As políticas públicas federais devem olhar para a evasão de universitários na pós-graduação, de modo a criar um ambiente mais inclusivo, diverso e com uma melhor estrutura econômica para o financiamento da própria Ciência. Este foi o diagnóstico central que permeou os debates do 12º seminário da série “Projeto para um Brasil Novo”, uma iniciativa da SBPC (Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência) que visa apontar caminhos para o País a partir de 2023.
A discussão foi coordenada por Laila Salmen Espindola, diretora da SBPC, professora titular da Universidade de Brasília (UnB) e Coordenadora do Programa de Pós-Graduação em Ciências Médicas da Faculdade de Medicina/UnB; e contou com a participação de Clarilza Prado, professora titular da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, do Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Educação e do Programa de Mestrado Profissional Formação de Formadores; Flávia Calé, presidente da Associação Nacional dos Pós-graduandos (ANPG); Francisco de Assis Mendonça, professor titular da Universidade Federal do Paraná, do Programa de Pós-graduação em Geografia e do Programa de Pós-Graduação em Meio Ambiente e Desenvolvimento, e Vice-presidente do FOPROP/Forum de Pró-reitores de Pesquisa e Pós-graduação do Brasil; Augusto Schrank, professor titular da Universidade Federal do Rio Grande do Sul,Membro do CTC – Conselho Técnico-Científico da Educação Superior. Presidente do Conselho Gestor do ProfBio – Mestrado Profissional em Ensino da Biologia; Virgílio Almeida, professor emérito do Departamento de Ciência da Computação da Universidade Federal de Minas Gerais; e Adalberto Luís Val, pesquisador e professor no Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA).
Na abertura das falas, o professor emérito da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Virgílio Almeida, destacou três pontos que estão fazendo com que a população não visualize mais a atuação na pós-graduação como opção de futuro: os valores das bolsas de mestrado e doutorado, congelados há muitos anos; a saída de docentes mais novos para o exterior e a própria diminuição de alunos na pós-graduação, pelo fato do mercado de trabalho se mostrar mais atrativo.
“Nós temos que criar novas iniciativas na pós-graduação, como ações concretas de aproximação da pós-graduação, incluindo a acadêmica, com a indústria, até para diminuir essa defasagem nos valores das bolsas e poder tratar problemas que interessam a indústria; e trazer mais estudantes dos países da América Latina e da África, que em algumas áreas, como por exemplo da computação, poderiam minimizar a queda no número de pós-graduandos”, pontuou.
A presidente da Associação Nacional dos Pós-graduandos (ANPG), Flávia Calé, complementou o discurso de Almeida ao trazer as consequências da pandemia na pós-graduação, que impulsionou ainda mais a evasão dos universitários. Calé também ressaltou a importância do reajuste no valor das bolsas.
“No ano que vem, a bolsa de mestrado será inferior a um salário mínimo. O que anos atrás já chegou a comprar seis cestas básicas, agora só compra duas. Os pós-graduandos vivem uma fase de formação, mas já se exerce um trabalho. Nós precisamos estruturar no Brasil uma carreira científica, onde os pós-graduandos sejam parte dela”, destacou.
Cortes na Capes e situação da Amazônia também preocupam especialistas
Professor titular da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Augusto Schrank trouxe em sua fala a importância da Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior) na difusão da pós-graduação, principalmente em um cenário de cortes contínuos. Para Schrank, existem duas demandas urgentes: é necessária a aproximação da pós-graduação com a formação de professores do ensino básico; e a presidência da Capes deve ser definida a partir de indicações da própria comunidade da pós-graduação, o que não ocorre atualmente.
“A pós-graduação tem um papel muito fundamental. Porque a espécie humana é a única espécie no planeta capaz de fazer ciência e, no entanto, é a única espécie do planeta capaz de destruir todas as outras e mesmo a si própria, e a única coisa que salva isso e traz esse equilíbrio é a educação.”
A importância da Capes também foi levantada na fala da professora titular da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, Clarilza Prado, que defendeu um novo ordenamento na instituição. “Um planejamento geral que se apoie numa política voltada para a formação de recursos humanos qualificados e, ao mesmo tempo, que promova o desenvolvimento da ciência nas diferentes áreas”, ponderou.
Outro cenário alarmante trazido na discussão foi o bloqueio de R$ 2,5 bilhão previsto para o orçamento do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações (MCTI), fato comentado pelo professor titular da Universidade Federal do Paraná, Francisco de Assis Mendonça:
“Exatamente no dia de hoje, horas atrás, um conjunto de reitores, com a Andifes (Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior), está no Congresso Nacional lutando para que esses cortes anunciados não se concluam efetivamente, porque se assim for, nossas universidades públicas federais não chegarão a abrir suas portas em agosto e setembro, por falta de água, luz, pagamento de internet, serviço de vigilância, higiene, etc. Não é mais uma questão de manter bolsas, é uma questão de funcionamento das instituições.”
O professor do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), Adalberto Luis Val, trouxe um panorama da realidade amazônica, no qual fazer pesquisa de campo se tornou inviável. Ele também repudiou os assassinatos do indigenista Bruno Pereira e do jornalista britânico Dom Phillips. “Não se encosta mais um barco no rio à noite porque é muito perigoso”, considerou.
Luís Val concluiu que é necessário um olhar mais humano à Amazônia, voltado à preservação de seus territórios, pessoas e conhecimentos. “O único caminho possível para a Amazônia é, sem dúvida nenhuma, a capacitação de pessoal, produzindo informação robusta, que resulte na inclusão social e na geração de renda.”
Encerrando as falas do dia, Laila Espindola lembrou aos estudantes da pós-graduação que o conhecimento pode ser adquirido nos livros, mas para evoluirmos é preciso a convivência com o outro. Disse também que o período da pandemia foi cruel, tenebroso, de muito sofrimento com perdas de muitas vidas, e que isso fica entremeado em nosso subconsciente. E tudo isso foi agravado pela situação atual de desconstrução do nosso país, “com tristes notícias no dia a dia”. Mas, em palavra de “esperança”, Laila Espindola convidou a todos, em especial os estudantes e professores da pós-graduação, “a desabraçar a tristeza, guardar o ânimo e a ouvir a Ode à Alegria – o 4º movimento da 9ª Sinfonia de Beethoven, que descreve a liberdade por meio da busca pela felicidade”.
Último seminário debaterá realidade indígena
Idealizada pela SBPC, a série “Projeto para um Brasil Novo” é transmitida pelo canal da SBPC no YouTube e tem como objetivo formular um documento com compromissos que devem ser firmados por políticos em prol do desenvolvimento da Ciência, Tecnologia e Inovação no País. O último evento da série acontecerá na próxima terça-feira, 29 de junho, e debaterá sobre a “Questão indígena”.
O primeiro seminário refletiu sobre “Ciência, Tecnologia e Inovação”, o segundo “Educação básica”, o terceiro, “Educação superior”, o quarto, “Pós-graduação”; o quinto tratou do tema “Saúde”, o sexto trouxe apontamentos acerca do “Meio Ambiente”, o sétimo sobre “Direitos Humanos”, o oitavo sobre “Segurança Pública“, o nono acerca da “Diversidade de gênero e raça“, o décimo refletiu as “Mudanças climáticas” e o décimo primeiro falou de ”Cultura”.
Confira aqui o último seminário realizado, sobre Pós-graduação
Rafael Revadam – Jornal da Ciência