Diante de seu tamanho e biodiversidade, a Floresta Amazônica ainda é desconhecida, afirmam especialista que participaram da mesa-redonda “Conhecemos a floresta Amazônica?”, uma das atividades da 75ª Reunião Anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC).
Coordenado por Ennio Candotti, diretor do Museu da Amazônia (Musa) e presidente de honra da entidade, o debate contou com a participação da ecóloga Ima Célia Guimarães Vieira, pesquisadora titular do Museu Paraense Emílio Goeldi e assessora da presidência da Finep, e dos botânicos Daniela Zappi, professora visitante da Universidade de Brasília (UnB), e Michael John Hopkins, curador do herbário e coordenador do Programa de Pós-graduação em Botânica do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa).
Segundo os especialistas, embora a Amazônia seja o bioma com maior biodiversidade do planeta, os pesquisadores enfrentam diversas barreiras para catalogar as espécies da região, como, por exemplo, falta de investimentos, recursos humanos e desmatamento.
Logo no início, Candotti ponderou que a floresta é famosa e muito celebrada em encontros internacionais. “A floresta Amazônica é apresentada como um dos grandes e valiosos patrimônios do nosso País. No entanto, a conhecemos muito pouco. Com certeza gostaríamos de ter um pouco mais de informação sobre esse patrimônio de todos nós. Não existem patrimônios abstratos. Não podemos chamar a Amazônia de patrimônio brasileiro se não a conhecemos”, refletiu Candotti.
Entre as dificuldades para a coleta, Daniela Zappi apontou a baixa fixação de pesquisadores na região e aposentadoria dos fixos. “Muitos pesquisadores vão para a região, mas logo retornam para suas origens. É preciso formar pessoal da região, com mais facilidade para se fixar”, disse. Ela também comenta que os poucos profissionais que existem estão se aposentando e não estão sendo substituídos.
Ela comentou a importância dos mateiros e parabotânicos, cada vez mais raros, para ajudar com a coleta de espécies. Esses profissionais geralmente não têm ensino formal em biologia, mas são donos de um conhecimento tradicional inestimável. Abrindo caminho pelas matas, eles colaboram com os cientistas na hora de coletar as amostras no topo das árvores e muitos deles sabem identificar espécies novas e raras.
Registros de espécies
Atualmente, o Brasil conta com dois herbários virtuais – Reflora e o Species Link – que disponibilizam cerca de 4 milhões de imagens cada um. Daniela Zappi contou que, em 2010, cientistas brasileiros e estrangeiros se uniram para lançar em 2013 o “Projeto Reflora”. O objetivo era ter um repositório onde taxonomistas – cientistas que se especializam em classificar as espécies – pudessem acessar e adicionar com facilidade ao conhecimento existente.
“Com esse projeto, conseguimos acelerar a descrição de espécies novas da flora do Brasil. Temos hoje um número bem alto de novas espécies, que gira em torno de 2% a 10% do total. Descobrimos também que o Brasil é o país com a maior flora do mundo, sendo que o número inicial era de 32 mil angiospermas (plantas mais complexas, com sementes, flores e frutos) e 40 mil organismos (incluindo plantas avasculares, vasculares e fungos). Essas espécies estavam nos herbários, sem nome. Ou seja, estavam nas estufas bibliográficas, mas não referidas para o Brasil”, explicou Zappi.
A cientista contou que, ao concluírem um dos projetos, os pesquisadores viram que a Mata Atlântica tinha mais espécies catalogadas que a Amazônia, o que acendeu um sinal de alerta. “Isso é um problema. É claro que não estamos com os dados completos da Amazônia. O conhecimento sobre as plantas da Amazônia cresce pouco em comparação aos outros domínios fitogeográficos. Em 2011, quando publicamos o primeiro trabalho, o bioma tinha 11.365 mil espécies de angiospermas. Em 2023, passou para 11.935 mil. Em outros estados e biomas, o conhecimento cresce mais rápido, porque as pessoas conseguem comparar as espécies que estão lá com as que encontraram. Como existe uma falta de conhecimento na Amazônia, não existe a possibilidade de comparação. Faltam muitas coisas, inclusive a coleta. Hoje temos registradas 14 mil plantas e fungos, sendo 2637 endêmicas – que são encontradas somente em uma determinada área ou região-, e 11.935 angiospermas (2.515 endêmicas). O Brasil está sentado sobre uma megadiversidade e não sabe o que fazer com isso”, disse.
Na opinião de todos os especialistas, essas distorções de informações, somadas à falta de profissionais, fazem com que o Brasil corra o risco de perder muitas espécies sem nem chegar a conhecê-las. “A dificuldade apresentada pelo ambiente amazônico também contribui para a baixa velocidade na geração de conhecimento, com a maior parte das coletas se concentrando perto das cidades e estradas. Isso gera verdadeiros vazios taxonômicos, que são mais graves devido à alta regionalização da maior parte das espécies de flora”, comentou Zappi.
Michael Hopkins ressaltou que outro problema enfrentado para a identificação das espécies na Amazônia é que a região conta apenas com 9% dos taxonomistas brasileiros, o que implica em sérias distorções.
Quanto à falta de cientistas na região, Ima Vieira chamou a atenção para o fato de que pelo menos 20 linhas de pesquisa devem ser extintas em breve, com a aposentadoria próxima de pesquisadores sêniores.
A reserva Ducke e a reserva do Mocambo, nos arredores de Manaus e Belém, respectivamente, são importantes parques ecológicos na produção de ciência. “É preciso tomá-los como exemplo e expandir a pesquisa para outras zonas de conservação. Mas, para isso, é necessário pessoal. Os programas precisam durar décadas para serem efetivos, fazendo o acompanhamento árvore por árvore ao longo do tempo”, alertou Ima Célia Vieira.
Para isso, é necessário fazer, cada vez mais, uso de tecnologias de ponta, como drones e satélites, que dependem de profissionais especializados.
Entretanto, o investimento federal em recursos para a Amazônia ainda é baixo, o que só contribui para o abismo existente entre as regiões do País. “A Amazônia gera 8% do PIB (Produto interno bruto) nacional, mas ainda recebe um retorno de apenas metade disso quando se trata de investimentos em ciência e tecnologia”, finalizou Vieira.
Assista aqui à mesa-redonda na íntegra.
Vivian Costa – Jornal da Ciência