Com foco no rápido avanço da Inteligência Artificial e na pauta da “Nova Industrialização”, especialistas renomados do País reuniram-se na sede da Academia Brasileira de Ciências (ABC), no Rio de Janeiro, para discutir o futuro da ciência básica e da tecnologia no Brasil. O encontro, que aconteceu nesta semana, nos dias 5 e 6 de março, foi organizado pela ABC e pela Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), como parte da preparação para a 5ª Conferência Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação, que será realizada em junho, em Brasília.
As discussões abordaram diversas visões sobre como superar obstáculos políticos, econômicos e tecnológicos, a fim de posicionar o Brasil nessa corrida extremamente competitiva e de rápida transformação. Um ponto comum e bastante destacado foi a importância de investir na capacitação de profissionais qualificados e na inserção desses na indústria. Enfatizou-se também a importância de adotar estratégias transdisciplinares e inclusivas, assegurando que o País não apenas acompanhe, mas também lidere a próxima onda de inovações globais.
Na mesa “Inteligência Artificial – Desafios e Perspectivas”, José Roberto Boisson de Marca, professor e pesquisador do Centro de Estudos em Telecomunicações da PUC-Rio (CETUC/PUC-Rio), destacou a necessidade urgente do Brasil aumentar investimentos e fortalecer a formação de recursos humanos em inteligência artificial (IA). O engenheiro trouxe ao debate a proposta de criação de uma Agência Federal nos moldes da Embrapii com foco em IA e também sugeriu que se estabeleçam mecanismos para regulamentar o acesso de empresas internacionais aos dados brasileiros. “É fundamental que o Brasil proteja esse patrimônio de dados”, disse.
O professor titular do Programa de Engenharia de Sistemas e Computação da COPPE/UFRJ, Edmundo Albuquerque de Souza, apontou a explosão de modelos de larga escala de IA observada entre 2019 e 2023. Segundo ele, com esse boom, veio à tona a discussão sobre o que é inteligência e a importância de uma melhor compreensão dos conceitos de engenharia e computação. Ele destacou os benefícios da IA em várias áreas, da otimização de análise de dados às oportunidades de ensino e aprendizagem e à multidisciplinaridade, entre outros. Por outro lado, ponderou que as ferramentas possuem limitações, como a falta de criatividade e compreensão de conceitos complexos. Para o pesquisador, o principal ponto de atenção deve ser a questão dos recursos humanos e o que o país pode fazer para preparar especialistas para desenvolverem essa área. “Não temos massa crítica qualificada para impulsionar os avanços na área. Temos gente boa, mas não no nível que necessitamos”, advertiu. Segundo ele, é necessária uma política que contemple desde a atração de especialistas para o Brasil até a formação de jovens para atuar no desenvolvimento dessas tecnologias.
Marley Vellasco, professora-titular da PUC-Rio e coordenadora do Centro de Inteligência Artificial do Rio de Janeiro (CIA-Rio), chamou a atenção para a importância da transparência e da complexidade dos modelos atuais de IA, considerando os riscos associados ao uso indiscriminado e a premência de aprimorar ferramentas para detectar falhas e reduzir o volume das bases de dados. “Apesar do sucesso do método ‘Machine Learning’ e, principalmente, do ‘Deep Learning’, existe a necessidade de se desenvolver pesquisa para aumentar a transparência e confiabilidade desses modelos, o que chamamos de ‘Explainable Artificial Intelligence’ (XAI). Ao tornar a IA mais explicável, auditável e transparente, podemos não apenas tornar nossos sistemas mais justos, mas também torná-los muito mais eficazes e úteis”, disse.
Professora-titular do Centro de Informática da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Teresa Ludemir enfatizou que é fundamental estabelecer políticas de dados que garantam a propriedade e privacidade, apontando os riscos de vieses nos algoritmos. “Sem dados confiáveis, a IA não produz bons resultados. É preciso estabelecer uma política que regule o acesso, por cidadãos e por empresas (principalmente estrangeiras), ao banco de dados gerados no país”. Segundo ela, os sistemas de IA precisam ser corretos, transparentes, justos, inclusivos, reproduzíveis, respeitar a privacidade e a segurança das pessoas e das instituições, e, para isso, é urgente também investir na formação de recursos humanos de qualidade.
