Em homenagem ao Dia Nacional da Ciência, a comunidade científica lançou na quarta-feira (8/7) uma campanha pela liberação total dos recursos do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT). A campanha envolveu a divulgação de um manifesto público e rodas virtuais de debates por todo o País em favor desta que é a principal fonte de recursos para pesquisa e desenvolvimento (P&D) no Brasil. Desde sua publicação, o manifesto já foi endossado por cerca de 80 entidades e instituições científicas e acadêmicas de todo o País.
Este ano o FNDCT teve mais de 80% de seus recursos transferidos pelo Ministério da Economia para uma Reserva de Contingência, com o argumento de reforçar o caixa destinado ao pagamento da dívida pública. Com isso, a ciência brasileira perdeu cerca de R$ 4 bilhões.
Em webnário promovido pela Iniciativa para a Ciência e Tecnologia no Parlamento (ICTP.br), da qual a SBPC é parte, e conduzido pelo ex-ministro da Ciência e Tecnologia, Celso Pansera, representantes de 20 instituições e sindicatos ligados ao setor deram seu depoimento sobre a necessidade de recuperação dos recursos do fundo, de forma que possa cumprir suas atribuições definidas por lei.
Na abertura do webnário, a cientista biomédica Helena Nader leu o manifesto. Em seguida, o presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), Ildeu de Castro Moreira, enfatizou a importância da liberação dos recursos do fundo, não apenas para enfrentar os efeitos da pandemia do coronavírus, mas também para um futuro no qual a ciência e tecnologia avancem e contribuam para o desenvolvimento econômico sustentável e à redução das desigualdades.
Mas, além de tudo, reiterou Moreira, os recursos do FNDCT devem ser liberados em cumprimento à lei. A Constituição Federal de 1988 determina que o Estado promoverá e incentivará o desenvolvimento científico, e que a pesquisa básica receberá tratamento prioritário. “O contingenciamento do FNDCT descumpre a Constituição brasileira em seu Artigo 218, parágrafo 1º, descumpre a legislação que criou os fundos setoriais, cujos recursos vêm para o FNDCT e devem ser usados para pesquisa e desenvolvimento”, frisou o presidente da SBPC. “Liberem o FNDCT. É uma atitude lesiva aos interesses brasileiros que esses recursos fiquem contingenciados”, argumentou.
O presidente da Academia Brasileira de Ciências (ABC), Luiz Davidovich, afirmou que quando se fala em FNDCT, é preciso lembrar outras siglas muito ligadas a ele, como Embrapa, Embraer e o acelerador de partículas Sirius – empreendimentos que colocaram o Brasil na lista dos países que detêm tecnologia de ponta e ajudaram a impulsionar o parque industrial e o agronegócio. “É um absurdo que um fundo que serve à indústria brasileira seja desviado agora para quitar a dívida pública”, criticou Davidovich.
O diretor do Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF), Ronald Shellard, representando o Fórum dos Diretores das Unidades de Pesquisa do MCTI, defendeu a importância do FNDCT para a solução dos grandes problemas do País como saneamento básico, habitação e também para ajudar no desenvolvimento do setor produtivo como um todo. “Precisamos converter a nossa economia não apenas exportação, mas agregar inteligência a ela. E o papel do FNDCT é viabilizar o futuro econômico para que possamos sair da crise em que estamos”, disse Shellard.
Para Flavia Calé, presidente da Associação Nacional de Pós-Graduandos (ANPG), o FNDCT é um reforço fundamental para o financiamento da ciência. Ela lembrou que a pós-graduação responde por 90% da pesquisa brasileira, e precisa de aporte para ampliar o quadro de jovens pesquisadores para a reconstrução da grave crise em que o País se encontra. Liberar o FNDCT, afirmou Calé, “é fundamental para que a gente consiga ter instrumentos, recursos para que essas instituições continuem funcionando e vençam o combate ao coronavírus.”
Universidades
No segundo bloco do webnario, representantes das universidades reiteraram a importância da liberação dos recursos do FNDCT. Soraya Smaili, reitora da Universidade Federal do Estado de São Paulo (Unifesp), representando no evento a Associação Nacional dos Dirigentes de Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes), também ressaltou que as universidades concentram mais de 90% da pesquisa cientifica realizada no País. “Além disso, nossos hospitais universitários têm feito um trabalho, não só na assistência social, mas também nas pesquisas para tratamento dos doentes da covid-19”. Smaili afirmou ainda que a liberação dos recursos do FNDCT beneficiará todas as áreas de pesquisa, da engenharia às humanidades, biomédicas e saúde.
