Desde a publicação, em edição extra do Diário Oficial da União do último dia 11, do Decreto n° 9.759/2019, entidades civis procuram informações se os órgãos colegiados dos quais participam democraticamente serão mantidos ou extintos pelo governo de Jair Bolsonaro. Listas com nomes de dezenas de conselhos, comitês e outras instâncias com previsão de participação da sociedade civil circulam pela Internet, revelando um preocupante cenário de redução da participação social na construção de políticas públicas.
Ainda pairam muitas dúvidas sobre quais colegiados sobreviverão à nova política de redução de instâncias de debate com a sociedade. Isso porque o Decreto não extingue imediatamente esses órgãos, mas aponta de forma ampla a intenção de extermínio dos conselhos, estabelecendo poucas exceções. O que concretamente o Decreto revoga é a Política Nacional de Participação Social (PNPS) e o Sistema Nacional de Participação Social (SNPS), estabelecidos em 2014 como um plano de fomento da participação de entidades civis nas deliberações governamentais.
Com relação aos colegiados, marca para 1° de agosto de 2019 a publicação da extinção de todas as instâncias com representação social – conselhos, comitês, comissões, grupos, juntas, equipes, mesas, fóruns, salas e outras denominações – presentes na administração pública. A decisão final sobre quais instâncias serão fechadas ocorrerá três dias antes, em 28 de julho de 2019. Caberá aos ministérios listar todos os órgãos colegiados sob sua alçada e fazer eventuais pedidos de manutenção das atividades até o dia 28 de maio, dentro das novas regras estabelecidas pelo Decreto.
As novas regras, por sua vez, são bastante restritivas, limitando a sete os assentos em cada colegiado, vedando, em regra geral, a criação de subcolegiados e impedindo reuniões presenciais quando os representantes estiverem em diferentes unidades da federação – as reuniões, neste caso, devem ser feitas por videoconferência. Define, inclusive, o tempo de duração das reuniões: duas horas de deliberação e mais duas horas para votações.
“Revogaço”
Um outro Decreto editado pelo governo no mesmo dia 11 de abril causou confusão sobre a extinção dos conselhos. Trata-se do Decreto n° 9.757/2019, que já ganhou o apelido de “revogaço” por ter revogado 250 decretos. Essa lista não traz a extinção das normas dos colegiados que só serão revogadas em 1° de agosto. Portanto, a ausência dos decretos de criação das diversas instâncias de participação social não significa que determinado órgão colegiado foi poupado do fechamento. Portanto, o governo na verdade já anunciou um novo “revogaço” dessas esferas em quatro meses.
Exceções
Os colegiados classificados como entidades vinculadas, como autarquias e fundações, não são afetados pelo Decreto de extinção. Sendo assim, diretorias colegiadas, como ocorre com agências reguladoras e fundações, permanecem em funcionamento. Comissões de sindicância e de processo disciplinar, bem como as de licitações também estão fora do escopo do Decreto. Os colegiados criados por instituições federais de ensino seguem em funcionamento sem risco.
Além das exceções explícitas, o Decreto estabelece duas hipóteses interpretativas de manutenção dos colegiados. A primeira é a de que as instâncias criadas por Lei em que haja detalhamento de suas atribuições ou composição estão poupadas da extinção. Esse é um detalhe importante, porque alguns colegiados são citados em Lei, mas são organizados posteriormente por Decreto. Outros, em sua Lei de criação, possuíam a descrição de suas atividades, revogadas depois por novas Leis. Nestes casos, o colegiado, em princípio, pode ser eliminado.
A segunda exceção que depende da interpretação encontra-se no Art. 5° do Decreto, onde define-se que colegiados criados ou alterados a partir de 1° de janeiro de 2019 estão poupados da extinção. A dúvida paira sobre o que a Casa Civil considerará como “alterado”. Um exemplo crítico é o do Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br). Por ter sido criado por Decreto, o CGI.br poderia ser extinto. Ocorre que houve nomeação de novos representantes em 2019 por Portaria Conjunta do governo. Assim, pode-se entender que ele foi “alterado” dentro da regra do Art. 5°, o que garantiria a manutenção do Comitê. Mas o destino do CGI.br ainda não está claro mesmo para os componentes do grupo.
Vários outros colegiados são citados na Medida Provisória n° 870/2019, que trata do ordenamento básico dos órgãos da administração pública editada tradicionalmente no início de cada governo. É possível que a previsão de tais órgãos na MP editada pelo próprio governo seja interpretada como salvaguarda para alguns colegiados dentro da exceção do Art. 5°, ainda que o ordenamento do governo não seja uma “alteração” propriamente dita.
Desmonte da representação civil
A Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência – SBPC analisou o arcabouço de criação de 76 órgãos colegiados em funcionamento. O levantamento considerou também algumas entidades vinculadas ao Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações e ao Ministério da Educação de caráter crítico para C&T ainda que estes não corressem risco inicial de serem fechados para evitar que a ausência dos mesmos na lista causasse preocupações com relação a sua continuidade.
Neste grupo de 76 órgãos, foi identificado o risco crítico de fechamento de 40 colegiados e 16 dúvidas em relação à exceção criada pelo Art. 5°. Ou seja, mais da metade (53%) das instâncias analisadas devem ser extintas. Se a exceção do Art. 5° não for aplicada considerando nomeações e a MP n° 870/2019, o índice sobe para 74% dos colegiados da lista.
