Um dia após a comemoração dos cinco anos do Marco Legal de Ciência, Tecnologia e Inovação, o Brasil ganha uma nova Lei do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT). Mas o que deveria ser motivo de comemoração, trouxe apreensão para a comunidade científica por conta de dois vetos presidenciais.
Fruto de um antigo anseio dos pesquisadores em tornar o FNDCT mais independente das restrições impostas pelo Tesouro Nacional, a nova Lei Complementar n° 177, publicada nesta quarta-feira, 13, consolida o principal instrumento de financiamento da ciência brasileira como um fundo de natureza mista, tanto contábil quanto financeiro. A vantagem desta nova faceta é permitir que a Financiadora de Estudos e Projetos (Finep) – responsável pela gestão do FNDCT – mantenha em seu caixa os recursos não utilizados no ano anterior, ao invés de devolver o saldo para o Tesouro Nacional como ocorria anteriormente.
Com isso, há uma perspectiva de melhora do fluxo de recursos a longo prazo, contrabalanceando em parte a queda das verbas orçamentárias destinadas aos projetos. Com a nova Lei, a Finep é autorizada a fazer aplicações financeiras em fundos de investimento e no capital de empresas inovadoras. Os eventuais ganhos dessas operações passam a se somar aos recursos anuais do FNDCT.
Outra mudança beneficia a parte da oferta de crédito reembolsável feita para empresas privadas. Sobe de 25% para 50% a parcela de recursos arrecadados do FNDCT destinada a estas operações de estímulo tecnológico. Na proposta orçamentária para 2021, o PLOA prevê R$ 1,8 bilhão para operações reembolsáveis da Finep. Com a mudança, o montante pode subir para R$ 3,6 bilhões.
As Organizações Sociais (OSs) também têm motivos para comemorar. A nova Lei permite que até 25% dos recursos orçamentários destinados a créditos não reembolsáveis possam ser repassados às OSs. Usando como parâmetro o PLOA 2021, até R$ 127 milhões dos R$ 510 milhões liberados nesta categoria para o próximo ano poderão beneficiar estas empresas. No entanto, os recursos gerais para custear projetos nas modalidades não reembolsável e subvenção, além dos demais custos de operação da Finep, podem somar apenas R$ 382 milhões por conta desta mudança, caso o governo não eleve as verbas liberadas para o próximo ano.
Mais um aspecto importante da nova norma é a proibição de que o FNDCT sofra qualquer tipo de limitação de empenho (contingenciamento) de seus recursos. Ou seja, o volume liberado para o FNDCT nas Leis Orçamentárias Anuais não poderá ser cortado posteriormente pela equipe econômica, a não ser em casos excepcionais como de recessão do País.
Vetos
No entanto, o principal motivo para a mobilização da comunidade científica na defesa do PLP 135/2020, convertido agora na Lei Complementar n° 177, sofreu um revés, ainda que temporário. A Presidência da República, seguindo recomendação da equipe econômica, decidiu vetar os artigos que ampliariam os recursos do FNDCT para financiar a ciência brasileira. Foram dois os vetos, ambos usando argumentos tanto políticos quanto jurídicos.
O primeiro veto retira da norma a proibição de que os recursos do FNDCT sejam alocados em reservas de contingência, fiscal ou financeira. Esta proibição traria imenso alento para o setor científico, uma vez que a maior parte da arrecadação do FNDCT acaba sendo desviada anualmente para a Reserva de Contingência Financeira. Em 2021, por exemplo, dos R$ 7,1 bilhões arrecadados para o fundo, R$ 4,8 bilhões estão na reserva e, portanto, não podem ser usados para sua real finalidade: financiar a ciência nacional.
Uma vez na Reserva de Contingência, os recursos perdem na prática sua destinação original, passando a custear operações financeiras do Tesouro Nacional (no caso da Financeira) ou mantidos como um amortecedor fiscal de eventos imprevistos ao longo do ano (no caso da Fiscal). Por tratar-se de um corte de recursos e pela nomenclatura, as reservas muitas vezes são confundidas com contingenciamento. Mas são distintas.
