A vencedora na área de Biológicas e Saúde do 3º Prêmio Carolina Bori “Ciência & Mulher” é Gulnar Azevedo e Silva, professora titular do Instituto de Medicina Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (IMS-UERJ). Ela é referência no campo da epidemiologia de doenças crônicas não transmissíveis com ênfase na epidemiologia aplicada à avaliação de políticas de prevenção e controle do câncer.
A cerimônia de entrega do Prêmio será virtual no dia 11 de fevereiro com transmissão pelo canal da SBPC no YouTube, a partir das 10h30, no Dia Internacional das Mulheres e Meninas na Ciência.
Gulnar lembra que mesmo antes de entrar na Faculdade de Ciências Médicas da UERJ, já gostava da área de biologia e pensava em seguir a carreira de pesquisa básica. Acreditava que o mundo das descobertas, no campo das ciências biológicas, era especialmente fascinante e poderia ajudar a compreender os sentidos da vida. “A minha primeira visita ao Instituto Oswaldo Cruz, em Manguinhos, aos 16 anos, me marcou muito. Fiquei imaginando que muitos dos pesquisadores que por lá passaram dedicaram suas vidas buscando descobrir, por vezes, apenas um agente transmissor de doença ou a composição inicial de uma vacina, que poderiam representar vidas poupadas. Decidi estudar medicina, certa de que a Faculdade me daria uma formação suficiente para me dedicar à pesquisa em parasitologia e microbiologia”, disse.
A pesquisadora afirma que, ao perceber a situação do País, optou em seguir a carreira que pudesse melhorar a saúde no Brasil. “Ainda na faculdade meu interesse pela saúde pública foi se delineando. Mas foi o Instituto de Medicina Social, criado por Hésio Cordeiro, que abriu meus olhos para a área”, lembra.
Segundo Gulnar, ao se formar em 1978, sua forte ligação com a clínica e seu interesse pela saúde pública, pesaram em sua opção pela Residência em Medicina Preventiva na Universidade de São Paulo (USP). “Durante esse curso, entre 1979 e 1980, tive contato com todas as disciplinas da área de saúde pública e isso se delineou com mais nitidez meu interesse pela epidemiologia, que na época eu traduzia mais simplesmente como ‘trabalhar com endemias’”, afirma.
Ao voltar para o Rio, entrou em 1981 no Mestrado de Saúde Coletiva do IMS-UERJ. Nesse mesmo ano começou a trabalhar no Hospital Raphael de Paula Souza (Hospital de Curicica) da Campanha Nacional contra Tuberculose da Divisão Nacional de Pneumologia Sanitária (DNPS) do Ministério da Saúde. Em 1983, passou a chefiar este ambulatório o que lhe deu um pouco de experiência na área de administração. Em 1982, foi aprovada no concurso para médicos do Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social (Inamps) na especialidade de Clínica Médica. “Por ter formação de sanitarista, fui convocada em 1983 para assumir as atividades no Departamento de Planejamento da Superintendência Estadual do Rio de Janeiro, onde tive oportunidade de participar do início do programa regionalizado de atenção à saúde que deu origem mais tarde ao SUS (Sistema Único de Saúde)”, disse. Para Gulnar, tudo isso ampliou seu campo de atuação em saúde pública e ficou claro a intenção de trabalhar mais diretamente com a pesquisa epidemiológica.
Entre os anos 1985 e 1987 morou na Suíça onde teve a oportunidade de trabalhar como auxiliar de pesquisa em projetos da Organização Mundial da Saúde (OMS) e fazer o curso de especialização em Saúde Comunitária na Universidade de Genebra.
Ao voltar para o Brasil, em 1987, foi convidada a fazer parte da equipe na Divisão de Epidemiologia do Instituto Nacional de Câncer (INCA), ficando até junho de 1993. “E assim iniciei uma nova etapa profissional seguindo os caminhos da epidemiologia do câncer”, observou. Nesse meio tempo, ela retomou o mestrado e, em maio de 1991, defendeu sua dissertação intitulada ‘Mortalidade por câncer no Estado do Rio de Janeiro, 1979-1986’.
