Acomodadas dentro da mala de Maria Elizete Kunkel, próteses e órteses vão sendo acomodadas sobre a mesa do bar. Nesta noite de segunda-feira (20/05), a física vai falar sobre como sua pesquisa na área da biomedicina e impressões 3D têm beneficiado principalmente crianças.
Kunkel está entre os cerca de mil pesquisadores voluntários que participam no Brasil do festival internacional Pint of Science. Criado em Londres em 2012, o evento acontece simultaneamente em 24 países e tem um objetivo: colocar cientistas frente a frente com o público, de forma descontraída.
Em São José dos Campos, cidade onde Kunkel atua como professora da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo), é a primeira vez que o evento acontece. A 90 quilômetros da capital paulista, a cidade abriga um dos centros de inovação mais relevantes do país, o Parque Tecnológico, além de renomadas instituições como o Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais).
Num dos dois bares que participam do festival, Kunkel dá detalhes sobre a parceria da universidade com o setor infantil do hospital municipal que pode revolucionar um tratamento de bebês.
“Nosso projeto é para atender crianças que sofrem de uma doença específica em que elas precisam manter a mesma posição por 120 dias depois de uma cirurgia”, detalha a pesquisadora.
Há 200 anos, essa imobilização é feita com gesso – durante os quatro meses de tratamento, a criança não pode sequer tomar banho. “A gente está desenvolvendo uma órtese, que serve para imobilizar, numa impressora 3D. Ela é bem mais leve que o gesso e pode molhar”, acrescenta, dizendo ser pioneira no setor.
No outro bar da cidade, Julia de Sá, de 18 anos, ouve atenta o pesquisador Francisco Nóbrega explicar os fundamentos da engenharia genética. Ela se prepara para o vestibular de medicina e aprova a estratégia de levar a discussão científica para o bar.
“Acho muito importante falar sobre ciência. Ajuda a desenvolver a sociedade, a abrir a mente”, opina.
O clima é de informalidade, o que mantém a atenção dos curiosos e frequentadores dos bares. “Em muitos lugares, a produção científica fica isolada da população. Essa é a grande sacada do Pint of Science: fazer a ponte entre esses mundos”, diz Danielle Maas, pesquisadora que coordena o evento na cidade.
Quatro anos depois de chegar ao Brasil, em 2015, o país é o campeão número de debates. Em 2019, até a noite de quarta-feira, serão 85 cidades brasileiras falando sobre ciência simultaneamente, com a participação de mais de dois mil voluntários.
Neste ano edição ficou também mais politizada. De São Paulo, cidade com a programação mais extensa, a pesquisadora Sylvia Maria Afonso, uma das coordenadoras nacionais, convida o presidente Jair Bolsonaro, ministros e parlamentares para “tomar parte nesta celebração do conhecimento” durante a leitura da carta de abertura com título provocativo: “Trazendo a balbúrdia da ciência para o bar”.
“Trouxemos um grande movimento em forma de ciência, arte, filosofia, matemática, sociologia. Se estiverem em Brasília, temos ótimos motivos para a sua participação: uma riquíssima programação com conhecimento que tem impacto real na sua vida”, diz o texto, distribuído para todos os coordenadores locais.
Pelas universidades e institutos federais do país – onde a maioria das pesquisas científicas no país é produzida – a situação é de agonia. Os sucessivos anúncios de cortes comprometem o funcionamento de muitas instituições. A estimativa é que o corte de orçamento voltado para ciência e tecnologia chegue a 42%, segundo levantamento de entidades como a SBPC (Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência).
“Cada vez que se deixa de formar pessoas, é uma geração que se perde. Não é como uma fábrica, que você repõe os dias de greve. É uma geração inteira que se perde para sempre”, critica Helena Nader, presidente emérita da SBPC, a política adotada pelo presidente Jair Bolsonaro.
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