Representantes das principais entidades da comunidade científica e acadêmica se uniram com parlamentares na sexta-feira (15/10), Dia do Professor, contra mais um ataque do governo à Ciência, Tecnologia & Inovação (CT&I) e à educação pública.
Organizada pela Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) em parceria com diversas entidades científicas e acadêmicas nacionais, a “Mobilização em Defesa da Ciência” debateu saídas diante do Projeto de Lei (PLN) 16, que foi desfigurado de última hora por solicitação do Ministério da Economia, comprometendo gravemente os recursos antes destinados ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI).
A manobra retirou mais de R$ 600 milhões para fomento à pesquisa, além de reter em reserva de contingência R$ 2,7 bilhões do Fundo Nacional de Desenvolvimento Cientifico e Tecnológico (FNDCT) – dinheiro arrecadado de contribuições de empresas, hoje principal fonte de financiamento da pesquisa científica no país. O maior prejudicado foi o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), uma das principais agências brasileiras de fomento à pesquisa.
O protesto começou pela manhã com um tuitaço, com as “hashtags” SOSCiência e LiberaFNDCT. Às 13h30, as entidades realizaram um ato de abertura e, na sequência, às 14h, teve início a mesa-redonda “Cortes no orçamento do MCTI: Qual a solução?”.
No mesmo dia, 18 Sociedades Afiliadas, além de sete Secretarias Regionais da SBPC e várias entidades parceiras realizaram 33 atividades para discutir os cortes orçamentários e os obstáculos à CT&I no país.
Só no canal da SBPC no Youtube, a “Mobilização em Defesa da Ciência” teve 2.863 visualizações, 14 mil contas alcançadas e mais de 600 curtidas. No Twitter, a campanha teve um alcance de mais de 100 mil usuários e 3.000 interações só no perfil da SBPC, mais de 4 mil tuítes com as hashtags da mobilização e foi um dos assuntos mais comentados no Brasil durante toda a manhã de sexta-feira.
A mobilização teve também uma ótima repercussão na imprensa. Desde 13 de outubro, cerca de 180 veículos, entre imprensa, sociedades afiliadas e outros, repercutiram a mobilização.
Projeto de desmonte
O presidente de honra da SBPC, Ildeu de Castro Moreira, e o presidente do Conselho Nacional das Fundações de Apoio às Instituições de Ensino Superior e de Pesquisa Científica e Tecnológica (Confies), Fernando Peregrino, disseram acreditar que os cortes no orçamento da CT&I brasileira não são paliativos a uma situação emergencial, mas sim uma política de governo.
“Estamos diante de um projeto orquestrado de desmonte da nação brasileira. Esse terraplanismo econômico não é apenas uma atitude ignorante, irracional ou equivocada, é um projeto ao qual temos que resistir e construir um projeto alternativo de país, em que a ciência e a educação tenham lugar”, afirmou Moreira. “Na minha visão é um modelo econômico que obedece a uma regra que é predar o sistema de ciência e tecnologia para deixar o país de joelhos”, disse Peregrino.
O presidente da ABC, Luiz Davidovich, lembrou que a luta pela ciência, tecnologia, educação de qualidade e inovação é uma luta pelo futuro do país pois sem ela, o Brasil ficará fora do “time dos campeões”. “Os campeões hoje em dia estão lutando, não com tanques e mísseis, mas pelo 5G, pelos chips de computadores”, reiterou Davidovich. E completou: “A grande batalha dos EUA com a China é por tecnologia, por ideias, por ciência”.
Helena Nader, vice-presidente da ABC e presidente de honra da SBPC, chamou atenção para o fato de que os cortes nos recursos do FNDCT escondem uma situação ainda pior: a falta de orçamento para a CT&I. “O FNDCT virou panaceia. Não tem mais orçamento, tudo é o FNDCT. Não podemos aceitar (essa situação), temos que ter orçamento e o FNDCT para projetos específicos”, disse Nader.
Sonia Regina de Souza Fernandes, presidente do Conselho Nacional das Instituições da Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica (Conif) e o secretário Executivo da Iniciativa para a Ciência e Tecnologia no Parlamento (ICTP.br), Celso Pansera, lembraram que “a ciência salva vidas”, mas para isso necessita dos recursos do FNDCT que o governo mantem retidos há anos.
“A ciência brasileira precisa que o governo destine os recursos que deveriam ir para financiar a nossa CT&I”, frisou Pansera.
O evento virtual contou também com a participação de Dácio Roberto Matheus, representante da Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes); a presidente da Associação Nacional de Pós-Graduandos (ANPG), Flavia Calé e Odir Dellagostin, presidente do Conselho Nacional das Fundações Estaduais de Amparo à Pesquisa (Confap).
Ao final da sessão de abertura, o presidente da SBPC, Renato Janine Ribeiro, analisou que as falas foram convergentes, demonstrando a “ligação profunda” das entidades cujos valores “em defesa da ciência, da democracia, da vida, do Brasil” são também os da SBPC.
“Não vamos deixar essa luta, vamos continuar dia 26 (de outubro, para quando está agendada uma nova mobilização) e enquanto for necessário para salvar os orçamentos da CT&I que estão em um momento muito difícil, assim como a saúde e o meio ambiente”, disse Ribeiro.
Apoio de parlamentares
Durante a mesa-redonda “Cortes no orçamento do MCTI: Qual a solução?” que se seguiu à sessão de abertura, o presidente do CNPq, Evaldo Vilela, definiu a medida, anunciada na semana anterior, como um “susto”, seguido de “indignação”. Vilela relatou que o orçamento deste ano do CNPq, em um total de R$ 1,4 bilhão – um dos menores já registrados na história da agência – prevê R$ 23 milhões para fomento e pouco mais de R$ 900 milhões para bolsas de estudos. Mas o dinheiro do FNDCT para fomento a projetos de pesquisa desapareceu.
O senador Izalci Lucas (PSDB/DF), da Comissão de Ciência, Tecnologia, Inovação, Comunicação e Informática do Senado, afirmou já ter garantias de que o montante retirado da área pelo Ministério da Economia será recuperado. “Nós nos comprometemos a não votar nenhuma matéria na Comissão Mista de Orçamento até que isso seja feito. Agora vamos cobrar a liberação dos cerca de R$ 2 bilhões que ainda faltam”, disse o parlamentar, em referência ao valor previsto ao MCTI no Orçamento 2021 ainda não liberado.
“O que houve agora foi uma frustração de expectativa de recuperar esses R$ 600 milhões da reserva de contingência do FNDCT, o que não ocorreu. Mas vamos lutar para que verbas para fundos como este não possam ser mais realocadas”, disse o deputado federal Alessandro Molon (PSB/RJ).
A deputada Joice Hasselman (PSL/SP) se colocou à disposição para mobilizar o maior número de parlamentares em apoio às demandas da CT&I. “Nos últimos meses fiz alguns requerimentos cobrando do Ministério da Economia alguns posicionamentos inexplicáveis. O que está acontecendo não é simplesmente falta de vontade, estamos vendo irregularidades no processo legal e burocrático, uma caça às bruxas”, afirmou.
O Ministério da Ciência Tecnologia e Inovações foi convidado a participar do evento e, como o ministro Marcos Pontes se preparava para uma viagem à Dubai, o ministro em exercício, secretário Marcelo Morales iria representá-lo. No entanto, uma hora antes da “live” o ministério avisou que Morales havia sido convocado para um encontro urgente e não poderia participar.
Assista ao ato e ao debate na íntegra, no canal da SBPC no Youtube
Jornal da Ciência