A entrada de um novo governo alimentou as esperanças de melhoras no panorama nacional. Depois de quatro anos de descaso e desmonte de políticas públicas, são muitas as frentes que demandam medidas urgentes. Mas nesta edição, a primeira após a posse do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e a escolha da ministra Nísia Trindade Lima, o Jornal da Ciência decidiu focar em um tema vital: a saúde pública.
A matéria de capa mostra como a desigualdade nos gastos afeta diretamente a maioria da população que depende do Sistema Único de Saúde (SUS) para ter atendimento médico. Estatísticas da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE) revelam que o Brasil apresenta um volume de gastos com saúde igual a 9,6% (em 2019) do Produto Interno Bruto (PIB), um patamar não muito abaixo de países desenvolvidos como Espanha, Nova Zelândia, Finlândia e Reino Unido. Também está próximo ao que despendem nossos vizinhos Argentina, Colômbia e Chile.
Entretanto, ao contrário do que ocorre naqueles países, a maior parcela dos gastos no Brasil (60%) vai para o setor privado (hospitais, planos de saúde, farmácias) e 40% para o setor público. Já nos países desenvolvidos, a proporção de gastos públicos é igual ou maior do que 70%.
Um dos grandes problemas do financiamento à saúde no Brasil está no chamado Teto de Gastos (EC 95/2016), que impede o Estado de investir mais no setor e atender às demandas crescentes da população. Outra questão é mais de cunho cultural e tem a ver com a visão que a sociedade brasileira tem em relação à saúde pública, como bem definiu a médica, professora da UFRJ e secretária regional da SBPC no Rio de Janeiro, Lígia Bahia.
Enquanto presidentes brasileiros (de esquerda e de direita), quando ficam doentes, vão para os grandes hospitais privados (Einstein, Sírio Libanês, Copa D’Or), líderes estrangeiros fazem o oposto. Um exemplo é o ex-primeiro ministro britânico Boris Johnson – um líder populista de direita, defensor das privatizações – que, quando pegou covid, foi tratado em um hospital público.
A nomeação de Nísia Trindade Lima para o Ministério da Saúde foi considerada uma excelente escolha pelos especialistas, dado o comprovado compromisso dela com a saúde pública. Porém, como apontaram alguns dos maiores especialistas na área entrevistados para essa matéria, os desafios que ela vai encarar não são nada triviais.
A começar pela queda drástica nos investimentos em Ciência, Tecnologia & Inovação (CT&I), que resultaram em atraso nas pesquisas e desenvolvimento das vacinas brasileiras contra covid-19. Dos 17 projetos apresentados já em 2020, apenas quatro têm perspectivas de chegar aos brasileiros, ainda assim só no fim de 2024.
Igualmente será difícil lidar com os resultados da irresponsabilidade do governo anterior, que criou um gabinete dedicado à produção e disseminação de notícias falsas e desinformação e desmontou sistemas construídos ao longo de muitos anos em benefício da população. Um exemplo é a saúde dos indígenas, totalmente vilipendiada, sofrendo ataques constantes de grupos de interesse. Outro é o desmonte da Política Nacional de Saúde Mental (PNSM), que havia sido construída com os esforços de décadas de vários movimentos sociais, de profissionais, trabalhadores e personagens como a médica Nise da Silveira, que levaram humanização aos doentes mentais.
A SBPC se coloca à disposição nessa nova fase em que, espera-se, a ciência esteja na base da reconstrução da saúde pública brasileira.
Renato Janine Ribeiro | Presidente da SBPC
Fernanda Sobral | Vice-presidente da SBPC