Falta de investimento na ciência aumenta dependência de tecnologias internacionais, alerta presidente da SBPC

Helena Nader apresentou nesta terça-feira, na UnB, uma palestra sobre os avanços e os recentes retrocessos da ciência no Brasil. Ela conclama toda a sociedade a participar da Marcha Pela Ciência neste sábado, 22, e lutar pela recuperação da ciência, tecnologia e inovação no Brasil
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Helena Nader, presidente da SBPC. (Foto: Jornal da Ciência)

Sem ciência não haverá tecnologia e inovação e, cada vez mais, as nações desenvolvidas venderão produtos tecnológicos para as nações que não acreditaram na ciência. Esse foi o alerta dado pela presidente da SBPC, Helena Nader, durante palestra proferida na Universidade de Brasília (UnB), na capital federal, nesta terça-feira (18). Em sua apresentação, Nader discorreu sobre os avanços e os recentes retrocessos da ciência, tecnologia e inovação.

A cientista aproveitou a ocasião para conclamar toda a sociedade a participar da Marcha Pela Ciência, mobilização internacional que se realiza neste sábado, 22, em mais de 400 cidades pelo mundo, incluindo cerca de 20 cidades brasileiras. “Os Estados Unidos iniciaram esse ato quando Donald Trump começou a desacreditar as evidências científicas sobre as mudanças climáticas e os cientistas se mobilizaram. Aqui no Brasil, diante da série de golpes que a ciência vem sofrendo, também precisamos muito dessa Marcha”, disse Nader, citando os atos previstos em Brasília, São Paulo, Natal e Rio de Janeiro, por exemplo.

A presidente da SBPC falou sobre a dependência brasileira da inovação internacional e questionou até quando o Brasil permanecerá com a prática de exportar commodities e importar bens de alto valor agregado. Ela lamentou a baixa participação de investimentos em Pesquisa e Desenvolvimento (P&D) em relação ao Produto Interno Bruto (PIB), fatores que refletem no resultado final da balança comercial nacional.

Nader discorreu sobre os retrocessos mais recentes da área e citou, por exemplo, a fusão do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) com a pasta das Comunicações. Segundo ela, “a volta do MCTI” é o mantra da SBPC. Em sua avaliação, a fusão agravou ainda mais a situação da área, já muito prejudicada pelos contingenciamentos consecutivos de recursos para atingir a meta do chamado superávit primário.

A titular da SBPC voltou a afirmar que a ciência brasileira registrou grandes avanços nas  últimas décadas, com destaque para o aumento da produção de artigos científicos em periódicos internacionais em todas as áreas do conhecimento, graças à criação do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), na década de 1980. Nesse contexto, lamentou, porém, o fato de o ambiente negativo inviabilizar a inovação no País. Nesse caso, ela citou a queda do Brasil no ranking do Global Innovation Index de 2015, de 70ª para 69 ª posição.

“A inovação não estar bem colocada não é culpa da universidade. A universidade está fazendo seu papel, mas o ambiente econômico dificulta que os empresários e a iniciativa privada partam para a inovação”, diagnosticou a cientista, em sua apresentação.

Embora ainda abaixo do desejado, a cientista destacou alguns dos grandes impactos positivos da ciência na economia brasileira. Um deles é a alavancagem da produtividade da soja, hoje o principal item de exportação da balança comercial. Outro exemplo é a exploração do petróleo em águas profundas, assim como os aviões produzidos pela Embraer.

Corte no orçamento

Nader lamentou profundamente o fato de o governo federal ter cortado quase pela metade o orçamento de 2017, em relação à previsão inicial na Lei Orçamentária Anual (LOA), de R$ 5,04 bilhões, para um total de R$ 3,2 bilhões.

Essa decisão, conforme avaliou a presidente da SBPC, agrava ainda mais o cenário financeiro da área da ciência, tecnologia e inovação, que já tinha sido incluída na chamada PEC do teto dos gastos públicos, que congela as despesas públicas por um período de 20 anos, aproximadamente.

“Estávamos indo bem e, de repente, despencamos. Nos últimos seis anos o orçamento está aquém do desejado”, lamentou ela, que destacou a urgência de reverter tal situação.

Outro retrocesso, na observação de Nader, é a decisão da Câmara dos Deputados, que em 29 de março arquivou a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) nº 395-A, que permitia a cobrança de mensalidade em cursos de extensão e pós-graduação lato sensu oferecidos nas universidades públicas. A avaliação é de que a aprovação dessa medida poderia aliviar o caixa das instituições públicas de ensino superior que hoje enfrentam crises orçamentárias. Também poderia assegurar a oferta desses cursos com qualidade nas universidades públicas. A expectativa é de que o Supremo Tribunal Federal (STF) julgue favoravelmente amanhã, 20, o recurso relacionado a essa cobrança.

Marco Legal

A presidente da SBPC chamou ainda a atenção para eventuais retrocessos ao Novo Marco Legal da Ciência, Tecnologia e Inovação, sancionado em janeiro de 2016, com oito vetos presidenciais. Na última semana, a SBPC, juntamente a outras sete instituições da comunidade científica e empresarial, entregaram ao governo uma proposta para o Decreto de Regulamentação da Lei – uma versão mais simples e menos burocratizada da que o governo havia proposto. Além da luta contra os oito vetos e pela aprovação dessa proposta de regulamentação, existe ainda o desafio da implementação da Lei, que depende do engajamento de todos.

“Se as universidades brasileiras, em especial as públicas, não assumirem de fato o Marco Legal da CT&I, não vai adiantar nada”, alertou. A cientista considera fundamental o estreitamento de laços entre a academia e o setor privado para produzir inovação. “A graduação e a pós-graduação stricto sensu vão continuar gratuitas, mas a parceria com o setor privado, para aqueles que puderem e que têm algo a contribuir para esse setor, deve existir. E infelizmente isso é questionado por muitos gestores, o que é um retrocesso”, disse.

Viviane Monteiro – Jornal da Ciência