A imprensa brasileira tem uma parcela de responsabilidade sobre a crise política e econômica pela qual o país passa no momento e, assim como em democracias mais consolidadas como Reino Unido, França e Alemanha, precisa ter algum tipo de controle social ou regulação. A opinião é dos jornalistas convidados pela Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) para responder à pergunta: “A imprensa deve ser independente do quê para o Brasil ser soberano e independente?”
O tema foi discutido durante painel virtual realizado terça-feira (7) na programação da Virada da Independência. O debate, que contou com os jornalistas Eugenio Bucci, Luís Costa Pinto, Juliana Monteiro e Jamil Chade, foi apresentado e mediado pelo ex-ministro da Educação e presidente da SBPC, Renato Janine Ribeiro.
Ribeiro destacou o papel da internet e das redes sociais na democratização do acesso à comunicação e informação por um lado e o forte impacto destas sobre a imprensa tradicional e as chamadas “fake news”, por outro. “Vimos nos últimos anos o lado altamente negativo das redes sociais, a manipulação, sobretudo em grupos de WhatsApp”, afirmou. Ao mesmo tempo, na visão do presidente da SBPC, as redes sociais não têm conseguido melhorar a qualidade do debate público.
Ribeiro disse que na França, onde existe um Comitê Superior de Controle do Audiovisual, responsável por supervisionar o cumprimento da legislação pela mídia, o órgão autuou recentemente um canal de notícias por dar espaço para a extrema-direita e políticos fascistas sem ouvir o outro lado. “Quando se fala em controle social da mídia é isso, (garantir a) pluralidade”.
A jornalista e psicanalista Juliana Monteiro, que vive em Roma, Itália, defendeu a necessidade de regulação da mídia que, na visão dela, não avança no país porque não interessa à direita e não encoraja a esquerda. “A imprensa não é tratada como política pública no Brasil ainda e o resultado é que esse debate ficou restrito a alguns meios, a maior parte da população não sabe do que se trata, escuta com muito preconceito e por conta disso o debate não avança para além da questão econômica”, analisou Monteiro.
O correspondente internacional e blogueiro Jamil Chade apontou o erro da imprensa brasileira ao não reconhecer e alertar para os riscos à democracia representados pelo grupo de extrema-direita, liderado por Jair Bolsonaro, antes dele se candidatar à presidência da República. Para o jornalista – que escreve colunas para os sites UOL, El País Brasil e outros, e há muitos anos está radicado em Genebra, na Suíça, “a sociedade brasileira precisa fazer um exame de consciência, assim como a imprensa”, por ter se omitido na chegada da onda política que levou à eleição do atual presidente. “Por que a extrema-direita não é chamada assim no Brasil?”, questionou Chade, lembrando que em nenhum momento, a grande imprensa reconheceu o risco e as ameaças contidas naquela candidatura.
Para Luís Costa Pinto, repórter que ficou conhecido por ter feito a entrevista com o irmão do ex-presidente Fernando Collor de Mello (1990-1992) que disparou o impeachment, a imprensa “mainstream” criou as condições para a situação “assustadora, temerária e arriscada” pela qual o país passa atualmente. “A imprensa ainda não fez a autocrítica que tanto cobrou da esquerda”, afirmou. Na visão dele, a mídia brasileira vem se esforçando para “esquecer” seu papel nos eventos que levaram à eleição de Bolsonaro e que mais se parece com o processo que levou ao Chavismo. “O Brasil está sendo palco de uma manifestação típica do que aconteceu na Venezuela”, declarou.
Eugênio Bucchi que, além de jornalista é professor titular da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA-USP), onde dá aulas de graduação e pós-graduação, fez um resgate histórico do surgimento da imprensa para avaliar a atualidade. “Nossa imprensa no Brasil tem milhões de limitações e, em conjunto, pode ter sim momentos em que seja responsável por erros graves como o apoio ao golpe de 64”, afirmou.
Na opinião dele, não se pode dizer que a imprensa foi responsável pelo golpe e deve ser reconhecido que tem feito um trabalho fundamental em outros episódios de crise política. Citou como exemplo as denúncias que levaram ao impeachment de Collor de Mello (1992) e, mais recentemente, as que levaram ao conhecimento do esquema de “rachadinhas” envolvendo o ex-assessor e ex-motorista do senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ), Fabrício Queiroz, além das investigações sobre o assassinato da deputada Marielle Franco.
Por outro lado, Bucchi reafirmou a opinião dos demais de que a cobertura das eleições de 2018 trataram Bolsonaro como se fosse um candidato normal, quando de fato era alguém que defendia abertamente a ditadura e a tortura. Lembrou ainda a cobertura da operação Lava Jato. “Houve uma postura pouco reflexiva e crítica, assim como avalio que a cobertura da Lava Jato acreditava muito piamente no que diziam as autoridades”, disse.
Assista ao painel na íntegra aqui
Jornal da Ciência