da floresta de um ponto de não-retorno, com impactos graves sobre as emissões globais de carbono.
A emergência climática exige respostas concretas e estratégias políticas que definam caminhos reais para a mitigação das emissões em todos os setores da economia. Os compromissos não podem ser ambíguos e devem estar associados a claros mecanismos de mensuração, relato e verificação com transparência, participação social e melhor ciência disponível.
Não temos mais margem para erros ou proposições que possam dar possibilidades a um aumento de emissões. Os documentos oficiais do governo brasileiros quanto às emissões e esforços de mitigação trabalham com diferentes bases de informação e é essencial que haja clareza de qual contabilidade, qual ano de referência e qual período será considerado. Propor alterações em metas com posterior regulamentação dos detalhes no atual quadro de desarticulação das governanças ambiental e climática é extremamente temerário e grave.
Esperamos que a Câmara Federal considere os enormes riscos envolvidos da alteração proposta, e rejeite a proposta. A comunidade científica brasileira é capaz hoje de apoiar as discussões sobre o tema e lamenta que, mais uma vez, tenha sido alijada do debate e da apreciação de um projeto de lei que vai ter repercussões negativas para o país no âmbito das negociações internacionais e postergar ainda mais os esforços concretos rumo a uma economia de baixo carbono.
Salientamos a importância de que a Câmara Federal rejeite esse PL 1539.
25 de outubro de 2021.
Jornal da Ciência