Repensar as narrativas históricas de um país não é apenas uma demanda dos movimentos sociais de hoje. Rumo ao Bicentenário da Independência, a pergunta que não quer calar é “temos o que comemorar”? Se olharmos do ponto de vista dos grupos considerados minoritários, essa é uma questão difícil de responder. Este questionamento é explorado em reportagem na edição de relançamento da revista Ciência & Cultura.
Segundo o Atlas da Violência 2021, a chance de uma pessoa negra ser assassinada no país é 2,6 vezes superior ao de uma pessoa não negra. O mesmo relatório aponta que os homicídios de indígenas cresceram mais de 20% em dez anos. Ainda, o estudo “Violência armada e racismo: o papel da arma de fogo na desigualdade racial”, do Instituto Sou da Paz, mostra que dos 30 mil assassinatos por agressão armada em 2019, 78% foram contra pessoas negras. Já o Relatório Violência Contra os Povos Indígenas do Brasil, publicado pelo Conselho Indigenista Missionário (Cimi), apontou que as invasões possessórias, a exploração ilegal de recursos e os danos ao patrimônio também aumentaram: foram 263 casos registrados em 2020. Levantamento do Datafolha encomendado pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública indicou que uma em cada quatro mulheres acima de 16 anos sofreu algum tipo de violência no último ano no Brasil. Por fim, o 15.º Anuário Brasileiro de Segurança Pública, divulgado pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), mostrou um aumento de 24,7% nos homicídios contra a população LGBTI no período de 2020 comparado a 2019.
Esses números retratam uma assombrosa desigualdade que se mantém no Brasil, revelando uma herança histórica de injustiça social que exclui parte significativa da população do acesso a condições mínimas de dignidade e cidadania. “Olhar para a realidade da população negra, dos povos originários, e a forma desumana e desumanizante com que o Estado lida com essas populações, escancara o quanto a humanidade do povo preto ainda é expropriada em benefícios da hegemonia política, social, econômica e cultural branca”, aponta Isaac Porto, mestre em Direito pela PUC-RJ e consultor LGBTI do Instituto sobre Raça, Igualdade e Direitos Humanos (Race and Equality).
Apesar desse cenário sombrio, os grupos minoritários conquistaram vitórias importantes ao longo dos últimos anos, como a política de cotas e a garantia da retificação de nome e gênero de pessoas transexuais, frutos da luta histórica dos movimentos sociais. Mas ainda há um longo caminho a percorrer. Rumo ao Bicentenário da Independência, mais do comemorar, devemos refletir que Brasil queremos construir para os próximos 200 anos.
Jornal da Ciência