A falta de recursos que assegurem um caminho de desenvolvimento da CT&I no Brasil foi debatida no Seminário “Redução do Orçamento de CT&I: Consequências e Possibilidades”, realizado nessa terça-feira, 11, pela Frente Parlamentar de Ciência, Tecnologia, Pesquisa e Inovação da Câmara dos Deputados. A presidente da SBPC participou da abertura do evento e protestou contra o arrocho feito no orçamento da área. “2016 foi ruim, 2017 pior e 2018, se for feito o que o teto dos gastos diz, nós podemos todos ir para casa. Vamos embora, porque não vai ter mais Brasil”, desabafou Helena Nader.
Um dos pontos críticos da falta de recursos, na visão do Ministério de Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC), é a desvirtuação da missão inicial do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT). Para Jorge Mario Campagnolo, diretor do Departamento de Políticas e Programas de Apoio à Inovação do MCTIC, enquanto o FNDCT for um fundo orçamentário e, portanto, passível de contingenciamento, o financiamento do setor continuará em risco. “Quando ele foi criado, a intenção era justamente ter um fundo imune à mudanças no orçamento para financiar ciência e tecnologia. O grande erro talvez tenha sido cria-lo como um fundo orçamentário. E ai ele fugiu dos objetivos originais”, afirmou Campagnolo. Em 2016, segundo dados do MCTIC, o fundo arrecadou R$ 4 bilhões. No entanto, apenas R$ 600 milhões têm sido liberados anualmente para a pasta, prejudicando os investimentos previstos.
Para o presidente do Centro de Gestão e Estudos Estratégicos (CGEE), Mariano Francisco Laplane, a falta de verbas não prejudica apenas o futuro dos projetos científicos, mas também os avanços feitos até agora. “Estamos enfrentando uma ameaça de desinvestimento do que foi feito em décadas. Ao invés de estarmos lutando para manter o orçamento, o Brasil deveria estar ampliando os recursos”, afirmou. “Não podemos nos enganar. Embora nós tenhamos feito esforços importantes, eles ainda não são suficientes para acompanhar os nossos concorrentes.”
Para evitar esse desmantelamento da ciência brasileira e garantir a expansão das tecnologias necessárias, inclusive, para a evolução da economia brasileira seria importante assegurar que todo o orçamento de CT&I fosse salvaguardado do contingenciamento. Esta é a defesa feita pela deputada Luciana Santos (PCdoB/PE), que criticou o tratamento prioritário dado pela equipe econômica às despesas financeiras da União enquanto setores estratégicos ficam sem recursos. “É inaceitável essa conduta. Temos que tratar C&T livre de contingenciamento. Não é impossível porque isso já foi feito no passado”, defendeu a parlamentar. “Essas políticas devem ser feitas para além de governos e partidos porque são estratégicas para o país.”
Recursos que não chegam
Nas instituições de fomento à pesquisa o drama da falta de recursos é visto cotidianamente, impossibilitando o necessário investimento na melhoria do ambiente voltado ao desenvolvimento de projetos. Na visão do diretor de Programas e Bolsas no País da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal em Nível Superior (Capes), Geraldo Nunes Sobrinho, o estrangulamento do fluxo de recursos tem afetado diretamente o valor das bolsas pagas e o pagamento do custeio de materiais necessários à pesquisa. Esses problemas podem prejudicar de forma irreversível o avanço científico brasileiro. “Na teologia cristã, Paulo só se converteu quando caiu do cavalo. Eu espero que o Brasil não precise cair do cavalo”, afirmou Sobrinho. “O avanço da ciência é um patrimônio da sociedade que não podemos perder.”
No Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), a situação não é menos desconfortável. “O que estamos vendo é a desestruturação de todos os recursos federais”, diagnosticou Marcelo Morales, diretor de Ciências Agrárias, Biológicas e da Saúde do CNPq. Morales lembrou que grandes avanços tecnológicos feitos pela indústria nacional contaram diretamente com recursos públicos, como a tecnologia que permitiu a exploração de petróleo em águas profundas pela Petrobras e a família de aviões de alta tecnologia fabricados pela Embraer. Sem contar o campo da saúde, onde a parceria entre CNPq, Capes e a Financiadora de Estudos e Projetos (Finep) permitiu a chegada de recursos para a pesquisa recente do vírus zika. “Hoje nós somos responsáveis por 52% de toda a publicação científica da América Latina e cerca de 2% do mundo. Isso vai começar a diminuir com essa falta de investimento”, lamentou o diretor.
Público e privado de mãos dadas
Um dos grandes desafios para que o setor de CT&I consiga compensar as perdas dos cortes de orçamento público é que, nesta área, investimentos públicos e privados andam lado a lado. Na experiência observada em outros países, o incentivo público é motriz dos aportes feitos pela indústria de inovação. “É preciso melhorar o investimento público para alavancar o investimento privado”, afirmou Gianna Sagazio, diretora de Inovação da Confederação Nacional da Indústria (CNI). A diretora apresentou dados que mostram como grandes economias mundiais têm usado sistemas de incentivo fiscal para incentivar o setor produtivo a aplicar mais recursos em inovação.
No Brasil, as políticas de subvenção econômica cumprem parte desse papel, mas estão aquém do necessário para consolidar uma parceria duradoura com o setor privado. “Acontece que hoje há falta de recursos inclusive na subvenção econômica, que é fundamental para o desenvolvimento tecnológico”, alertou o presidente da Finep, Wanderley de Souza. Criada justamente para ser uma ponte para os investimentos de empresas e instituições de pesquisa, a Finep também tem sofrido com a queda nos recursos disponibilizados para empenho e financiamento de projetos.
O diretor-presidente da Empresa Brasileira de Pesquisa e Inovação Industrial (Embrapii), Jorge Guimarães, lamenta o potencial perdido pelo Brasil com a falta de uma política que estimule as parcerias público-privadas. “O grosso das nossas empresas industriais não tem centro de P&D”, aponta Guimarães. Esperar que o setor privado invista na pesquisa e desenvolvimento como forma de compensar perdas de investimento público é não seguir a receita dos países que conseguiram expandir seus centros de inovação. Segundo a Guimarães, a experiência internacional mostra que países avançados tecnologicamente continuam contando com recursos públicos de, em média, 40% do total de investimentos, enquanto a iniciativa privada cobre 60%. “O modelo é muito simples. Se queremos atrair empresas para investir em P&D, esse é o caminho.”
Mariana Mazza – Jornal da Ciência