Confira abaixo:
Risco crítico de extinção
CPCT – Comitê de Popularização da Ciência e Tecnologia
CNCD – Conselho Nacional de Combate à Discriminação e Promoção dos Direitos de LGBT
Comitê Intersetorial de Acompanhamento e Monitoramento da Política Nacional para a População em Situação de Rua
CNPD – Comissão Nacional de População e Desenvolvimento
Conselho Deliberativo do Fundo Nacional do Meio Ambiente
CONAFLOR – Comissão Nacional de Florestas
CFCA – Câmara Federal de Compensação Ambiental
CONABIO – Comissão Nacional da Biodiversidade
CCZEE – Comissão Coordenadora do Zoneamento Ecológico-Econômico
FBMC – Fórum Brasileiro de Mudança do Clima
CIM – Comitê Interministerial sobre Mudança do Clima
Comissão Interministerial de Mudança Global do Clima
Rede Clima – Rede Brasileira de Pesquisas sobre Mudanças Climáticas Globais
CONAREDD+ – Comissão Nacional para REDD+
COFA – Comitê Orientador do Fundo Amazônia
CONACER – Comissão Nacional do Programa Cerrado Sustentável
CA-PNEA – Comitê Assessor da Política Nacional de Educação Ambiental
CNZU – Comitê Nacional de Zonas Úmidas
Comitê Nacional de Plantas Medicinais e Fitoterápicos
CNS – Conselho Nacional de Saúde
CIPEA – Comitê Intersetorial Permanente de Educação Ambiental
CNEEI – Comissão Nacional de Educação Escolar Indígena
CNAEJA – Comissão Nacional de Alfabetização e Educação de Jovens e Adultos
CNEDH – Comitê Nacional de Educação em Direitos Humanos
CONATRAE – Comissão Nacional para Erradicação do Trabalho Escravo
Conselho da Autoridade Central Administrativa Federal contra o Sequestro Internacional de Crianças
CONASP – Conselho Nacional de Segurança Pública / CNSP – Conselho Nacional de Segurança Pública e Defesa Social
CRT – Conselho de Relações do Trabalho
CONAETI – Comissão Nacional de Erradicação do Trabalho Infantil
CNATRE – Comissão Nacional dos Trabalhadores Rurais Empregados
CNDI – Conselho Nacional dos Direitos do Idoso
CONADE – Conselho Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência
CNPCT – Comissão Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais
CADARA – Comissão Técnica Nacional de Diversidade para Assuntos Relacionados à Educação dos Afro-Brasileiros
CNPI – Comissão Nacional de Política Indigenista
CONCIDADES – Conselho das Cidades
CDAC – Conselho de Desenvolvimento do Agronegócio do Cacau
CNAPO – Comissão Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica
CIAPO – Câmara Interministerial de Agroecologia e Produção Orgânica
CONIT – Conselho Nacional de Integração de Políticas de Transporte
Possível aplicação da exceção do Art. 5°
CGI.br – Comitê Gestor da Internet no Brasil
CMCH – Comissão de Coordenação das Atividades de Meteorologia, Climatologia e Hidrologia
CONAD – Conselho Nacional de Políticas sobre Drogas
CTPCC – Conselho da Transparência Pública e Combate à Corrupção
CNCP – Conselho Nacional de Combate à Pirataria e Delitos contra a Propriedade Intelectual
CNIg – Conselho Nacional de Imigração
CDPC – Conselho Deliberativo da Política do Café
CONDRAF – Conselho Nacional de Desenvolvimento Rural Sustentável
CER – Comissão Especial de Recursos
CONAPE – Conselho Nacional de Aquicultura e Pesca
Conselho Consultivo e de Acompanhamento do Fundo de Combate e Erradicação da Pobreza
CNE – Conselho Nacional do Esporte
CSC – Conselho Superior do Cinema
CNPC – Conselho Nacional de Política Cultural
CNES – Conselho Nacional de Economia Solidária
CRBE – Conselho de Representantes dos Brasileiros no Exterior
Mantidos
CTNBio – Comissão Técnica Nacional de Biossegurança
CCT – Conselho Nacional de Ciência e Tecnologia
CONCEA – Conselho Nacional de Controle de Experimentação Animal
CONIN – Conselho Nacional de Informática e Automação
CNEN – Comissão Nacional de Energia Nuclear
CNPq – Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico
CONAMA – Conselho Nacional do Meio Ambiente
CGEN – Conselho de Gestão do Patrimônio Genético
CGFLOP – Comissão de Gestão de Florestas Públicas
CONAES – Comissão Nacional de Avaliação da Educação Superior
CNE – Conselho Nacional de Educação
CAPES – Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior
CONPDEC – Conselho Nacional de Proteção e Defesa Civil
CRPS – Conselho de Recursos da Previdência Social
CNPA – Conselho Nacional de Política Agrícola
CNIC – Comissão Nacional de Incentivo à Cultura
Comissão do Fundo Nacional da Cultura
CNAS – Conselho Nacional de Assistência Social
Conselho Gestor Interministerial do Programa Bolsa Família
Conselho de Articulação de Programas Sociais
Mariana Mazza – Jornal da Ciência