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Entrevista com presidente da Academia de Ciências da Hungria

O físico nuclear József Pálinkás, presidente da Academia de Ciências da Hungria, acompanha os Fóruns Mundiais de Ciência desde 1999. Entre 1998 e 2002, Pálinkás, que é professor de física da Universidade de Debrecen, foi ministro de Educação do governo da Hungria, e entre 1991 e 1996 foi diretor do Instituto de Pesquisa Nuclear de Debrecen (Atomki). Durante a carreira científica dedicou-se principalmente à pesquisa experimental sobre colisões atômicas, trabalhando na Hungria e em colaboração com instituições de outros países.
“Nos países pobres e em desenvolvimento é onde encontramos a maior urgência”, afirma József Pálinkás
O físico nuclear József Pálinkás, presidente da Academia de Ciências da Hungria, acompanha os Fóruns Mundiais de Ciência desde 1999, quando uma conferência promovida pela Unesco deu início à sequência dos fóruns bienais. Entre 1998 e 2002, Pálinkás, que é professor de física da Universidade de Debrecen, foi ministro de Educação do governo da Hungria, e entre 1991 e 1996 foi diretor do Instituto de Pesquisa Nuclear de Debrecen (Atomki). Durante a carreira científica dedicou-se principalmente à pesquisa experimental sobre colisões atômicas, trabalhando na Hungria e em colaboração com instituições de outros países, como no projeto do Grande Colisor de Hádrons (LHC), do Cern, em Zurique, Suíça.
 
Pálinkás participou ativamente do 6º Fórum Mundial de Ciência, realizado em novembro no Rio, e durante o evento concedeu uma entrevista exclusiva da qual reproduzimos os trechos principais.
 
Sobre a trajetória e a relevância dos Fóruns Mundiais de Ciência 
“Quando realizamos a Conferência Mundial de Ciência em Budapeste, em julho de 1999, estávamos dando início a um fórum especial para o diálogo e o debate extremamente necessário entre a ciência e a sociedade. A iniciativa partiu da Unesco, do Conselho Internacional para a Ciência (Icsu) e da Academia de Ciências da Hungria (MTA), e o tema central desse primeiro evento foi “Ciência para o século XXI: um novo comprometimento”, preconizando a necessidade de uma mudança de postura da ciência e dos cientistas. Reunimos então cerca de 1.800 delegados representantes de 155 países, incluindo 80 ministros de Ciência, Tecnologia, Educação e equivalentes. Em torno de um quarto dos delegados nacionais era constituído por mulheres, e conseguimos atrair em torno de 250 jornalistas de todo o mundo, que vieram cobrir o evento.
 
O sucesso dessa conferência inspirou a organização e realização dos Fóruns Mundiais de Ciência a partir de 2003, evento bienal que até a quinta edição aconteceu em Budapeste, organizado por nossa Academia, a Unesco, a Icsu e a Associação Americana para o Avanço da Ciência (AAAS). O que acontece de mais importante nesses encontros é a reunião de cientistas, tomadores de decisão, políticos, representantes da sociedade e jornalistas, para debater e deliberar sobre uma questão central: o que e como a ciência pode contribuir com as grandes questões da humanidade e os desafios que representam as mudanças que ocorrem no planeta.”
 
Educação e ciência como base para o desenvolvimento 
“Hoje, mais do que nunca, a ciência e suas aplicações são indispensáveis para o desenvolvimento. Todos os níveis de governo e o setor privado devem fornecer apoio e suporte para a construção de capacidades científicas e tecnológicas adequadas e distribuídas de forma equilibrada. É este um grande desafio, sobretudo para países pobres ou em desenvolvimento, onde as desigualdades sociais e regionais ainda são enormes. Se pudéssemos colocar de maneira simples, isso se obtém com educação de qualidade e incentivo à pesquisa científica, ambos indispensáveis para um desenvolvimento sustentável social, econômico, cultural e ambiental.”
 