Eduardo Modena, reitor do Instituto Federal de São Paulo (IFSP), falou em nome do Conselho Nacional das Instituições da Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica (Conif), rede de 42 instituições de ensino médio que gerenciam um milhão de matrículas distribuídas por 646 campi espalhados por todo o País. “Fazemos parte desses 90% da pesquisa tecnológica e temos o DNA de trabalhar com os arranjos produtivos locais e sociais”, disse Modena, ao defender o resgate dos recursos do FNDCT.
Ney José Lazzari, reitor Universidade do Vale do Taquari (Univates) e presidente da Associação Brasileira das Instituições Comunitárias de Educação Superior (Abruc), falou da “crise do Fies”, que nos últimos cinco anos viu diminuir sua representatividade no financiamento estudantil a menos de 10%. “Precisamos desses recursos e também das agências de fomento para que consigamos formar mais recursos humanos, melhorar laboratórios, ter mais equipamentos e parques tecnológicos”, explicou Lazzari.
Estados e municípios
No terceiro bloco, foi a vez dos representantes dos sistemas estaduais e municipais de apoio à pesquisa científica. Fabio Guedes Gomes, presidente do Conselho Nacional das Fundações Estaduais de Amparo à Pesquisa (Confap), explicou que o FNDCT tem forte impacto em estados e municípios, especialmente nesse momento de crise sanitária causada pela pandemia do coronavírus. “As 26 fundações de amparo à pesquisa dependem dos recursos do FNDCT para financiar programas e ações de âmbito local, políticas de formação de jovens cientistas, pesquisadores e ampliação das estruturas laboratoriais, compra de materiais, insumos para pesquisas, etc.”, afirmou.
Lembrando que o FNDCT financiou instituições de ponta na pesquisa tecnológica como a Coppe, Fernando Peregrino, presidente do Conselho Nacional das Fundações de Apoio às Instituições de Ensino Superior e de Pesquisa Científica e Tecnológica (Confies), relacionou os cortes dos recursos para a ciência ao processo de desindustrialização. “O FNDCT foi criado para ligar a pesquisa à indústria”, disse Peregrino. Segundo ele, a pandemia pegou a indústria em momento “frágil e titubeante”, sem condições nem mesmo de produzir máscaras e ventiladores. O presidente do Confies pediu a liberação do fundo para reforçar a indústria brasileira: “O FNDCT tem a ver com a nossa sobrevivência, com nossa plataforma econômica, com nossa plataforma de ciência e tecnologia”, reiterou.
Rafael Pontes, presidente do Conselho Nacional de Secretários para Assuntos de Ciência Tecnologia e Inovação (Consecti), disse que é fundamental que cada um dos secretários leve a mensagem para o parlamento para a liberação dos recursos do fundo. “O impacto da ciência afeta não só a academia, as universidades, os institutos de pesquisa, mas a saúde pública, a educação, o saneamento, a infraestrutura, a conectividade, então nossas cidades dependem do FNDCT.”
André Gomyde, presidente do Instituto Brasileiro de Cidades Inteligentes, Humanas e Sustentáveis (IBCIH), iniciou sua fala lembrando que no momento da última crise internacional, a China decidiu aumentar os investimentos em ciência e tecnologia e que a falta de investimentos na área no Brasil está fazendo aumentar a desigualdade. Referindo-se especificamente à falta de investimentos em tecnologia de conectividade, Gomyde informou que hoje 56% da população das classes D e E não tem acesso pleno à internet. “Precisamos e vamos lutar todos os dias até o final para que liberem esses recursos e possamos desenvolver não só o País e os estados, mas também as cidades brasileiras”.
