Coordenador do GT Estado Laico diz que processo caminha de maneira avassaladora e ressalta carta enviada pela SBPC a autoridades, em fevereiro, declarando “veemente rejeição” a projetos de leis pautados pelo lema Escola sem Partido, em trâmite nas três esferas da federação
Pautados pelo lema “Escola Sem Partido”, os projetos de lei que tramitam no Congresso Nacional, nas assembleias legislativas de vários estados e nas câmaras de vereadores de inúmeros municípios do País ferem cláusulas pétreas da Constituição Federal relacionadas ao direito e às garantias individuais. Esta é a conclusão do Grupo de Trabalho Estado Laico, da SBPC, que alerta que esses projetos, ao contrário do que seu lema faz supor, expressam, na verdade, intenções claramente políticas.
“Em nosso entendimento, tais projetos de lei são inconstitucionais e, se aprovados, poderão causar severos prejuízos à ciência, à educação e à cultura”, destaca a SBPC, em carta encaminhada em fevereiro aos presidentes da Câmara e do Senado, bem como a todos os senadores e deputados, ao presidente do Supremo Tribunal Federal, ao Ministério da Educação (MEC), aos secretários de Educação Superior e Básica do MEC e ao presidente do Conselho Nacional de Educação (CNE). Na carta, a SBPC declara “veemente rejeição” a esses projetos de leis.
O documento descreve as conclusões do GT Estado Laico sobre o levantamento e análises de informações sobre o assunto apresentado à sociedade brasileira como “Escola sem Partido”. Segundo o coordenador do grupo, Luiz Antonio Cunha, esse processo caminha de maneira avassaladora nas três esferas da federação.
O movimento Escola sem Partido foi fundado em 2004 pelo procurador de Justiça de São Paulo, Miguel Nagib. Dez anos depois, em 2014, se transformou no Projeto de Lei 2974/2014, apresentado na Assembleia Legislativa Estadual do Rio de Janeiro (Alerj). No plano federal, tratam dessa matéria o PLC 7180/2014, o PLC 867/2015, o PLC 1411/2015 e o PLS 193/2016, que servem de modelo para os de assembleias legislativas e de câmara municipais.
Ano passado, o Estado de Alagoas aprovou a Lei 7.800/2016, que criou o programa “Escola Livre”. Mas no dia 22 de março, uma decisão liminar do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Luís Roberto Barroso, suspendeu a lei estadual.
Cunha, que é professor emérito da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), ressalta que a derrubada da lei em Alagoas cria um precedente importante. Mas alerta que nesta próxima semana, por exemplo, a Câmara Municipal do Rio de Janeiro promove uma audiência pública para discutir a aprovação de um projeto de lei na cidade. “Se a Câmara do Rio de Janeiro aprovar essa lei, ela dará reforço aos estados e, também, ao governo federal”, comenta.
Ele diz ter firme esperança que o poder judiciário brasileiro não aceitará uma legislação inconstitucional como essa. No entanto, segundo ele, o problema da intromissão autoritária nas escolas não se resolve apenas com a queda das leis, pois é uma prática que insiste em existir, mesmo sem uma legislação.
“Mesmo que esses projetos de lei não vinguem, isso pode continuar existindo. Portanto, a luta é longa e difícil”, adverte.
Implicações para a formação de futuros cientistas
O coordenador do GT argumenta que a carta que a SBPC encaminhou às autoridades, elaborada em conjunto com os seis membros do grupo de trabalho, traz uma perspectiva diferente ao problema, ao apontar as implicações de tais projetos para o desenvolvimento científico do País no futuro. Ele destaca o seguinte trecho do documento:
“Sintonizada com os princípios constitucionais, a SBPC tem por missão estatutária a “remoção dos empecilhos e incompreensões que embaracem o progresso da ciência”. Entre os valores que inspira a entidade está a “liberdade de pesquisa, de opinião e do direito aos meios necessários à realização do trabalho dos cientistas”. Essa missão e esse valor concernem particularmente à educação escolar, destinatária privilegiada da divulgação da produção científica, assim como condição da formação dos futuros cientistas”.
Na carta, a SBPC pede que a tramitação de tais projetos seja sustada até que eles sejam ampla e livremente debatidos nos meios científicos e educacionais; que o Congresso Nacional, o Ministério da Educação e o Conselho Nacional de Educação promovam audiências públicas sobre essa questão, com ampla e plural participação; e, ainda, que os poderes legislativo e judiciário atentem para o caráter inconstitucional e as consequências danosas de tais projetos, e decidam sobre a invalidade das leis já aprovadas com base no lema Escola sem Partido, mesmo sob outro apelativo.
Veja a carta na íntegra aqui.
Daniela Klebis – Jornal da Ciência