“EUA estão perdendo uma geração de progresso científico”

Para Frances Colón, pesquisadora do Center for American Progress e ex-assessora de ciência e tecnologia do Departamento de Estado dos EUA, os retrocessos impostos à ciência no país ameaçam a saúde pública, a democracia e o futuro da inovação. Em entrevista ao Jornal da Ciência, ela afirma que as eleições de meio de mandato serão decisivas para frear essa destruição — ou acelerar sua continuidade

Com programas científicos desmontados e a atuação climática dos Estados Unidos paralisada, o vácuo deixado pelo país preocupa cientistas e governantes de todo o mundo. Para Frances Colón, pesquisadora do Center for American Progress (CAP), a crise é muito mais profunda do que parece — e pode comprometer tanto a ciência quanto a democracia por gerações, caso não seja revertida em tempo.
“Nos Estados Unidos, é muito fácil destruir as coisas, mas não é tão fácil reconstruí-las. Em termos de reconstruir a estrutura científica, não será simples retomar os programas perdidos — levaria até dez anos. Estamos perdendo uma geração de progresso científico”, disse.

Frances ColónEx-assessora de ciência e tecnologia do Departamento de Estado dos EUA, Colón integrou a política externa do governo Barack Obama e esteve em São Paulo esta semana como uma das palestrantes da 7ª edição da Escola de Diplomacia Científica e da Inovação (InnSciD 2025). Promovida pelo Instituto de Estudos Avançados da USP, Departamento de Política Científica e Tecnológica da FFLCH-USP (DPCT) e Instituto de Relações Internacionais da USP (IRI-USP), com apoio do Ministério das Relações Exteriores, a InnSciD é uma escola internacional voltada à formação de profissionais em políticas científicas, inovação e cooperação internacional. O evento reúne esta semana, de 4 a 8 de agosto, especialistas de diversas regiões do mundo.

Neurocientista e especialista em diplomacia científica, Colón atua hoje na defesa da ação climática global como senior fellow da equipe internacional de clima do CAP, em Miami, onde lidera um programa para fortalecer a ambição e a ação globais na mitigação e adaptação às mudanças climáticas. Ela também é copresidente da Global Science Diplomacy Roundtable das Academias Nacionais de Ciências, Engenharia e Medicina dos EUA.

Em sua conferência na InnSciD 2025, na terça-feira (05/08), Colón analisou os desafios atuais da diplomacia científica diante da crise climática e destacou a necessidade de cooperação internacional para lidar com um problema “que não respeita fronteiras” e que exige desde soluções tecnológicas até mecanismos de financiamento e coordenação entre governos.

“Precisamos incorporar a ciência à diplomacia para continuar tomando decisões conjuntas baseadas em evidências”, afirmou. Para ela, iniciativas como o IPCC representam “a diplomacia científica em sua melhor forma — reunindo boa informação científica e governos dispostos a agir.”

Colón alertou para os impactos da retração dos Estados Unidos no cenário internacional. “Outros países estão tendo que se adaptar à ausência dos EUA. É um novo jogo. Os Estados Unidos já não são mais um ator de peso na agenda climática global, nem na científica”, afirmou. Esse vácuo, segundo ela, abre espaço para que outras nações assumam a liderança na transição para economias sustentáveis.

Diante desse processo de erosão institucional, a cientista contou que, como forma de reagir à omissão do governo federal, alguns estados da federação estão reivindicando à ONU o direito de representação subnacional na COP30, que será realizada em novembro, em Belém.

Para Colón, porém, o que mais preocupa é o clima de apatia institucional: “Aqueles que você esperaria que atuassem como barreiras mais fortes estão agindo a partir do medo, tentando agradar as autoridades. E, com isso, tornam suas populações ainda mais vulneráveis. Não se fez o suficiente para proteger a ciência.”

Em entrevista exclusiva ao Jornal da Ciência, Frances Colón detalhou sua preocupação com a situação atual da ciência e da democracia nos Estados Unidos sob o governo Trump. Segundo ela, os cortes e desmontes promovidos pela atual administração representam um risco concreto para a saúde pública, a segurança climática e o futuro da pesquisa científica.