Indústria
A diretora de inovação da Confederação Nacional da Indústria (CNI), Gianna Sagazio, coordenadora do Movimento Empresarial pela Inovação (MEI), disse que o apoio do FNDCT é estratégico e fundamental para o aprimoramento da infraestrutura e do ecossistema de ciência, tecnologia e inovação no Brasil. “Os recursos do FNDCT foram fundamentais para estruturar os principais parques tecnológicos, incubadoras de empresas e núcleos de inovação tecnológica no País, tendo apoiado, com mais de R$ 240 milhões, 24 parques em 13 diferentes unidades da federação”, afirmou. Sagazio citou uma pesquisa recente da CNI demonstrando que as empresas apostam no investimento em inovação para superar a crise econômica. “Existe oportunidade para o Brasil colocar de fato a ciência, tecnologia e inovação como prioridade e vetor principal de crescimento”, declarou.
Representando a Associação Nacional de Pesquisa e Desenvolvimento das Empresas Inovadoras (Anpei), Heloisa Menezes defendeu que o fundo continue sendo uma das principais fontes de recursos para incentivar a pesquisa e a inovação. Em sua visão, o FNDCT pode também corrigir o desequilíbrio entre investimentos públicos e privados em inovação, além de ser uma forma de compartilhamento de risco entre o Estado e as empresas. “Precisamos destravar o FNDCT para que tenhamos mais recursos para projetos de pesquisa tecnológica nas empresas”, afirmou Menezes.
Francisco Saboya, presidente da Associação Nacional de Entidades Promotoras de Empreendimentos Inovadores (Anprotec), comentou que a covid-19 trouxe sentido de urgência para as inovações, pois novas epidemias virão e o mundo necessita de respostas rápidas para os desafios colocados pelo coronavírus. “Nunca se precisou tanto da ciência, tecnologia e inovação como agora”, destacou Saboya, reiterando que destravar os recursos do FNDCT significa destravar todo o potencial para uma trajetória de prosperidade.
Docentes e servidores
O impacto do contingenciamento do FNDCT sobre as carreiras e recursos humanos no setor de ciência e tecnologia foi o tema do quinto bloco do webnário promovido pela ICTP.br.
Beatriz Nascimento, presidente da Associação dos Empregados da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), lembrou que a instituição, encarregada da secretaria executiva do FNDCT, deu grande contribuição ao desenvolvimento científico e tecnológico do País. “Nosso trabalho poderia alcançar uma escala maior caso o FNDCT deixasse de ser contingenciado”, disse Nascimento.
Ênio Pontes, diretor de Ciência e Tecnologia do sindicato dos Professores de Instituições Federais de Ensino Superior e de Ensino Básico Técnico e Tecnológico (Proifes), reiterou que a categoria defende a imediata liberação dos recursos do FNDCT que, para ele, “é um instrumento de integração das políticas de ciência e tecnologia, viabilizando o investimento público em áreas estratégicas como energia e saúde”.
Roberto Muniz, presidente do Sindicato Nacional dos Servidores Públicos Federais da Carreira de Gestão, Planejamento e Infraestrutura em Ciência e Tecnologia (SindGCT), lembrou que o País levou mais de 68 anos, com o esforço de sua população, para construir um sistema nacional de Ciência e Tecnologia. E se hoje o Brasil é o país que mais desenvolve nesse setor na América Latina, “o FNDCT é parte fundamental disso”, afirmou.
Fernando Moraes, Secretário Executivo do Fórum Nacional das Entidades Representativas das Carreiras de C&T (Fórum de C&T), e servidor aposentado do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), defendeu a transformação do fundo de contábil para financeiro, com o objetivo de preservá-lo.
A ICTP.br é um movimento organizado da comunidade brasileira de ciência e tecnologia para atuação permanente junto aos parlamentares no Congresso Nacional e, também, em Assembleias Legislativas e Câmaras Municipais, em prol do desenvolvimento científico e tecnológico do País. Além da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), fazem parte para iniciativa a Academia Brasileira de Ciências (ABC), Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes), Conselho Nacional das Fundações Estaduais de Amparo à Pesquisa (Confap), Conselho Nacional das Fundações de Apoio às Instituições de Ensino Superior e de Pesquisa Científica e Tecnológica (Confies), Conselho Nacional das Instituições da Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica (Conif), Conselho Nacional de Secretários para Assuntos de Ciência Tecnologia e Inovação (Consecti) e Fórum Nacional de Secretários e Dirigentes Municipais de Ciência, Tecnologia.
O debate está disponível na íntegra no canal da ICTP.br no YouTube: https://www.youtube.com/watch?v=EXg0fm_yklY&list=WL&index=2&t=5353s
Jornal da Ciência