Falta de recursos para ciência, tecnologia e inovação (CT&I), negacionismo científico, difusão e popularização da ciência e a necessidade de desenhar um projeto de País para o futuro foram alguns dos temas abordados durante o programa Desafios, da TV USP, realizado nessa quinta-feira, 1ºde julho. O episódio teve como tema “A SBPC no Front pela Ciência” e contou com a participação de integrantes da Diretoria recém-eleita da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência para o biênio 2021-2023.
Renato Janine Ribeiro, Fernanda Sobral e Paulo Artaxo, eleitos, respectivamente, para presidente e vice-presidentes enfatizaram a luta já realizada pela entidade em diversas frentes e ressaltaram que é preciso continuar na batalha por recursos para o setor da CT&I. Eles também frisaram que os desafios para a ciência no País sob o atual governo são muitos e que há um forte risco de sucateamento das instituições e universidades públicas pela falta de investimentos federais. A nova gestão tomará posse no dia 23 de julho, na Assembleia Geral Ordinária dos Sócios, que será realizada durante a 73ª Reunião Anual da SBPC.
“A SBPC continuará sua luta pela reposição orçamentária, mas temos de fazer o Brasil entender que é preciso conciliar de forma harmônica sete áreas para desenvolver uma sociedade para o futuro: ciência, educação, tecnologia, saúde, meio ambiente, cultura e inclusão social. A SBPC já se movimenta dentro uma ideia virtuosa entre todas essas áreas”, afirmou o futuro presidente da entidade.
Ribeiro comentou ainda que a SBPC já uniu forças importantes com organizações religiosas, do direito e da imprensa nacional. “Temos que trabalhar com todos os segmentos”, defendeu, ressaltando o momento desafiador que o Brasil enfrenta atualmente.
Filósofo, professor livre-docente de Ética e Filosofia Política da Universidade de São Paulo (USP), Ribeiro afirma que é necessário também investir mais em educação. “Nossa sociedade chegou a essa crise em parte porque tem inteligência insuficientemente investida. Acredito que tenhamos talentos inúmeros nas comunidades e morros, por exemplo. Não podemos pensar que só existam jogadores de futebol e cantores populares nestes locais. Claro que há outros talentos que não tiveram oportunidades”, comenta.
A socióloga Fernanda Sobral, que segue para seu segundo mandato como vice-presidente da SBPC, afirma que o cenário futuro será difícil não apenas pela falta de orçamento, mas também pelos efeitos do negacionismo e a falta de valorização da ciência. “Além de lutarmos contra o negacionismo que converge também nos cortes de recursos por parte do governo, temos de estar atentos às ameaças e perseguições que cientistas estão sofrendo”, diz.
Professora aposentada e colabora com o Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade de Brasília (UnB), Sobral ressaltou o papel da entidade no Parlamento e citou algumas conquistas da atual gestão. “Com muita luta, conseguimos que o FNDCT (Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico), principal fonte de recursos para pesquisa e desenvolvimento (P&D) do País, não fosse extinto. Também conseguimos aprovar a Lei Complementar 177/21, que extinguiu a Reserva de Contingência do FNDCT e o transformou em fundo financeiro”, citou lembrando que a batalha continua, já que o governo ainda não liberou integralmente o dinheiro. “Agora a luta é pela liberação dos recursos não reembolsáveis que são essenciais para a CT&I do País e podem contribuir para a infraestrutura de laboratórios, por exemplo”, disse.
Já o físico Paulo Artaxo, também eleito para ocupar uma das duas Vice-Presidências, afirmou que a SBPC sempre teve um papel fundamental no cenário político, tendo sido uma das poucas vozes que sobressaíam durante a ditadura. “A SBPC teve um papel fundamental na redemocratização e agora a entidade deve se organizar para a reconstrução do que sobrar do País nos próximos anos. A possibilidade do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) de desligar o supercomputador Tupã, usado para monitorar condições climáticas, como estiagem, vai acontecer em outras instituições. E, infelizmente, não é só uma questão orçamentária. Existe uma tentativa de sufocar o conhecimento científico e o progresso do País como um todo. E isso é preocupante. Serão tempos extremamente difíceis. Não acredito que o atual governo vá mudar a direção em que se encontra. Não consigo enxergar uma luz, mas tenho certeza de que a SBPC continuará lutando para minimizar os danos”, comenta ele, que é professor titular do Departamento de Física Aplicada do Instituto de Física da USP.
Artaxo ressaltou ainda que é preciso tratar a área de CT&I como prioridade para o desenvolvimento do País. “Não existe no Brasil um projeto de país em que a ciência faça parte. Não existe um programa de médio e longo prazo como já ocorreu em outros países como China e Coreia do Sul onde existe um reconhecimento pelo governo e sociedade que investir em CT&I seja vetor para o desenvolvimento”, comenta.
Divulgação científica
Em tempos de negacionismo científico, todos os integrantes da nova Diretoria da SBPC acreditam que é importante ter a educação e divulgação científica para aumentar o conhecimento da população sobre ciência.
“É o espírito crítico, racional, da pesquisa, do pensamento lógico que tem que ser difundido”, afirma Ribeiro, lembrando que este é um trabalho de longo prazo. Segundo ele, as pessoas se beneficiam da ciência, mas não conhecem seus caminhos e métodos. “Um exemplo disso é que cerca de 20% de brasileiros acredita que a Terra é plana, mas usa o GPS do celular, que permite ver sua localização e trajetos. Isso é algo que só é possível porque existem satélites girando em torno da Terra, que, portanto, é redonda. O fato de haver brasileiros que acreditam que a Terra seja plana e que, ao mesmo tempo, utilizam o GPS é um paradoxo. Nós temos de mostrar melhor às pessoas o quanto o conhecimento científico é útil e fascinante”, observa.
O programa foi apresentado pelo jornalista Luiz Roberto Serrano e contou com a participação de Herton Escobar, do Jornal da USP, como debatedor.
Assista ao programa na íntegra aqui.
Vivian Costa – Jornal da Ciência