Elisa Pereira Reis, socióloga e professora titular da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), falou sobre o dualismo das expectativas geradas pela IA, entre o otimismo messiânico e o temor de seus riscos catastróficos. “Essa revolução tecnológica e cognitiva não se dá em um vazio técnico ou científico. Ela se dá na dinâmica com a sociedade, com a política, com a cultura. Em saúde, educação, produção de alimentos, os ganhos podem ser imensos. Ao mesmo tempo, podem trazer prejuízos globais, desestruturação radical do mercado de trabalho, cristalização de preconceitos, dependência tecnológica.” Reis apontou a importância da transdisciplinaridade e a necessidade de os cientistas colaborarem nas decisões sociopolíticas, além da melhora no nível de educação para toda a população, para, assim, evitar um novo apartheid social.
Nova Industrialização: estratégias e políticas
Seguindo as discussões do dia, os participantes debateram a posição da indústria brasileira no cenário global e quais políticas e estratégias podem ser implementadas para impulsionar o setor.
Tendo ocupado diversos cargos no Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), Álvaro Prata focou na necessidade de adaptar o setor industrial brasileiro e aproveitar as vantagens competitivas do país em um mercado global dominado por empresas de alta tecnologia. Professor titular do Departamento de Engenharia Mecânica da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), ele apresentou uma análise da evolução das principais empresas mundiais na última década, evidenciando a substituição do setor de petróleo por empresas de alta tecnologia. Segundo ele, tal panorama serve de alerta ao Brasil, cuja participação na atividade industrial global se limita a cerca de 1% e as empresas mais fortes continuam sendo as mesmas de uma década atrás, com baixíssimo desenvolvimento de tecnologias de ponta. “O Brasil detém conhecimento científico, possui uma série de vantagens comparativas e competitivas, mas precisamos mexer na nossa indústria para que possa usar suas vantagens melhor”, afirmou.
Verena Barros, secretária executiva do Conselho Nacional de Desenvolvimento Industrial (CNDI), ressaltou a importância de uma política industrial atrelada ao desenvolvimento, refletindo uma nova dinâmica entre Estado e sociedade civil. Barros apontou que o processo de desindustrialização no Brasil está associado à queda na qualidade de vida e advertiu para uma urgente necessidade de políticas públicas que promovam o adensamento produtivo no país. “Política industrial é uma política para o desenvolvimento”, disse, defendendo uma abordagem multifacetada, que combine fomento à inovação, melhorias no ambiente de negócios e uma orientação estratégica clara.
Vice-presidente da SBPC e coordenadora da Comissão de Sistematização da 5ª CNCT, Francilene Garcia falou sobre a necessidade de retomar o diálogo interdisciplinar e reorganizar o país para enfrentar questões não apenas científicas ou tecnológicas, mas também sociais e ambientais, através do conhecimento científico e do desenvolvimento tecnológico. “Precisamos de políticas de CT&I que considerem a resiliência, a sustentabilidade ambiental e a inclusão como diretrizes centrais das agendas. A crise também nos estimula a experimentar novas ferramentas, abordagens políticas e modelos de governança”, observou.
Garcia apontou para a importância da aproximação entre universidades e indústria, com estratégias de expansão e qualificação da pós-graduação e incentivos para uma maior absorção dos pesquisadores nas empresas, além de uma melhor apropriação do Marco Legal de CT&I vigente.
Pedro Wongtschowski, presidente do Conselho Superior de Inovação e Competitividade da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), encerrou as discussões enfatizando a indispensabilidade da indústria para o desenvolvimento do Brasil e a necessidade de reformas para melhorar o ambiente de negócios e fomentar investimentos em CT&I. Ele criticou o baixo investimento em CT&I pelas empresas brasileiras e destacou o papel essencial do Estado para aumentar a produção e a competitividade da indústria nacional. “Não há como desenvolver uma nação complexa como a brasileira sem um sistema industrial. É necessário que o Estado intervenha. A intenção é aumentar a produção e a competitividade da indústria brasileira”, defendeu.
Assista às apresentações neste link.
Daniela Klebis – especial para o Jornal da Ciência