A Comissão de Agricultura, Pecuária, Abastecimento e Desenvolvimento Rural da Câmara dos Deputados realizou uma audiência pública na última quarta-feira (24/09) com o objetivo de debater os dez anos de promulgação da Lei 13.123/15, popularmente conhecida como Lei da Biodiversidade.
Oficialmente, a Lei da Biodiversidade é a regulação brasileira sobre o acesso a patrimônio genético e seu conhecimento tradicional associado, abrangendo também a exploração econômica de produtos e materiais derivados. Na prática, a norma estabelece as regras para que empresas, pesquisadores e demais interessados possam acessar esses recursos, além de definir como deve ser feita a distribuição dos lucros definidos.
“A trajetória do Brasil em relação à regulamentação da biodiversidade é longa e desafiadora. Em 2001, foi publicada a Medida Provisória nº 2.186/16, que determinou que o acesso ao patrimônio genético se daria apenas mediante autorização da União, criando o Conselho de Gestão do Patrimônio Genético, o CGen. Contudo, não havia clareza sobre a distinção entre pesquisa científica, desenvolvimento tecnológico e bioprospecção, o que gerou insegurança e travas no avanço do conhecimento. Somente em 2008, a Orientação Técnica nº 6 esclareceu o conceito de ‘potencial de uso comercial’, estabelecendo a necessária diferenciação entre pesquisa científica e desenvolvimento tecnológico”, explicou a diretora da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), Laila Salmen Espindola, durante a audiência pública.
Espindola explicou também que, a Lei da Biodiversidade foi promulgada em 2015 e regulamentada em maio de 2016. E somente em novembro de 2017 foi lançado o Sistema Nacional de Gestão do Patrimônio Genético e do Conhecimento Tradicional Associado, o SisGen, plataforma criada para possibilitar o cadastro eletrônico. “Ou seja, o Brasil ficou paralisado durante um ano e meio, sem meios de cumprir essa lei”, ponderou.
Na sua primeira versão, o SisGen apresentou lacunas, que necessitaram de trabalhos conjuntos do Departamento do Patrimônio Genético (DPG), do CGen, além de câmaras temáticas e setoriais – uma frente idealizada para aprimorar o sistema. Hoje está em funcionamento o que é chamado de SisGen 2.0, programa resultante de melhorias estabelecidas desde a primeira disponibilização.
“Agora temos a perspectiva do lançamento do SisGen 3.0, que está sendo desenvolvido em parceria com comunidades tradicionais, científicas e empresas, e que finalmente trará a implementação de módulo internacional.”
Em sua fala, a diretora da SBPC também aproveitou para destacar a importância do trabalho do Conselho de Gestão do Patrimônio Genético. O CGen é o órgão responsável por organizar o acesso, envio ou remessa de amostras de patrimônio genético, além de regular o acesso ao conhecimento tradicional associado, preservado pelos povos indígenas, comunidades tradicionais e agricultores familiares.
Para a especialista, a Lei da Biodiversidade não precisa de alterações em seu regimento, como foi defendido pelo deputado Alceu Moreira (MDB-RS), que solicitou a audiência pública. Espindola defendeu que são necessárias estruturas melhores que ajudem na implementação da lei, como uma melhor operacionalização do SisGen e medidas de capacitação.
“Um desafio central é capacitar pesquisadores e empresas para utilizarem corretamente o SisGen e atenderem às exigências da Lei 13.123/2015. Embora o Departamento do Patrimônio Genético participe de eventos e produza materiais orientativos, isso não é suficiente, como revelam cadastros não realizados ou feitos com erros. O CGen adota uma postura educativa, orientando ajustes, mas o País não avançará ensinando caso a caso. O tema é complexo, poucos dominam, e mesmo em nível institucional persiste grande dificuldade em aplicar o sistema. Assim, é imprescindível ampliar o quadro de servidores do DPG, para que as demandas sejam atendidas em tempo hábil e o papel formativo se torne efetivo”, afirmou Espindola na audiência.
Após a sessão, a diretora da SBPC ponderou que se trata de um tema muito importante e que exige debates e diálogos. “Esse assunto é delicado, pela sua complexidade, especialmente porque o Brasil é muito forte na área de produtos naturais. Todos os que obtêm resultados precisam se cadastrar. A pesquisa em si não exige cadastro prévio, mas a apresentação de resultados em eventos acadêmicos, publicações ou depósito de patentes, sim. E o que é um produto natural? Pode vir de plantas, animais, micro-organismos, substâncias isoladas da natureza ou até mesmo os vírus – enfim, tudo o que é vivo.”
Espindola concluiu que a audiência teve resultados animadores, já que houve uma defesa massiva da lei entre todos os envolvidos e apontamentos sobre melhorias em sua execução.
“A audiência foi muito positiva: setores que compõem o CGen, como empresas, comunidade científica e representantes de ministérios, estiveram presentes. Nosso objetivo não é alterar a lei, mas buscar caminhos para sua plena implementação. É importante ressaltar que o Brasil é pioneiro neste tipo de legislação, inexistente em outros locais, e já contribui para avançar esse debate em âmbito internacional.”
Confira a audiência na íntegra no site da Câmara dos Deputados.
Rafael Revadam – Jornal da Ciência, com informações da Agência Câmara de Notícias