A presidente da SBPC, Helena Nader, falou nesta quarta-feira (17) sobre a situação da ciência no Brasil na sessão de abertura da XV Reunião Anual da Rede Nacional Leopoldo de Meis de Educação e Ciência (RNLMEC). O evento será realizado até o dia 20 de maio no Centro de Divulgação Científico e Cultural (CDCC) de São Carlos da Universidade de São Paulo (USP).
Nader iniciou sua palestra destacando o importante papel do cientista Leopoldo de Meis que criou, em 1985, o Programa Jovens Talentosos. O projeto levou jovens de baixa renda para os laboratórios do Instituto de Bioquímica Médica (IBqM) da UFRJ, do qual ele foi um dos fundadores, e ofereceu a essas crianças cursos de prática científica. “Foi uma inciativa que teve grande sucesso no País”, disse, lembrando que São Carlos sediou, em julho de 2015, a 67ª Reunião Anual da SBPC. Nessa Reunião, foi realizada uma sessão especial para homenagear Meis, que havia falecido meses antes, em dezembro de 2014. “Vir para São Carlos para participar do encontro anual da Rede Nacional Leopoldo de Meis de Educação e Ciência é um privilégio”, ressaltou.
A presidente da SBPC destacou a necessidade de discutir com alunos, nas salas de aula, a importância do papel da ciência para o desenvolvimento do País. Ela destacou a relevância de movimentos sociais em defesa da valorização do conhecimento científico, como a Marcha Pela Ciência, realizada no dia 22 de abril em mais de 600 cidades pelo mundo, incluindo 22 cidades brasileiras.
Nader ressaltou também que a SBPC continua na luta contra a fusão do Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação com o das Comunicações, porém, advertiu que é necessário restabelecer o orçamento da Pasta: “Não adianta nos devolverem um ministério depenado como ele está”, disse.
Ela relatou os avanços do Brasil no cenário mundial em produção científica, como o fato de sermos responsáveis por 2,55% do número de publicações científicas publicadas no mundo, de acordo com o World of Research, de 2015. Segundo ela, o desempenho do País aumentou não só o número, mas também na qualidade da publicações – o País ocupa a 17ª posição no Global Citation Index, o ranking de publicações com mais citações.
“Não adianta nos devolverem um ministério depenado como ele está”, disse Helena Nader
No quesito inovação, o Brasil caiu seis posições no ranking Global Innovation Index 2016, desde 2013, amargando o 69º lugar, entre 140 países. A queda é atribuída ao ambiente econômico, que prejudica a relação entre universidades e empresas.
Nader destacou a importância da formação de recursos humanos na cadeia do desenvolvimento científico e tecnológico nacional, e diagnosticou que as falhas de formação precisam ser observadas desde o ensino fundamental. Ela destacou os resultados do último Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb), no qual o ensino médio não atingiu a meta de 4,3 pontos na média nacional. Também discutiu os recentes resultados do PISA (Programme for International Student Assessment, na sigla em inglês. Programa Internacional de Avaliação de Estudantes, em português), que avalia estudantes do 8º ano do Ensino Fundamental, no qual o desempenho dos estudantes brasileiros caiu desde a edição anterior, de 2012, colocando o Brasil na 59ª posição em leitura, 63ª em ciências e 66ª em matemática. “Nas três disciplinas ficamos abaixo da média da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico). Isso é uma aberração, porque esse estudante que vai chegar à universidade com um déficit. E a graduação deverá suprir essa falha. Isso tem que mudar”, afirmou.
A presidente da SBPC também contou que, apesar da grande expansão das universidades públicas, 75% do contingente de universitários continua concentrado nas instituições privadas. Além disso, um dado preocupante é que nas universidades federais, o índice de evasão dos estudantes, entre o 2º e o 3º ano, é altíssimo. Segundo apontou, cerca de 50% dos ingressantes desistem dos cursos. “Em algum momento temos que ver o que estamos de fazendo com os cursos nas universidades”, alertou.
Já na pós-graduação, ela mostrou que, entre 1998 e 2015, houve uma grande melhora na distribuição dos programas pelas diferentes regiões do País. Porém, quando se observa os programas que tiveram notas de excelência (conceito 7 da Capes), as diferenças gritam: 84% das universidades que possuem pós-graduação com esse nível estão no Sudeste; enquanto que na região Norte, nenhum programa atingiu esse conceito ainda. “São diferenças graves na qualificação profissional pelo País. Precisamos ter competências em todas as regiões”, avaliou.
