Consenso, porém, é de que o sistema de fomento está esgotado
Em debate sobre o financiamento de ciência e tecnologia, especialistas no setor não chegaram a um consenso quanto a interferência da chamada PEC do teto dos gastos públicos na área de ciência, tecnologia e inovação, embora concordem que há necessidade de uma reestruturação do sistema de CT&I. Isso porque a capacidade da principal fonte de fomento do setor – o Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT) se esgotou pelo encolhimento da receita em meio a demanda crescente e a crise fiscal do País.
Esse foi o teor do debate entre os especialistas Luiz Antônio Rodrigues Elias e Carlos Pacheco, diretor-presidente do conselho técnico administrativo da Fapesp, os dois ex-secretários executivos do Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC) – dos governos Dilma Rousseff e de Fernando Henrique Cardoso, respectivamente.
O economista e o cientista participaram ontem, 08, da abertura do Fórum RNP (Rede Nacional de Ensino e Pesquisa), em Brasília, e falaram sobre o tema: A importância do FNDCT para o desenvolvimento da pesquisa e inovação do País. O evento tem a parceria do Conselho Nacional dos Secretários Estaduais para Assuntos de CT&I (Consecti).
A PEC, em processo de votação no Senado Federal, depois de passar pela Câmara dos Deputados, congela as despesas do governo federal por 20 anos ao corrigir os valores pela inflação, sob a justificativa de equilibrar as contas públicas que registram déficit fiscal de R$ 170 bilhões.
Elias considerou fundamental repensar o modelo de fomento de CT&I, já que o FNDCT não suporta arcar com todos as despesas da área. Para ele, o problema do sistema é vislumbrar uma única fonte de recursos.
O economista disse que a capacidade de financiamento do FNDCT caiu consideravelmente, em razão do fim da receita do CT-Petro, até então o principal fundo de fomento do setor.
Desafios
Para ele, é preciso desenvolver uma estratégia, por meio de articulação entre os atores da CT&I, governo e sociedade, para o enfrentamento dos desafios que apresentam, exatamente no momento em que avança a tramitação da PEC do teto dos gastos públicos.
Segundo ele, a proposta trará uma restrição orçamentária “violenta” para todos os programas sociais e em todas as esferas da Federação. “A PEC não é apenas uma questão orçamentária fiscal. Ela é estruturalmente, um novo redesenho da questão do Estado, que terá implicações significativas no tocante à capacidade de recursos para implementar a agenda de C&T.”
Apesar de um início tardio, Elias disse que o País construiu nas últimas duas décadas um movimento robusto e qualificado em todos os níveis. De 2003 a 2012, por exemplo, houve uma evolução da capacidade de manufatura, embora tenha retrocedido quando a crise chegou.
“Estamos vivendo uma nova revolução industrial, o surgimento da Indústria 4.0 ou Manufatura Avançada, e se a PEC for aprovada estaremos cada vez mais distantes dela”, disse.
Ele acrescentou que os países desenvolvidos, mesmo diante de crises econômicas, não diminuíram a capacidade de elevar recursos em P&D e na tecnologia da informação (TI). Na Coreia, os investimentos em ciência e tecnologia representam 4,15% do Produto Interno Bruto (PIB), na Alemanha, com 2,85% e os Estados Unidos (EUA) no mesmo embalo. “Porque entendem que isso é modelo de competição e que investimento não é gasto. Investimento é custo necessário para que possa alavancar o País e tirá-lo da restrição fiscal.” No Brasil, os investimentos no setor giram em torno de 1,2% do PIB.
Para Elias, é preciso discutir uma Política de Estado para C&T e dar prosseguimento à regulamentação do Marco Legal da CT&I. “Falta uma sinergia e uma visão de estado. Falta um horizonte na perspectiva de entender o alcance da ciência e tecnologia”, disse.
Histórico do FNDCT
Em outra frente, Pacheco discorreu sobre a origem do FNDCT, alimentado com recursos dos fundos para setoriais, e disse que os objetivos do fundo se perderam pelo meio do caminho. Discordando de Elias, Pacheco disse que o CT-Petro não destruiu a capacidade de arrecadação do fundo.
Segundo Pacheco, foi criada uma estrutura para arcar com tudo no Ministério causando desequilíbrio no fundo em detrimento da ciência. Por exemplo, disse que parte dos recursos FNCDT é utilizada para fazer funding para Finep – operação para alavancar a capacidade de crédito da instituição e que também trazem retorno para a agência.
Conforme o mapeamento de Pacheco, a carteira de crédito da Finep está comprometida, em grande medida, com despesas para honrar a subvenção de juros. Ele reconhece que a equalização da taxa de juro permite o empréstimo em condições vantajosas em relação ao mercado às empresas inovadoras.
Pacheco apontou que outra parte dos recursos do fundo foi utilizada para fomentar o programa Ciências sem Fronteiras (CsF) que, embora interessante para internacionalização da educação, foi feito de forma atabalhoada. No bolo existe ainda os valores de renúncia fiscal que giram entre R$ 5 bilhões e R$ 6 bilhões anuais.
“O que se assiste hoje é o epílogo de ações sem sustentação ao longo do tempo”, disse. Ele destacou que houve um “ativismo” para colocar esse setor para frente nos últimos anos.
PEC é imprescindível
Para equilibrar as contas, ele vislumbra uma montagem de uma nova reestruturação do FNDCT pelo Ministério da Fazenda, já que todas essas questões têm impacto no quadro fiscal.
Para Pacheco, é preciso limpar a carteira (de fantasmas e dívidas) do FNDCT. Antes do debate, o atual secretário executivo do MCTIC, Elton Zacarias, disse que o Ministério vem tentando estancar a crise encontrada no Ministério e informou que a pasta negocia com o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles entre R$ 2 e R$ 3 bilhões dos recursos repatriados do exterior para o pagamento de dívidas da pasta.
Demonstrando apoio à PEC, Pacheco disse que a PEC “é horrorosa, mas horroroso, porém, é não encontrar uma saída para a crise.”
“A PEC do teto é imprescindível para o País. Não é possível o País conseguir andar sem colocar ordem nas finanças. O problema da PEC para área de C&T é a fotografia do orçamento”, considerou. Na prática, se o Senado aprovar a PEC o orçamento da pasta passa a ser congelado em R$ 4,6 bilhões, o pior dos últimos sete anos.
Elias discordou de que houve ativismo para os gastos nos últimos anos e acrescentou que as medidas implementadas tiveram a cooperação de órgãos e da sociedade e que hoje o Brasil detém uma ciência robusta. Citou por exemplo os investimentos em laboratórios, como o Sirius e ações na Antártica.
Reunião com Temer
A presidente do Conselho, Francilene Garcia, disse que o Fórum é uma oportunidade tanto para discutir o orçamento da área de CT&I como o modelo. Segundo ela, os estados estão preocupados com a redução do orçamento para os próximos anos, independentemente do avanço da tramitação da PEC. Ela adiantou que o Conselho e o Confap (Conselho Nacional de Fundações Estaduais de Amparo a Pesquisa) se reunirão com o presidente Michel Temer na quinta-feira, 10, no Palácio do Planalto.
Viviane Monteiro – Jornal da Ciência