Em 1994, iniciou o doutorado de Medicina Preventiva da Faculdade de Medicina da USP, concluindo em 1997. “Durante o doutorado, desenvolvi a pesquisa sobre fatores de risco para o câncer de mama no Rio de Janeiro, que faz parte do programa de pesquisa coordenado por mim ‘Fatores de risco e prognósticos para o câncer de mama’”, explicou.
Em 1999 foi aprovada no concurso para professora de Epidemiologia no Instituto de Medicina Social da UERJ. “Entrando na universidade como docente em janeiro de 2000, passei a me dedicar exclusivamente à docência e à pesquisa. E inserida no Departamento de Epidemiologia do IMS, passei a orientar formalmente estudantes de mestrado e doutorado”, lembrou.
Foi coordenadora de prevenção do Instituto Nacional de Câncer entre 2003 e 2007. “Nesse período me deparei com um mundo bem diferente do mundo acadêmico, mas pude ter a dimensão do que é organizar e interferir em uma política nacional de saúde. No meu caso na política de câncer”, ressaltou.
Em paralelo à atividade acadêmica, a pesquisadora fez parte da Comissão de Epidemiologia da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco) tendo coordenado a Comissão Científica do 5.º Congresso Brasileiro de Epidemiologia em Curitiba, Paraná, em 2002. Assumiu a presidência da entidade entre agosto de 2018 e julho de 2021. À frente da entidade, Gulnar foi uma das idealizadoras da Frente pela Vida, que congrega inúmeras entidades nos campos da saúde e da ciência, entre as quais a SBPC, e foi uma das principais iniciativas no enfrentamento da pandemia e na resistência ao negacionismo.
Ao falar sobre o Prêmio Carolina Bori, Gulnar ressalta ser o reconhecimento da luta da Saúde Coletiva, das mulheres da Ciência e de toda a sociedade brasileira frente à pandemia. “Fiquei muito feliz que a SBPC optou em premiar alguém que pensa a saúde coletiva e que não veja só o aspecto do produtivismo científico. Fiquei muito feliz porque essa premiação é o reconhecimento de que estamos no caminho certo. Caminho este que deve ser fortalecido. E deve unir pessoas em defesa da vida e da democracia. Essa premiação é uma vitória coletiva. É o reconhecimento do trabalho que a Abrasco, junto com outras entidades e movimentos sociais, pôde desenvolver no enfrentamento à pandemia. Estendo a premiação a todas as mulheres que foram e são incansáveis em meio a tantas adversidades que cotidianamente atravessamos, mostrando o nosso papel na ciência e na educação. Este prêmio expressa também a importância da construção da Frente Pela Vida, que vem mobilizando e defendendo a democracia e os direitos humanos, com destaque para o direito universal à saúde. Receber o Prêmio Carolina Bori é um estímulo para prosseguirmos com nossas lutas”, finaliza.
O Prêmio
Além de Gulnar Azevedo e Silva, foram reconhecidas Nilma Lino Gomes, professora titular e emérita da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), como vencedora na área de Humanidades, e Beatriz Leonor Silveira Barbuy, docente do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas (IAG) da Universidade de São Paulo (USP), na área de Engenharias, Exatas e Ciências da Terra.
Nesta edição, a SBPC recebeu indicações de 35 Sociedades Afiliadas à SBPC. Do total de indicadas, 11 foram na área de Humanidades, 11 na área de Biológicas e Saúde e 13 de Engenharias, Exatas e Ciência da Terra. Das 35 Sociedades Afiliadas que indicaram, 16 contam com presidentes mulheres.
Criado em 2019, o Prêmio “Carolina Bori Ciência & Mulher” é uma homenagem da SBPC às cientistas brasileiras destacadas e às futuras cientistas brasileiras de notório talento, que leva o nome de sua primeira presidente mulher, Carolina Martuscelli Bori. A SBPC — que já teve três mulheres presidentes e hoje conta com uma maioria feminina em sua diretoria — criou essa premiação por acreditar que homenagear as cientistas brasileiras e incentivar as meninas e mulheres a se interessarem por este universo é uma ação marcante de sua trajetória histórica, em que tantas mulheres foram protagonistas do trabalho e de anos de lutas e sucesso na maior sociedade científica do País e da América do Sul.
Jornal da Ciência