Financiamento em CT&I
Com os cortes sucessivos dos recursos para educação e CT&I, a tendência, segundo observou Nader, é que a qualidade das pesquisas brasileiras sofra uma queda.
Nader ressaltou que o Brasil tem ficado para trás em relação a outros países em desenvolvimento, como a China, a Índia, a África do Sul e a Rússia, que acreditam que o desenvolvimento científico e tecnológico é fundamental para contornar crises econômicas. Enquanto países como Coreia e Israel investem mais de 4% do PIB em CT&I, a porcentagem no Brasil não chega a 1,5%, e a maior parte desse investimento é do governo. “Quando se trata da participação empresarial nesses recursos, eles vêm da Petrobras, da Vale, de empresas cuja maior parte do capital é estatal”, disse, e acrescentou: “O financiamento das empresas em CT&I é pífio no Brasil. Na Coreia, as empresas contribuem com mais de 70% do total investimento em CT&I. Os países desenvolvidos investem mais de 2% do seu PIB em ciência e tecnologia. É com isso que temos que competir”, exclamou.
A presidente da SBPC criticou o fato de o governo federal ter cortado quase pela metade o orçamento de 2017 do MCTIC, em relação à previsão inicial na Lei Orçamentária Anual (LOA). Conforme explicou, o Ministério deveria receber R$15 bilhões; mas, desse montante, cerca de R$5,5 bilhões são destinados, obrigatoriamente, para gastos com pessoal e outras despesas fixas. “Ou seja, o que o MCTIC tinha era, na verdade, R$10 bilhões. E, se com a LOA, R$5 bilhões foram bloqueados como reservas contingenciadas, isso significa que o MCTIC teve um corte de 50% de sua verba”, demonstrou. Segundo ela, a área de CT&I vem sofrendo cortes orçamentários contínuos nos últimos anos. “Em 11 anos, perdemos R$ 40,8 bilhões com contingenciamento”, observou. “E como se faz ciência sem um fluxo contínuo de financiamento?”, questionou Nader, reiterando a urgência de toda a comunidade científica, bem como toda a sociedade, se mobilizar e lutar pela valorização da ciência e da educação no País.
Pint of Science
A programação continuou em um bar de São Carlos, onde os participantes da XV Reunião Anual da RNLMEC se juntaram ao Pint of Science, festival internacional de divulgação científica que acontece essa semana em mais de 11 países pelo mundo, inclusive 22 cidades brasileiras. Ali, foi organizada a mesa redonda “Como desenvolver novos medicamentos a partir da nossa biodiversidade?”, na qual falaram os professores Vanderlan Bolzani (IQ-Unesp Araraquara), Arlene Correa (DQ-UFSCar) e Glaucius Oliva (IFSC-USP). Bolzani, que é também vice-presidente da SBPC, conta que as discussões levantadas por Helena Nader horas antes, alimentaram os debates à noite. “Se você não tem a sociedade preparada e achando que ciência e tecnologia são prioridades, não temos como avançar sozinhos. Somos um país enorme, com uma riqueza gigante, mas ainda estamos letárgicos”, declarou a cientista, ressaltando o grande público reunido no bar.
Segundo ela, a sessão discutiu a produção de fármacos e produtos naturais a partir da nossa biodiversidade e os impasses gerados pela falta de uma regulamentação que permita o desenvolvimento de pesquisas e produtos com valor agregado. “Muitos jovens perguntaram sobre o Marco Legal da CT&I e das dificuldades de qualquer área da ciência, sempre esbarrando em leis extremamente burocráticas que barram o avanço dessas inovações. Com isso, perdemos muito para países que nem possuem a diversidade natural que possuímos. Quase não temos produtos de alto valor agregado”, observou.
Bolzani defendeu a necessidade de iniciativas para a divulgação científica que promova maior engajamento com o público geral. “Se nós não aprendermos a comunicar, não vamos conseguir sensibilizar a sociedade e mudar a cabeça dos nossos governantes. Temos que tocar o coração das pessoas”, concluiu.
As atividades da XV Reunião Anual da RNLMEC continuam até esta sexta-feira, 19 de maio, em São Carlos.
Daniela Klebis – Jornal da Ciência