O recente estudo divulgado pela Capes com o perfil da produção científica brasileira e seu desempenho no contexto global aponta para uma questão essencial sobre o momento político vivido pela área de CT&I (Research in Brazil, disponível no site da Capes). A leitura do documento sugere uma pergunta simples, mas fundamental. Por que um país com indicadores que apontam significativas melhoras no desempenho de sua pesquisa, construídos em décadas, e em plena evolução, deveria, de repente, impedir, reduzir ou retardar esse desenvolvimento? A questão surge em função dos sucessivos cortes no orçamento para ciência e tecnologia ocorridos recentemente e que comprometem também o sistema que envolve a pós-graduação no País.
O relatório traz um avanço substantivo para o debate na forma como agrupa e analisa as informações, permitindo uma visão da parte mais proeminente dessa produção. Alguns pontos do resumo merecem um olhar mais crítico: décimo terceiro colocado no ranking da publicação de artigos científicos em termos globais, o País vem registrando crescimento anual regular dessa produção no período analisado, de 2011 a 2016. Historicamente, o relatório ressalta, o impacto da pesquisa brasileira avaliado pelo número de citações tem estado abaixo da média mundial, mas vem aumentando em torno de 15% nos últimos seis anos. No conjunto total dos cursos em vigência, algumas áreas destacam-se com alto índice de citações, revelando que tais pesquisas estão alinhadas ao interesse científico global. Outro dado que favorece a nossa Pós-Graduação é o número crescente de brasileiros com trabalhos realizados em parceria com pesquisadores de países europeus, americanos, australianos, latino-americanos e até asiáticos. É ainda baixo (cerca de 1%) o número de artigos publicados por acadêmicos em coautoria com pesquisadores da indústria, se a meta é um sistema de excelência acadêmica que garanta inovações industriais disruptivas e incrementais. Estes índices parecem que estão melhorando, mas carecem de uma maior atenção e reflexão, se o ponto de referência são os países centrais. Estes, tradicionalmente, fazem altos investimentos em pesquisa básica, tendo como horizonte tecnologias de vanguarda e inovação, base de riqueza e avanço tecnológico.
O levantamento constata que o Brasil exibe uma boa posição nos quesitos publicações e impacto quando comparado com seus vizinhos de continente e com países de situação similar em relação ao grau de desenvolvimento (em geral Rússia, China, Índia e África do Sul). Mas coloca-se, em alguns casos, acima do conjunto no item impacto das publicações e colaborações internacionais.
Os critérios de número de publicações e impacto apontam alguns segmentos como de excelência. Os de maior destaque são medicina, agricultura, física e ciências do espaço. Entre os “campos emergentes” de pesquisa que mostram desempenho em ascensão estão meio ambiente/ecologia, psiquiatria/psicologia e matemática, esta última com um número de publicações modesto, mas expressivo de citações. No entanto, a relação das vinte especializações que merecem registro e comparações com o exterior abrange segmentos como ciências de plantas e animais, química, engenharia, materiais e biologia molecular e genética, por exemplo. A relação das vinte instituições responsáveis pela principal produção científica do País é formada exclusivamente por entidades públicas, estaduais e federais.
O trabalho é uma fotografia “instantânea”, de um período de seis anos, que mostra a parte mais destacada dessa produção. Permite supor que nos próximos anos, se fossem mantidos os níveis de investimento em CT&I do período em foco, tal produção científica seria ampliada, com os decorrentes desdobramentos para o campo da tecnologia e da inovação e seu impulso para um desenvolvimento econômico mais sustentável.
Outro dado não menos importante do diagnóstico, e que na atual conjuntura merece reflexão, é o mercado de trabalho para os atuais pós-graduandos. Até a presente data, grande parte dos doutores absorvidos pelas instituições de ensino superior e institutos de pesquisa, em todas as regiões da federação, já estão sofrendo os efeitos dos cortes nos investimentos de C&T e frustrando suas ascensões profissionais. Outros setores, incluindo o empresarial, continuam temerosos em função da crise econômica. Sem grandes perspectivas profissionais, os jovens mais talentosos já estão deixando o País em busca de realização profissional, o outro lado tristonho deste momento.
Ao lado dos dados do relatório, torna-se urgente encontrar formas de medir esse PIB “invisível” que está sendo abandonado com os cortes dos recursos para ciência e tecnologia, afetando diretamente a pós-graduação nacional, cujos indicadores de qualidade são bastante significativos.