“A gente sente muito mais um descaso, talvez até uma vontade de destruição. É muito difícil a gente entrar na cabeça das pessoas para saber o que elas querem. A gente pode notar o que elas estão fazendo. E o que elas estão fazendo é muito grave para a educação, a ciência e para a tecnologia no Brasil”.
Palavras do filósofo Renato Janine Ribeiro ao Tutaméia. Presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência e ministro da Educação no governo Dilma, nesta entrevista ele analisa a situação do ensino no país, trata das crises nas instituições, das ameaças ao Arquivo Nacional, do avanço da extrema direita e de seu novo livro: “Duas Ideias Filosóficas e a Pandemia” (Editora Estação Liberdade). Acompanhe a íntegra no vídeo e se inscreva no Tutaméia TV.
“Onde que está incidindo a maior destruição [no sistema educacional]? É muito difícil saber porque ela vai do começo até o fim. Quando autorizaram os alunos de escolas particulares a entrarem no Prouni é visível a sabotagem ao ensino público. Daí a dizer que eles querem privatizar o ensino público é complicado, porque a maior parte dos alunos do ensino público não vai ter dinheiro para pagar uma escola particular”, afirma.
Cientista político e professor titular na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP, Janine avalia que a crise econômica mundial, desencadeada em 2008, é um ponto central para entender o avanço da extrema direita no mundo.
“Um dos fatores que despertam muito descontentamento é quando as pessoas não sentem que têm futuro. E, ao não sentirem futuro, depois dessa crise tremenda que causou tanto desemprego, tanta miséria, tanto retrocesso no mundo, muitas pessoas começaram a procurar quem é o culpado”, diz. Ele segue:
“Explicar para as pessoas que a culpa é da quebra do sistema imobiliário nos Estados Unidos é muito complexo. Se você disser que tudo isso aconteceu porque tem homossexual na rua, porque tem mulher andando de minissaia ou de biquíni cavado, porque tem o PT no governo, aí as pessoas entendem mais facilmente. Entendem errado, mas conseguem voltar o seu ódio para alguém –que é o que explica o racismo em vários países da Europa. Esse é o ovo da serpente. A serpente acabou eclodindo com todo esse clima de ódio terrível, favorecido por políticos que ganharam eleições nesse quadro”.
Para o filósofo, “no Brasil esse discurso foi sendo construído desde a hora em que Aécio Neves negou a realidade, o fato da reeleição de Dilma. E começou a questionar algo que é fundamental no convívio social. A gente tem de estar acordo sobre os fatos. A gente pode discordar sobre as interpretações. Ele poderia ter dito: ‘Essa vitória padeceu de uma falha, que foi o tipo de campanha que o PT fez’. O PT poderia responder. Mas, quando ele questiona um fato concreto, apurado, endossado pelo Tribunal Superior Eleitoral, ele está permitindo que as pessoas acreditem em qualquer bobagem”.
Janine continua:
“Qualquer bobagem pode merecer crédito. Da violação ao respeito dos resultados eleitorais de 2014 até a crença de que vacinas têm um chip embutido –pelo qual talvez o Mark Zuckerberg ou a Amazon vai controlar o mundo todo–, tem uma certa sequência. É uma aposta na ignorância. ‘Vamos utilizar a ignorância, vamos utilizar o ódio e vamos, com esses dois elementos, conseguir vencer as eleições, porque deu certo em vários lugares do mundo’.”
Segundo o presidente da SBPC, “o que vai precisar ser feito no Brasil e em outros ligares é uma retomada do laço social”.
Falando sobre o seu livro, que aborda conceitos de Jean-Jacques Rousseau e Karl Marx no contexto da pandemia, Janine declara:
“A gente tem que fazer uma campanha por essas duas ideias filosóficas. A gente tem que aumentar o sentimento de solidariedade humana, que existe, mas deveria ser maior. E temos que aumentar a convicção na ciência. Sem ciência você não tem progresso. E sem progresso da ciência você não tem economia”.