O Brasil é o segundo país do mundo com maior índice de mortalidade de crianças de zero a nove anos no mundo. E além de subtrair vidas, a pandemia de covid-19 também compromete o futuro, pelos severos impactos de curto, médio e longo prazos na saúde física, emocional, social e financeira, delas e de suas famílias. Os efeitos da pandemia sobre a infância no Brasil foi debatido em mesa-redonda nessa quarta-feira, 21 de julho, durante a 73ª Reunião Anual da SBPC.
O painel teve como participantes o médico Victor Horácio, vice-diretor Técnico do Hospital Pequeno Príncipe, em Curitiba (PR); Mariana Luz CEO da Fundação Maria Cecilia Souto Vidigal, em São Paulo (SP); e Naércio Menezes, professor da USP e da Cátedra Ruth Cardoso no Insper, também em São Paulo. A discussão teve mediação de Guilherme Rosso, head de inovação do Complexo Pequeno Príncipe.
Muitas pesquisas divulgadas em revistas científicas, jornais e redes sociais apontaram que as crianças são menos afetadas pelo coronavírus, porém, conforme ressaltou Horácio, a pandemia refletiu em um cenário pediátrico muito perigoso. As visitas aos pediatras caíram drasticamente, bem como o número de vacinas aplicadas nessa faixa etária, o que as expôs a riscos maiores de contraírem doenças como varicela, hepatites e meningites. “As crianças acabaram ficando mais vulneráveis a outras doenças”, disse.
E mesmo com índices menores de infecção com relação aos adultos, o acúmulo de casos confirmados de crianças com covid está aumentando, constatou o médico. “A maioria dos casos de contaminação acontece dentro de casa, pelos pais, que são obrigados a tomar transporte público para trabalharem, entre outros fatores.” Segundo ele, o coronavírus tem efeitos consideráveis nas crianças, que passam despercebidos por conta dos sintomas aparentemente mais leves. Horácio alerta para os cuidados que pais e médicos devem ter com os menores: jamais realizar automedicação e sempre fazer um acompanhamento pós-covid: “toda criança que teve covid precisa de avaliação cardíaca entre a 2ª e 6ª semana após a infecção”, recomenda especialmente por conta de complicações no músculo cardíaco.
Além disso, com a ausência de aulas nas escolas, cresceram as indicações de ansiedade, insônia e obesidade. E os casos de maus tratos que chegam no hospital curitibano quintuplicaram nesse ano de pandemia, ressaltou Horácio: “A saúde mental das crianças ficou muito afetada”, disse.
Os efeitos físicos e emocionais do coronavírus são agravados por fatores sociais e econômicos, também consequências dos efeitos da pandemia mal governada no Brasil. “Vimos o escancaramento das desigualdades no nosso país”, afirmou Mariana Luz. Segundo levantamento apresentado no evento, 61% das famílias brasileiras com crianças e adolescentes em casa declarou que a renda familiar caiu durante a pandemia. Hoje existem cerca de 20,6 milhões crianças na primeira infância no País; 1/3 delas vive na extrema pobreza.
“É importante ampliarmos o debate sobre o desenvolvimento infantil pleno da primeira infância no Brasil. 90% das conexões cerebrais acontecem até os seis anos de idade. Este é o período de formação dos adultos do futuro. A pandemia certamente terá impactos físicos, cognitivos e socioemocionais nos próximos anos, e isso é responsabilidade de todos”, disse.
Luz ressalta que a faixa da população mais pobre foi a mais afetada pelos impactos da pandemia no País. “Os cuidadores estão sem condições de estarem disponíveis para que as crianças atinjam seu potencial. A classe D foi a que menos recebeu orientações e ajuda para enfrentar a pandemia. Como consequência, mais de 70% dos professores indicaram regressão nas crianças nesse período. Temos que cuidar de quem cuida, para assegurar o desenvolvimento das crianças.”
Naércio Filho, professor da USP e do Insper, apontou para a total ausência de medidas de desenvolvimento infantil no País – “os gestores não sabem ainda o que as crianças deveriam estar fazendo em cada idade, por exemplo” – e reiterou os efeitos desastrosos da pandemia sobre a saúde mental dos mais jovens, especialmente em um cenário de extrema desigualdade social. “Precisamos de políticas públicas urgentes para atenuar os problemas da pandemia no desenvolvimento infantil, na saúde e na educação, senão teremos problemas muito mais graves lá na frente. Tudo começa com a pobreza na primeira infância”, observou.
Assista neste link ao painel “A saúde das crianças”.
Daniela Klebis – Jornal da Ciência