Encerrou-se neste final de maio o segundo mandato de Dra. Deborah Duprat de Britto Pereira à frente da Procuradoria Federal dos Direitos dos Cidadãos e tramita sua solicitação de aposentadoria do Ministério Público Federal, onde ela ingressou em 1987. Assiste-se à despedida de uma figura ilustre e imprescindível à vida democrática pela sua defesa irrestrita dos direitos humanos nestas últimas décadas. A SBPC homenageia e agradece, nesta ocasião, a Dra. Deborah Duprat pelo seu trabalho incansável pelos direitos humanos e pela cidadania em nosso País. Para deixar registrada esta homenagem, a SBPC faz publicar no JC Notícias este texto do nosso conselheiro, o professor Alfredo Wagner Berno de Almeida:
“A Dra. Deborah Duprat foi a primeira mulher a desempenhar a função de Procuradora-Geral da República, em 2009, por apenas 22 dias, durante a interinidade num período de transição entre o término de um mandato e a escolha do novo Procurador-Geral. Coube à Dra. Deborah, como vice-presidente do Conselho Superior do MPF, ocupar a posição de Procuradora-Geral e, pela precisão de sua atuação, tecnicamente admirável, tornar o MPF mais próximo do desafio das desigualdades sociais, de grupos étnicos e dos direitos humanos. Nesta breve gestão ajuizou ações que resultaram no reconhecimento da união homoafetiva, que possibilitaram a mudança do nome de transexuais independentemente de operação de resignificação sexual e que liberaram o exercício da profissão de músico, mesmo sem o registro corporativo na Ordem dos Músicos do Brasil.
Teve atuação histórica na coordenação da 6ª. Câmara de Coordenação e Revisão da PGR, durante anos a fio, fazendo com que valesse a aplicação dos direitos territoriais concernentes a povos indígenas e quilombolas e dos direitos elementares de povos e comunidades tradicionais. Defendeu os direitos das quebradeiras de coco babaçu facultando inclusive a realização de reunião do Conselho Nacional de Direitos Humanos em povoado no interior do Maranhão. Intensificou seus atos no domínio da educação arguindo da inconstitucionalidade dos projetos concernentes à chamada “Escola sem Partido”, defendendo um trabalho pedagógico livre, aberto e autônomo, bem como uma pesquisa independente de qualquer subordinação às estruturas de poder.
Em 2016 Dra. Deborah se tornou Procuradora Federal dos Direitos do Cidadão e no decorrer do governo Temer se colocou abertamente contrária à Emenda Constitucional (EC 95), que estabeleceu o teto de gastos. De maneira concomitante reativou o Fórum por direitos humanos e de combate à violência no campo, que havia sido criado em 1996, quando do massacre de Eldorado dos Carajás. São conhecidos seus pronunciamentos em defesa de pobres e vulneráveis atingidos pela violência policial no campo e em favelas. Por ocasião da realização do Seminário Internacional Mega Empreendimentos, Atos de Estado e Povos e Comunidades Tradicionais, ocorrido na Universidade Estadual do Maranhão, em São Luis, em outubro de 2016, recebeu cartas de denúncias de usurpação de direitos à terra de dezenas de associações, passando a intervir junto ao judiciário no sentido de apurar os casos de descumprimento da legislação brasileira, conforme a Constituição de 1988. Obteve, neste domínio, expressivas vitórias no Supremo Tribunal Federal. Importa sublinhar ainda que acompanhou, desde, 1996 a trágica situação das famílias quilombolas desalojadas compulsoriamente para a implantação do centro de lançamento de foguetes de Alcântara e que testemunhou na Comissão Interamericana de Direitos Humanos da OEA, em novembro de 2019, em Quito, a favor destas famílias, mesmo com a interdição governamental à sua viagem para participar presencialmente desta sessão realizada no Equador.
Nestas duas últimas décadas a Dra. Deborah Duprat participou de maneira consecutiva dos eventos organizados pela SBPC. Importa destacar aqui sua participação na 71ª. Reunião da SBPC, realizada em 2019 no campus da Universidade Federal do Mato Grosso do Sul, em mesa redonda relativa ao tema “Direitos Humanos: Direito dos Outros e a Ação das Agências Internacionais”. Tratava-se de comemoração, ocorrida no ano anterior, dos setenta anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos pela ONU e da sua conexão com o próprio aniversário da SBPC, fundada no mesmo ano, em 1948. Nesta oportunidade ela asseverou o papel da ciência como direito dos povos, numa refinada interpretação conjuminando os domínios de conhecimento do Direito, da Filosofia, da Ciência Política e da Antropologia, que constituem fundamentos básicos dos esquemas explicativos da sociedade brasileira. O reconhecimento da relevância de todo este seu trabalho assinala a persistência da observância e do discernimento de princípios democráticos nesta quadra de ameaças à estabilidade das instituições sociais. Aqui expressamos o contentamento pelo que esta trajetória profissional representa e nossa certeza de que a sociedade brasileira continuará contando com seus inestimáveis serviços e com sua ação exemplar.”
SBPC