A 4ª Reunião Extraordinária do Conselho Diretor (CD) do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT), realizada quarta-feira (13/10), causou perplexidade nos participantes que representavam as comunidades científica, acadêmica, de empresários e trabalhadores.
Uma lista de projetos que receberiam recursos do FNDCT, em um total superior a R$ 7,3 bilhões, estava na pauta do encontro para aprovação. Porém uma semana antes, através de uma manobra que contou com a aprovação da base governista, majoritária na Câmara dos Deputados, o Ministério da Economia (ME) mudou a destinação dos recursos do fundo, retirando a verba que poderia financiar aquela lista de projetos.
Segundo relato de participantes, estavam presentes 17 dos 18 membros do CD, sendo dez representantes do governo e sete da sociedade civil. Entre estes estavam representadas a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), a Academia Brasileira de Ciências (ABC), a Confederação Nacional da Indústria (CNI) e o Conselho Deliberativo do Fundo de Amparo ao Trabalhador (Codefat).
Durante o encontro – no qual os representantes do governo estavam presentes em uma sala no Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) e os demais participavam virtualmente – foram relatados os impactos dos projetos de lei (PLN) 12 e 16. Na prática, estes projetos aprovados na Câmara contingenciam o descontingenciamento que havia sido aprovado em dezembro por maioria de votos no Congresso Nacional, após enorme esforço da comunidade de Ciência, Tecnologia e Inovação (CT&I) do país e resultado na Lei Complementar 177/2021.
O PLN 12, que gerou a Lei 14.169, inseriu o Artigo 56-A na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), que definiu que os recursos do FNDCT podem ser mantidos em reserva de contingencia. O PLN 16 retirou os recursos que já estavam previstos.
Os representantes do MCTI pediram ao CD que aprovasse os Planos de Investimentos exatamente como apresentados, se comprometendo a realizar os esforços posteriores para liberar todos os recursos que já estavam aprovados, ou seja, os 7,3 bilhões em 2021. No entanto, não houve nenhuma sinalização concreta de recuperação, ainda que parcial, dos recursos retirados da CT&I. Daquele total de R$ 7,3 bilhões, metade são recursos reembolsáveis – empréstimos a juros e correção monetária – e metade não reembolsáveis, aplicados a fundo perdido.
Segundo o economista Carlos Grabois Gadelha, representante da SBPC na reunião, os conselheiros dos segmentos científicos, empresariais e dos trabalhadores reconheceram méritos em projetos apresentados, como os relacionados ao CNPq, ao IMPA e à Embrapii, por exemplo.
Mas votaram contra a proposta apresentada, por entender que as atribuições do conselho na definição de alocação e priorização dos recursos não estavam sendo respeitadas frente ao novo contexto. “Foi uma reunião bastante tensa”, relatou Gadelha. “Era a aprovação de um plano de investimentos virtual como se nada estivesse acontecendo”, completou. Para ele, a posição conjunta dos membros da sociedade civil contrária à aprovação foi um marco de união em torno da ciência.
“Votamos unidos, aliados pela defesa da ciência”, afirmou o professor, fazendo uma imagem para explicar o que aconteceu na reunião: “Não podíamos aprovar um plano de investimentos em meio a um corte violento da atividade científica que tirou o ventilador do paciente que estava na UTI”. A CT&I sem recursos orçamentários, explicou, está em estado crítico. “A posição conjunta é que o CD fosse tratado com respeito, com o poder legal que tem para definir as prioridades”, acrescentou.
A relação dos representantes da sociedade civil no conselho já havia sido abalada com a decisão do Ministério da Economia, pouco depois de aprovada a lei 177, de destinar 50% dos recursos do FNDCT a uma linha de empréstimos reembolsáveis, cujo objetivo é financiar projetos de inovação nas indústrias. Porém, com taxa de juros elevadas, não houve grande interesse da indústria nos recursos. “Foi uma forma indireta de contingenciamento, sem consulta ao conselho deliberativo”, disse Gadelha.
Em um segundo movimento, o governo alegou baixa execução dos recursos reembolsáveis para impedir a liberação dos recursos não-reembolsáveis, que são os que mais beneficiam a ciência. “Com base nessas alegações se inviabilizou a chamada universal do CNPq, da qual foram retirados R$ 200 milhões; os Institutos Nacionais de Ciência e Tecnologia (INCT) que perderam R$ 280 milhões e programas essenciais para o estimulo a jovens cientistas como o Ciência na Escola, a formação de jovens doutores e o mestrado e doutorado para inovação”.
O MCTI foi procurado pela reportagem do Jornal da Ciência ontem, por e-mail à assessoria de comunicação e mensagem de WhatsApp ao chefe da assessoria. Foi solicitada uma entrevista com o ministro Marcos Pontes ou com algum porta-voz do ministério sobre quais os próximos passos a partir da aprovação de um plano de investimentos sem os recursos necessários. Não houve resposta até o fechamento desta edição.
Jornal da Ciência