O contingenciamento retira recursos aprovados no orçamento anual durante o processo de liberação do uso dos recursos pela administração pública e formalmente é chamado de “limite de empenho”. O contingenciamento está relacionado com o cumprimento ou não das expectativas de arrecadação do governo. Este corte o FNDCT não poderá mais sofrer.
Já as Reservas de Contingência retiram recursos ainda no processo de elaboração das peças orçamentárias. Uma vez aprovadas as Leis Orçamentárias Anuais, os recursos alocados nas Reservas passam a ser utilizados em áreas sem nenhuma relação com a finalidade original da fonte de arrecadação capturada. Com o Teto de Gastos, criado em 2016 (Emenda Constitucional n° 95), os recursos arrecadados pela União, mas que não podem ser incluídos no orçamento anual para atender a nova política de austeridade fiscal, acabam sendo alocados na Reserva de Contingência Financeira.
Com a proibição prevista na Lei aprovada pelo Congresso Nacional, o FNDCT voltaria a ser aplicado plenamente para financiar os projetos científicos, motivo pelo qual foi criado. Para 2021, por exemplo, dos R$ 7,131 bilhões arrecadados, apenas 7,15% (R$ 510 milhões) serão liberados para financiamento não reembolsável de pesquisas e demais despesas com projetos públicos e fomento. Sem o veto, este valor subiria para R$ 5,3 bilhões – os R$ 510 milhões somados aos R$ 4,8 bilhões alocados na Reserva.
Para justificar o veto, a equipe econômica argumentou que a norma criaria despesa nova – o que não pode ser fruto de ato do Legislativo, mas apenas do Executivo – e romperia o Teto de Gastos. “O dispositivo contraria o interesse público, tendo em vista que colide com disposições legais já existentes, além de poder configurar, em tese, aumento não previsto de despesas, resultando em um impacto significativo nas contas públicas, cerca de R$ 4,8 bilhões (quatro bilhões e oitocentos milhões de reais), no PLOA 2021 e o rompimento do teto de gastos instituído pela Emenda Constitucional nº 95/2016”, alegou a equipe econômica.
O segundo veto segue o mesmo raciocínio e retira da Lei o artigo que pretendia liberar os recursos do FNDCT colocados em Reserva de Contingência no ano de 2020, num total de R$ 4,3 bilhões. Segundo a Presidência, este dispositivo teria impacto em todo o orçamento público, pois exigiria o cancelamento de dotações em outras áreas para que os recursos fossem incluídos no orçamento sem romper o Teto de Gastos. “A medida contraria o interesse público, pois forçará o cancelamento das dotações orçamentárias das demais pastas, que já estavam programadas para o exercício. Além disso, a medida atrapalhará a execução de projetos e ações já planejadas pelas demais áreas do Governo federal, além de elevar a rigidez orçamentária”, argumenta o governo.
Próximos passos
Os vetos presidenciais devem ser analisados pelo Congresso Nacional e podem ser derrubados pelo parlamento. No momento, existem 28 vetos pendentes de análise pelos parlamentares, sendo que 22 deles estão sobrestando a pauta (impedindo que outras matérias sejam votadas pelo Congresso Nacional). Quando um veto passa mais de 30 dias sem deliberação dos deputados e senadores, passa a trancar a pauta. Ou seja, os vetos da Lei Complementar n° 177 passarão a trancar a pauta em 12 de fevereiro.
O Congresso Nacional encontra-se em recesso parlamentar até 1° de fevereiro e quando retomar suas atividades deverá enfrentar com urgência o debate da Lei Orçamentária para 2021, que segue pendente. Como o PLOA ainda está em debate, as mudanças estabelecidas na Lei complementar n° 177 poderão ser incorporadas na peça pelo relator, como a elevação da parcela do crédito reembolsável – que não tem impacto no Teto de Gastos neste caso.
A comunidade científica já se mobiliza para derrubar os vetos no Congresso Nacional. E está otimista por conta do apoio maciço dos parlamentares ao texto original: no Senado, Casa de origem da proposta, o texto passou com 71 votos favoráveis e, na Câmara, com 385. Para rejeitar um veto é preciso maioria absoluta de cada Casa, ou seja, 257 votos de deputados e 41 de senadores.
Jornal da Ciência – SBPC