
A ideia de uma “Nova Ordem Mundial” sempre despertou interpretações controversas — da análise geopolítica séria a teorias conspiratórias. Mas quando o cenário internacional passa a ser redesenhado por confrontos comerciais, rupturas diplomáticas, disputas tecnológicas e rearranjos de poder, a expressão ganha novo peso. Desde o início do governo Trump, os Estados Unidos têm adotado uma política externa mais agressiva e isolacionista, desafiando alianças históricas e enfraquecendo instituições multilaterais. Esse movimento, segundo especialistas reunidos na 77ª Reunião Anual da SBPC, pode marcar o início de uma transformação estrutural da ordem internacional.
A mesa-redonda “Nova Ordem Global”, realizada nessa terça-feira (15/7) durante a 77ª Reunião Anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), reuniu pesquisadores e especialistas em política internacional, economia e ciência para discutir os rumos do sistema geopolítico mundial e o lugar do Brasil nesse novo tabuleiro. O debate foi coordenado por Renato Janine Ribeiro, presidente da SBPC, e contou com a participação de Elias Jabbour (UERJ), Luís Nassif (jornalista e editor do portal ADVivo), Sergio Machado Rezende (UFPE e ex-ministro da Ciência e Tecnologia) e Luís Manuel Rebelo Fernandes (UFRJ e MCTI).
Na abertura da mesa, Janine Ribeiro destacou que estamos vivendo um momento de “grande desordem mundial”, com tensões crescentes que fragilizam os atores tradicionais. “Temos uma boa associação com os BRICS, e é bom que ela prospere, porque serve de contraponto aos movimentos imperiais dos Estados Unidos”, afirmou.
Para o jornalista Luís Nassif, o mundo vive o início de um novo ciclo, que redefine o papel do Estado e do capital. Ele associou a ascensão do trumpismo à tentativa de destruir avanços civilizatórios construídos ao longo do século XX. “O ataque ao politicamente correto fez parte dessa estratégia de minar instituições e fundamentos da democracia para implementar uma nova ordem”, avaliou. Luís Nassif também destacou o protagonismo dos BRICS, especialmente no campo monetário. Segundo ele, a proposta de um sistema de trocas em moedas nacionais é um passo importante para enfraquecer a hegemonia do dólar na economia global.
Já o economista Elias Jabbour vê um cenário de transição entre duas globalizações: a liderada pelos Estados Unidos, em declínio, e uma nova, encabeçada pela China, com foco na integração produtiva e investimentos em infraestrutura. “Estamos assistindo ao ocaso de uma globalização financeira, e à ascensão de uma outra, produtiva, com a China como eixo central. Essa nova ordem busca integrar o Sul Global com base em valores de uso e não apenas valor de troca”, afirmou. Ele também chamou atenção para os mais de 3 mil projetos de integração física entre China e Rússia, que sinalizam uma reorganização profunda da divisão internacional do trabalho.
O físico Sergio Rezende relembrou os avanços científicos e educacionais do Brasil nas últimas décadas, como a expansão da pós-graduação a partir de 1968. Para ele, o país tem potencial para ocupar um papel relevante na nova ordem, desde que estabeleça parcerias estratégicas — como a proposta de uma rodovia transoceânica com a China, ligando o Atlântico ao Pacífico. “Se conseguirmos consolidar esse tipo de cooperação, o Brasil entra em um novo patamar geopolítico”, afirmou.
Luís Manuel Rebelo Fernandes reforçou a ideia de que estamos diante do desmantelamento da ordem internacional do pós-guerra, liderado por uma agenda unilateralista dos EUA. “O governo Trump acelerou a fragmentação do sistema multilateral, usando coerção como instrumento de política externa. Isso é expressão da perda de poder e da ascensão de um radicalismo protecionista”, explicou. Segundo ele, os BRICS representam hoje uma parcela crescente do PIB mundial e estão consolidando uma alternativa à velha ordem. Para o Brasil, a chave está em defender a soberania e apostar no multilateralismo: “Estamos assistindo ao surgimento de uma nova balança de poder. O Brasil pode — e deve — explorar essa margem de manobra.”
O debate foi encerrado por Renato Janine Ribeiro, que resumiu o dilema atual: “Estamos entre a utopia e a distopia. De um lado, temos todas as condições para avançar com um modelo sustentável, baseado em ciência, segurança alimentar e proteção ambiental. De outro, corre-se o risco de descontrole econômico e devastação ecológica. Estamos em um divisor de águas global.”
Você pode assistir à Mesa Redonda aqui:
https://www.youtube.com/live/pDCq0qRzLNU
A 77ª Reunião Anual da SBPC está sendo realizada ao longo desta semana, até sábado, 19 de julho, no campus Dois Irmãos, da UFRPE. São mais de 200 atividades totalmente gratuitas e abertas a todo o público, entre conferências, mesas-redondas, exposições e atrações científicas interativas para todas as idades. Confira a programação neste link e participe!
APOIADORES:
A 77ª Reunião Anual da SBPC é uma realização da UFRPE e da SBPC, que tem como sócios institucionais:
* Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (FAPERJ)
* Financiadora de Estudos e Projetos (FINEP)
* Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz)
* Instituto de Ciência, Tecnologia e Inovação de Maricá (ICTIM)
PATROCÍNIO:
* Banco do Nordeste (BNB)
* Baterias Moura
* Complexo Industrial Portuário Governador Eraldo Gueiros (SUAPE)
* Financiadora de Estudos e Projetos (FINEP)
* Fundação de Amparo à Ciência e Tecnologia do Estado de Pernambuco (FACEPE)
* Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP)
* Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste (SUDENE)
Chris Bueno – Jornal da Ciência