“O que mais me preocupa é que a administração Trump não acredita que precisamos de ciência para melhorar a vida das pessoas. Eles têm feito muito para eliminar programas, o apoio a universidades e a expertise técnica das agências do governo que fazem as coisas funcionarem”, afirmou.

Colón alerta que muitos serviços essenciais nos Estados Unidos — dos alertas meteorológicos à fiscalização sanitária — são produtos diretos de décadas de investimento em ciência, embora a maior parte da população não perceba isso. “As pessoas acham que as coisas simplesmente funcionam: que vão saber com antecedência sobre uma emergência climática, que o alimento no supermercado será seguro, que haverá pesquisa para tratar o câncer. Mas tudo isso depende de ciência, e esse sistema está sendo desmontado.”

Para a cientista, o impacto desse desmonte não será apenas técnico, mas afetará diretamente a vida da população. “Seremos menos saudáveis. Estaremos mais vulneráveis a doenças, a tempestades, ao impacto climático.”

A destruição, segundo Colón, é mais fácil que a reconstrução — e a ciência, ao contrário de outras áreas, exige continuidade. “Pesquisa científica não é algo que você pode parar e recomeçar no dia seguinte. Ela tem uma progressão. Se eu desligo experimentos, satélites, a coleta de dados, não posso simplesmente religar tudo e esperar que volte ao ponto anterior. Existem coisas que não podem ser reiniciadas. Podemos estar perdendo uma geração de ciência.”

Mesmo que haja mudança de rumo no futuro próximo, ela reconhece que o processo de reconstrução será lento e incerto. “Levaria cerca de dez anos para reconstruir os programas perdidos — se conseguirmos. E isso depende de ciclos de financiamento, de decisões do Congresso. Não é fácil.”

“As decisões do governo estão tornando as pessoas mais vulneráveis”

Para a pesquisadora do CAP, o processo em curso é guiado por interesses privados. “É um governo que, de fato, não se importa com o bem-estar das pessoas. A única coisa com que se importam é com o bem-estar deles mesmos, dos amigos, dos interesses especiais. Isso é o mais doloroso.”

Ela cita como exemplo a recusa em investir em sistemas de alerta para desastres naturais, o que, segundo ela, resultou em tragédias evitáveis. “Quando removemos a ciência do processo, temos mais enchentes, mais mortes, mais dor. E as pessoas só vão perceber isso depois, quando já tiverem sofrido. Acho que vai levar um tempo para ligarem os pontos das decisões que estão sendo tomadas agora.”

A fragilização institucional também é uma preocupação muito forte, em sua percepção. “Acho que a nossa democracia está em risco. Todas as decisões e ações que a Casa Branca vem tomando ignoram o fato de que vivemos sob uma democracia aberta. Me preocupa muito que nossas instituições, inclusive universidades e tribunais, se mostraram menos capazes de conter essa agenda antidemocrática do que imaginávamos.”

“As eleições de meio de mandato são decisivas”

Colón vê as eleições de meio de mandato, em 2026, como o momento para conter o avanço desses retrocessos. “As pessoas nos Estados Unidos precisam tomar decisões melhores para seu próprio bem-estar e de suas famílias e comunidades quando forem às urnas. Essas eleições podem prevenir muitas coisas de ficarem pior, se conseguirmos mudar a composição da Câmara e do Senado.”

Para ela, esse é um ponto central para compreender o que ainda pode ser revertido — e como. “As pessoas precisam refletir que o cotidiano não acontece por acaso. São decisões que são tomadas nas urnas, quando elas votam, que colocam em posição os tomadores de decisão locais e nacionais. A qualidade de vida que temos todos os dias — se temos liberdade, saúde, comida na mesa, um bom emprego, menos violência — depende dessas decisões. E podemos mudar esse cenário tomando decisões melhores nas urnas.”

Para Colón, o envolvimento político da população é fundamental. “É responsabilidade das pessoas participarem e se engajarem para melhorar suas próprias vidas.”

Daniela Klebis – Jornal da Ciência