A ausência da produção de dados adequados, que reflitam a qualidade da educação pública brasileira e encabeçam políticas públicas, é um dos principais fatores que impedem a evolução educacional do País. Este foi o principal diagnóstico do terceiro seminário da série “Contagem Regressiva para o Bicentenário: Rumos à Independência”, um projeto da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) que visa refletir a Independência em cenários sociais e científicos.
Para falar de Ciência e Educação, o evento contou com uma palestra do professor José Francisco Soares, docente da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Soares é especialista em métodos avaliativos da educação e foi presidente do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP) entre os anos de 2014 e 2016. Também participaram do evento o professor da UFMG Paulo Sérgio Lacerda Beirão e o ex-secretário de Educação Básica do MEC (Ministério da Educação), César Callegari.
Iniciando sua fala, Soares fez um resgate da trajetória educacional do País e como ela já se iniciou excludente, algo que tem impactos até nos dias de hoje. “Nós começamos mal, né? A nossa República optou por uma escola para poucos e isso tem consequências deletérias e duradouras. A nossa primeira Constituição não previa a educação pública e gratuita, ela deixou para as províncias e para os estados essa responsabilidade. E não podemos repetir isso eternamente, o que a gente decide agora tem impacto no futuro.”
O professor afirmou que a visão de se ter uma sociedade minimamente alfabetizada foi algo que demorou para se concretizar. “E é a partir da alfabetização que você vai ter educação, você vai ter inovação, você vai poder ter o desenvolvimento científico que uma nação precisa”, complementou.
Ao comentar sobre os dados públicos que tratam da educação básica, Soares começou o tema criticando o silenciamento e a dificuldade de acesso a essas informações que o atual Governo Federal tem colocado. Para o especialista, os dados são essenciais para sabermos se a criança está aprendendo na escola.
Dentro deste panorama, o especialista defendeu uma reestruturação do Saeb, o Sistema de Avaliação da Educação Básica, pois a atual metodologia existe há 25 anos e precisa ser modificada para a inclusão de testes mais sólidos, que considerem a realidade do aprendizado da criança e a estrutura da sala de aula que ela tem acesso.
Soares também defendeu uma mudança no critério de notas do Saeb, com uma classificação mais simples dos níveis de conhecimento: abaixo do básico, básico, suficiente e excelente “Se a criança está no nível abaixo do básico, ela não aprendeu, ela precisa de recuperação. Se ela está no básico, ela pode melhorar, ela precisa de expansão. No nível suficiente, significa que ela pode aprofundar [os conhecimentos] e se ela tá no excelente, ela pode ter mais desafios [de aprendizagem]”, pontuou.
Soares concluiu que a importância da educação básica precisa ser reconhecida pelo Governo Federal, principalmente após a pandemia. “Gente, nós estamos vivendo uma situação catastrófica, as crianças ficaram dois anos sem ter a escola. Quem estava na alfabetização, não terminou alfabetização adequadamente, quem tinha alguma dificuldade, não se desenvolveu. Nós estamos numa situação absolutamente catastrófica, e a gente não pode fazer de conta que isso não está acontecendo.”
Complementando o discurso de Soares, o ex-secretário de Educação Básica do MEC (Ministério da Educação), César Callegari afirmou que hoje o Brasil vive um negacionismo de toda a espécie, com ataques às instituições brasileiras, principalmente as que atuam nas áreas da Ciência, da Cultura e da Educação.
“Eu vejo que nós ainda temos que nos dedicar a ter o apreço pela Ciência, principalmente com a ciência aplicada à educação, a ciência na própria educação. É uma das mudanças que nós precisamos promover, inclusive para conquistarmos a desejada equidade no campo educacional e conseguirmos, assim, nos dedicar a construir pedagogias culturalmente responsivas”, concluiu.
O seminário está na íntegra no canal da SBPC no YouTube.
Rafael Revadam – Jornal da Ciência