Com o objetivo de discutir formas de viabilizar ações para elevar as universidades brasileiras à excelência em educação superior e formular recomendações que poderão embasar políticas públicas, a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) em parceria com a Academia Brasileira de Ciências (ABC), realizou o simpósio Excellence in Higher Education, que aconteceu na sede da fundação entre os dias 23 e 24 de janeiro. No primeiro dia, especialistas afirmaram que mesmo a excelência de ensino sendo a meta de todas as universidades, poucas instituições do país teriam condições de dar um salto de qualidade e se tornarem de classe mundial em pesquisa científica. Para que isso ocorra, as universidades precisam receber investimentos diferenciados para desenvolver planos institucionais ousados.
Ao falar sobre os desafios para alcançar a excelência em pesquisa, o diretor científico da Fapesp, Carlos Henrique de Brito Cruz disse que embora a produção científica brasileira tenha crescido significativamente nos últimos anos, o impacto dos artigos publicados continua abaixo da média mundial – atrás de países como Argentina, Espanha, China e Coreia do Sul. “O que estamos fazendo de errado? Em algum momento o sistema parece ter entrado em um desvio buscando multiplicar a quantidade e não a qualidade”, avaliou Brito Cruz.
Para mudar a tendência de queda observada nas curvas de impacto da ciência brasileira, Brito Cruz apontou quatro estratégias. A primeira é proteger o tempo do pesquisador contra atividades burocráticas, como gerência dos projetos de pesquisa, o que as universidades deveriam garantir oferecendo escritórios de apoio análogos aos Grants Management Offices de universidades estrangeiras. “Os pesquisadores são afastados das pesquisas para fazer trabalhos burocráticos que funcionários das universidades deveriam fazer”, completou.
Brito Cruz também ressaltou a necessidade de desenvolver mais cooperações internacionais, aumentar a visibilidade e o impacto das revistas científicas brasileiras e estimular a qualidade e o mérito nos processos de seleção de financiamentos e de promoção de professores. “Isso significa, por exemplo, valorizar mais as citações que o artigo recebeu do que o fator de impacto da revista em que ele foi publicado na hora de analisar a produção científica de um pesquisador”, afirmou.
A diferenciação no sistema de ensino, reconhecendo as instituições com vocação para desenvolver pesquisa de nível internacional, tem sido apontada pela ABC há pelo menos uma década, quando foi publicado o documento “Subsídios para a Reforma do Ensino Superior”, lembrou Hernan Chaimovich, vice-presidente da ABC e assessor especial da diretoria científica da Fapesp.
“Diferenciar não quer dizer que uma parte do sistema é melhor ou pior que outra. Mas um sistema em que todas as partes são iguais em geral não funciona. Um sistema se caracteriza pela excelência de todas as suas partes, embora cada uma tenha função distinta da outra”, avaliou Chaimovich.
Para a presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), Helena Nader, o peso da ciência que cada universidade produz é um fator relevante e, portanto, o investimento não pode ser o mesmo para todas as instituições.
“A ciência, para ser de ponta, precisa de um investimento superior ao que está sendo feito no país. A sociedade precisa decidir em quais áreas devem ser feitos investimentos pesados e quais instituições têm perfil para trilhar esse caminho da internacionalização. Cada uma deve ter um perfil e uma área de excelência. Somente assim o Brasil vai se tornar capaz de pautar a ciência internacional e não apenas ser pautado”, opinou.
Cursos de nível internacional
O presidente da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), Jorge Guimarães, avaliou que um dos possíveis critérios de seleção das instituições vocacionadas a atingir o status de classe mundial é o percentual de cursos de pós-graduação com conceitos 6 ou 7 – considerados de excelência em nível internacional – na Avaliação Trienal dos Programas de Pós-Graduação.
Ao comentar os desafios que terão de ser enfrentados pelas instituições no caminho para desenvolver pesquisa de classe mundial, Guimarães destacou a necessidade de maior autonomia e sistemas eficientes de governança, internacionalização das operações de ensino e pesquisa (o que inclui aumentar o número de colaborações internacionais efetivas, maior mobilidade de alunos e pesquisadores, aumentar o número de cursos regulares oferecidos em outras línguas, atrair estudantes e pesquisadores estrangeiros e aumentar o número de publicações com parceiros internacionais), redução no número de horas que o estudante passa em sala de aula, investimentos em residências estudantis dentro do campus.
“Os alunos do Ciência Sem Fronteiras estão nos mostrando a necessidade de não passar mais do que 14 horas em sala de aula por semana, desenvolver muitos trabalhos experimentais, ter tempo para estudar sozinho e convivência com colegas do mundo inteiro nas moradias do campus”, afirmou o presidente da Capes.
Renato Pedrosa, do Centro de Estudos Avançados (CEAv) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), defendeu a necessidade de autonomia para que as instituições definam internamente a forma de contratação e promoção de docentes, bem como a estruturação da carreira acadêmica.
Para Pedrosa, as instituições não devem ficar presas ao modelo de estatuto do funcionalismo público e deveriam poder desvencilhar, quando necessário, as atividades de ensino e de pesquisa, criando diferentes modelos de carreira acadêmica de acordo com a vocação de cada instituição.
Convênio
Durante a cerimônia de abertura do simpósio, o presidente da Fapesp, Celso Lafer, anunciou a assinatura do convênio firmado entre a fundação paulista e a Capes visando à execução de um programa de concessão de bolsas de mestrado e doutorado em programas de pós-graduação stricto sensu e bolsas de pós-doutorado em instituições públicas e privadas sem fins lucrativos de ensino superior do Estado de São Paulo.
“O convênio representa uma convergência de recursos e de visão sobre a formação de pessoas altamente qualificadas para gerar conhecimento, sem o qual não há excelência no ensino superior. Estou convencido de que o conhecimento é uma variável crítica para a sociedade brasileira enfrentar seus desafios e de que a excelência em matéria de ensino superior é um componente essencial nesse processo”, disse Lafer.
Investimentos
A falta de investimentos para a educação superior é outro problema enfrentado pelas universidades. Para Carlos Antonio Luque, da Universidade de São Paulo, a questão do financiamento das universidades estaduais pode ser caracterizada em três pontos. “A primeira é que existe uma disputa por recursos públicos entre educação e outros setores – como segurança, saúde, transporte etc. O segundo ponto é dentro da própria área educacional, que é a disputa entre educação básica e a superior. O terceiro desafio enfrentado pelas instituições estaduais é o excesso de demanda de ensino superior”, explica. “Deve existir prioridade”, disse.
Já Rui Albuquerque, do Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA), destacou que uma das saídas pela falta de recursos poderia ser o sistema de doações ou fundos de investimento. “Existe uma falta de cultura de investimento social privado no Brasil. Não existe a cultura de doações no Brasil. Mas quando alguma empresa tenta fazer isso, enfrenta tanta burocracia que acaba desistindo”, lamentou.
Albuquerque citou também que outra opção são os fundos de investimento. “Um dos exemplos é o fundo Associação Acadêmica Santos-Dumont (AASD), criado em 2008, com a ideia de dar suporte aos diversos projetos de alunos do ITA”, disse. “O orçamento ainda é pequeno, quando comparado a outros estrangeiros, mas este fundo está conseguindo crescer e já conta com doadores como, por exemplo, a Embraer, Polibras, Aviedro, entre outras”, disse.
Para Albuquerque, é preciso mais exemplos de sucesso. “Acredito que na medida que for surgindo experiências novas, a cultura deva mudar”, finalizou.
(Vivian Costa, com Agência Fapesp)