A urgência nos países em desenvolvimento 
“Nos países pobres e em desenvolvimento é onde encontramos a maior urgência, e ao mesmo tempo a maior dificuldade, para promover um desenvolvimento sustentável baseado em educação de qualidade e incentivo à ciência e tecnologia. A evolução tecnológica requer base científica sólida e deve ser direcionada a processos de produção seguros e limpos, com grande eficiência do uso de recursos e produtos compatíveis com a preservação do meio ambiente. Não é o que vemos acontecer nesses países, sobretudo na África e em algumas partes da Ásia, para onde dirigimos boa parte de nossos debates e preocupações.
 
A ciência e a tecnologia também devem ser utilizadas em programas de empregabilidade, aumento da competitividade e justiça social. O investimento em CT&I direcionado a esses objetivos e ao melhor entendimento e preservação dos recursos naturais do planeta, da biodiversidade e das mudanças climáticas deve ser aumentado nesses países.”
 
Sobre a educação e a popularização da ciência
“A educação científica, no sentido amplo, sem discriminação e incluindo todos os níveis e modalidades, é um pré-requisito para a democracia e para o desenvolvimento sustentável. Nos últimos anos observamos que em todo o mundo há um grande esforço para promover a educação para todos, e aqui é fundamental observar o papel da mulher nessa formação básica, e na aplicação de conhecimentos do desenvolvimento científico para a produção de alimentos e cuidados com a saúde.
 
Além da educação em ciências, a comunicação e a popularização da ciência são fundamentais, pois somente por meio desses instrumentos podemos desenvolver e expandir a alfabetização científica em todos os segmentos da sociedade. Mais adiante, são essas as ferramentas para a construção da capacidade de visão crítica e avaliação de valores éticos, que levem a uma maior participação pública nas tomadas de decisão relacionadas ao uso do conhecimento científico.
 
O progresso na ciência requer que as universidades desempenhem um papel importante na promoção e modernização do ensino de ciências e sua coordenação com todos os níveis da educação. Em todos os países, mas sobretudo nos países em desenvolvimento, existe a necessidade de fortalecer a pesquisa científica na educação superior, de acordo com as prioridades nacionais de cada país.
 
A prática da pesquisa científica e o uso do conhecimento resultante da pesquisa devem sempre ter em vista o bem-estar da humanidade, o que inclui a redução da pobreza, o respeito à dignidade e aos direitos humanos e ao meio ambiente global, e a responsabilidade integral com as gerações futuras. Vemos, portanto, a necessidade de um novo comprometimento e engajamento da ciência e dos cientistas.”
 
Acesso à informação científica e ética na ciência
“Devemos assegurar o livre fluxo de informações científicas sobre todos os usos e consequências possíveis de novas descobertas e do desenvolvimento de novas tecnologias, de modo que questões éticas possam ser debatidas de forma apropriada e com o envolvimento da sociedade. Acreditamos que cada país deve estabelecer parâmetros apropriados para avaliar questões éticas da prática científica e do uso do conhecimento científico e suas aplicações. E essa tomada de decisão deve considerar procedimentos para lidar com oponentes e apoiadores de maneira justa e responsável.
 
Todos os cientistas devem se comprometer com padrões éticos elevados e um código de ética baseado em normas relevantes encampadas nos instrumentos internacionais de direitos humanos, que devem ser levados em conta nas profissões científicas. A responsabilidade social dos cientistas requer que tenhamos integridade e controle de qualidade sobre nosso trabalho, o compartilhamento do conhecimento, a comunicação com o público e a educação das novas gerações.
 
O acesso universal ao conhecimento científico não é apenas um requisito social e ético para o desenvolvimento humano. É também relevante para possibilitar a realização do potencial das comunidades científicas em todo o mundo e para orientar o progresso científico na direção das necessidades da população mundial.”
 
(Fabíola de Oliveira)