A Secretaria Regional da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência no Amazonas (SBPC-AM) divulgou uma carta ressaltando as preocupações em torno do Projeto de Lei 191/2020, do governo federal, que visa à liberação da exploração mineral, produção de petróleo, gás e geração de energia, além de plantio de monoculturas e de organismos geneticamente modificados em terras indígenas. O documento intitulado “Contra o Projeto de Lei 191/2020 e em defesa da Amazônia” é resultado da discussão realizada durante o seminário “Mineração na Amazônia: desafios e possibilidades”, realizado em Manaus (AM) no dia 07 de fevereiro.
O evento foi promovido pela SBPC-AM, Universidade Federal do Amazonas (UFAM), e pesquisadores ligados ao Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa). Cerca de 200 pessoas participaram da discussão, entre lideranças indígenas do Amazonas, representantes do setor de mineração, pesquisadores ligados ao Inpa e seus programas de pós-graduação, membros da SBPC, estudantes da Universidade do Estado do Amazonas (UEA) e UFAM, além da participação da Secretaria de Estado de Desenvolvimento Econômico, Ciência, Tecnologia e Inovação (SEDECTI), Ministério Público Federal (MPF), Associação de Garimpeiros do Amazonas e representações do terceiro setor.
No manifesto resultante das discussões, os especialistas apontam para a inconstitucionalidade do PL e a “clara ameaça que sua aprovação representa aos povos indígenas, populações tradicionais da Amazônia e ao meio ambiente”. Segundo o texto, o propósito do governo, com o PL 191/2020, “é vulnerabilizar estes povos e abrir suas terras aos interesses do setor privado”.
“Ficou claro o poder de destruição e inviabilidade da sustentabilidade de atividades minerárias de qualquer porte em terras indígenas, ou próximo a elas, por representarem ameaça à saúde, ao meio ambiente, à cultura, à economia, à religiosidade e à própria existência dos povos indígenas da Amazônia”, afirmam na nota. Eles ainda apontam que a legalização das atividades minerárias “não possui garantias de segurança efetiva e a ocorrência de catástrofes ambientais é iminente”.
Cientistas também demonstraram os riscos de contaminação da água e do solo por mercúrio dos garimpos, além dos impactos sobre a navegabilidade dos rios com os rejeitos da mineração, em regiões que dependem do transporte fluvial.
Ao final do documento, são apresentadas três recomendações:
- que as propostas de liberação de mineração e garimpo na Amazônia, inclusive em terras indígenas, sejam vetadas pelo risco que representam e pela inexistência de segurança para resguardar os grandes e pequenos rios, as comunidades ribeirinhas, as indígenas e as áreas de várzea, onde é praticada a agricultura que abastece os estados da Amazônia;
- a interferência do Ministério Público Federal (MPF), da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e do Congresso Nacional para rejeitar este PL e impedir o etnocídio e ecocídio programado por essa e outras proposituras sobre Amazônia e seus habitantes, em especial os povos indígenas e a entrega do patrimônio ambiental do Brasil à iniciativa privada; e
- o cumprimento da Convenção 169 da OIT e do decreto Decreto nº 5.051, de 19 de abril de 2004.
Segundo Pedro Rapozo, secretário regional adjunto da SBPC-AM, o documento surgiu a pedido dos participantes do evento. “Um dos pontos discutidos no evento foi a questão da inconstitucionalidade do PL e a clara ameaça que sua aprovação representa aos povos indígenas, populações tradicionais da Amazônia e ao meio ambiente”, conta.
Rapozo chamou a atenção que durante o debate teve alguns momentos tensos, já que o evento contou com a presença de pessoas contra e a favor da exploração de minérios na região. “Tivemos alguns momentos complicados porque tínhamos representantes indígenas ameaçados de morte e do outro lado garimpeiros. E há um histórico de conflito entre eles.”
“Mas o debate foi muito produtivo e tenho certeza de que a discussão não se esgotou. Acredito que tenha se criado uma rede de contatos para ampliar o diálogo entre as universidades, as instituições e a sociedade civil em torno dessa preocupação da mineração no Amazonas”, afirma.
Sônia Alfaia, pesquisadora do Inpa, também ressalta que o seminário foi muito produtivo porque houve uma ampla participação da sociedade e das lideranças indígenas que estão muito preocupadas com esse PL 191/2020. “Eles acabaram tornando-se protagonistas do evento, combatendo toda e qualquer possibilidade de mineração nas terras indígenas. Tanto que eles destacaram que as áreas cobiçadas pela mineração são também aquelas que permitiram a sobrevivência das populações indígenas, assim como das florestas e dos rios por eles conservados”, explica.
Alfaia conta ainda que, além da carta, os organizadores do seminário vão produzir um documento mais completo para ser encaminhado aos deputados e senadores do Congresso Nacional.
Seminário
O seminário “Mineração na Amazônia: desafios e possibilidades” foi o primeiro de uma série definida pela SBPC-AM para estabelecer um diálogo entre a academia, o governo e a sociedade civil. “Vamos realizar um seminário por mês ao longo deste ano, com algum tema que envolva as questões da Amazônia”, explica o representante da SBPC-AM. “O tema deste primeiro evento contou com uma pauta atual das políticas econômicas e governamentais e de interesse da sociedade civil. A mineração é uma questão que tem gerado muita discussão e nós, como SBPC, precisamos estabelecer este diálogo apresentando pesquisas realizadas na região. Neste evento, os pesquisadores levaram dados qualitativos e quantitativos que mostraram o impacto da mineração na Amazônia sobre o ponto de vista ambiental, econômico e social”, destaca.
Veja aqui a nota na íntegra.
Vivian Costa – Jornal da Ciência