A diminuição sistemática de recursos orçamentários da UFMG, ocorrida ao longo dos últimos cinco anos, representou um regresso financeiro que fez a instituição voltar “aos patamares de 2008, quando ainda não tinha feito sua grande expansão” materializada no Reuni.
A avaliação foi feita pela reitora Sandra Regina Goulart Almeida durante o painel Os cortes de recursos e seus impactos na educação, realizado na tarde desta quarta-feira, dia 2, como parte da programação da 72ª Reunião Anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC).
Ao discorrer sobre a importância do financiamento público da educação, Sandra Goulart fez menção ao exemplo de sucesso da Coreia do Sul, que, segundo ela, “é emblemático da relação direta que se observa entre investimento contínuo e sustentável em educação e desenvolvimento econômico”.
“O ano de 2021 projeta um cenário extremamente preocupante”, disse a reitora, lembrando que a UFMG tem encampado a luta pela revogação da EC 95, que prevê o congelamento dos investimentos em educação no país. “Nosso compromisso é defender a educação como bem público, a qualidade em todos os seus níveis e a democratização do ensino, que diz respeito à inclusão, ao acesso, à permanência e à conclusão do ensino superior para os brasileiros”, afirmou.
Ameaça
“O futuro da educação pública gratuita está consideravelmente em risco”, afirmou a professora Sônia Fernandes, do Instituto Federal de Santa Catarina, que representou o Conselho Nacional das Instituições da Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica (Conif). Segundo ela, a rede de institutos federais cresceu ao longo dos governos anteriores, “capilarizando-se e interiorizando-se”, mas todo esse processo está ameaçado. “Cada estado brasileiro tem pelo menos um IF, mas o custeio dessa estrutura é caro”, disse.
A mestranda em História Econômica Flávia Calé, da Universidade de São Paulo (USP), projetou as possíveis consequências da atual política federal de educação, especialmente para os jovens pesquisadores. “Hoje, vivenciamos uma reestruturação produtiva. Nesse contexto, o Brasil deixa de investir, quando o mundo inteiro precisa de mais conhecimento. Isso nos põe em atraso, ou seja, em uma nova condição colonial – o Brasil passa a ser consumidor de tecnologia desenvolvida em países desenvolvidos”, afirma Calé, que é presidente da Associação Nacional dos Pós-graduandos (ANPG).
O professor Nelson Cardoso Amaral, da Universidade Federal de Goiás (UFG), apresentou dados da agência de inteligência americana, a CIA, e do Banco Mundial, segundo os quais o Brasil investe uma parcela muito pequena do seu PIB em educação, considerando-se o tamanho da população. Fundamentado em dados da Secretaria do Tesouro Nacional, o pesquisador revelou, ainda, que o orçamento anual para a Defesa saltou de cerca de R$ 50 bilhões, em 2015, para atuais quase R$ 90 bilhões. “Essa tem sido a prioridade do governo em detrimento de investimento em processos educacionais, ciência e tecnologia”, lamentou.
Fuga de cérebros
A queda expressiva dos recursos da Capes, na avaliação do reitor da Universidade Federal de Goiás e presidente da Andifes, Edward Madureira Brasil, certamente impedirá que muitos jovens ingressem nos programas de pós-graduação. “Nos últimos dois anos, seis professores da UFG deixaram a universidade para seguir carreira em instituições do exterior”, exemplificou Madureira.
O professor Carlos Alexandre Netto, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), que coordenou a mesa, afirmou que vigora no país um “desencanto pela pós-graduação”. “Há alguns anos, essa disputa era muito acirrada. Hoje, a procura tem sido baixa. Está vindo uma geração que não se interessa pela pesquisa, e isso terá impacto e consequências graves”, projetou.
A 72ª Reunião Anual da SBPC é realizada integralmente de forma virtual. O evento foi dividido em quatro ciclos de atividades, de setembro a dezembro. O último se encerra nesta sexta-feira, dia 4.
Novo contrato para a educação
O futuro da educação também pautou as discussões de outro evento do qual participou a reitora Sandra Regina Goulart Almeida na semana passada. Ela abriu o debate Políticas e estratégias regionais, nacionais e institucionais para a implementação do terceiro contrato social da educação, que integrou a programação do congresso mundial do Grupo Kairós, rede internacional de especialistas que atua na transformação educacional, elegendo-a como sustentáculo fundamental para a construção de uma nova sociedade.
“A pandemia do novo coronavírus acentuou as diferenças e desigualdades sociais, mas também confirmou a importância e a força da ciência e da educação como esteios da transformação social”, disse a reitora, que integra o Kairós na condição de dirigente universitária brasileira e de vice-presidente da Associação das Universidades Grupo Montevidéu (AUGM).
De acordo com a reitora, o caráter público da educação, independentemente da natureza da instituição que a oferta, é uma premissa da qual não se pode abrir mão. “Tenho afirmado, nas diversas oportunidades em que tenho sido convidada a me pronunciar, que o processo educacional não é neutro. Ele tem que estar comprometido com a liberdade, como defendia Paulo Freire”, afirmou.
Sandra Goulart destacou, ainda, que a educação está entrelaçada ao ideal de justiça social, por isso não pode ser um privilégio. “Saramago [referindo-se ao escritor português e Doutor Honoris Causa da UFMG] afirmava que ‘o conhecimento une cada um consigo mesmo e todos com todos’. Ela, a educação, é, portanto, agente político e estratégico da mudança, da busca por um mundo melhor”, sentenciou.
O congresso do Kairós, realizado de 24 a 27 de novembro, resultou em um manifesto que qualifica a educação como direito humano e universal, responsabilidade do Estado e bem público social. Ela também é vista como estratégia emancipatória, capaz de assegurar o pensamento crítico, autônomo e responsável dos educandos, e como instrumento de construção de uma sociedade justa e igualitária.
De inspiração Iluminista, mas emissário de ideais que transcendem os defendidos durante o século 18, na Europa, o Kairós, que, em grego, significa “momento oportuno”, é um movimento da sociedade civil que defende um novo contrato social para a educação. É preciso, segundo o grupo, refundar compromissos, táticas e estratégicas para enfrentar os novos desafios que se apresentam em um cenário globalizado, incerto e em permanente mutação, ora acentuado pela pandemia de covid-19.