
A Fundação Bunge promoveu na última terça-feira, 23 de setembro, em São Paulo, a cerimônia do Prêmio Fundação Bunge 2025, que nesta edição homenageou quatro cientistas com atuação destacada na emergência climática. Os trabalhos reconhecidos se dividiram em dois temas: “Gestão do risco climático na produção de alimentos” e “Saberes e práticas dos povos tradicionais e sua importância para a conservação dos recursos naturais”.
Dzoodzo Baniwa, educador, pesquisador e liderança indígena do povo Baniwa, foi um dos destaques da noite, ao receber o prêmio na categoria Vida e Obra pelo tema “Saberes e práticas dos povos tradicionais e sua importância para a conservação dos recursos naturais”. Ele foi indicado pela Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), representada na cerimônia por seu ex-presidente, Renato Janine Ribeiro.
“Foi muito importante essa indicação através da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, que conheço desde 2013. Quero externar o meu grande agradecimento em nome da minha família e do povo Baniwa por ter me indicado e por ter esse momento de reconhecimento da Fundação Bunge”, declarou ao Jornal da Ciência.
Licenciado no Instituto Federal do Amazonas (IFAM), em São Gabriel da Cachoeira, e mestre em Ensino de Ciências Ambientais no Programa Mestrado Profissional em Rede Nacional para Ensino das Ciências Ambientais, da Universidade Federal do Amazonas (PROFCIAMB/UFAM), Dzoodzo Baniwa teve seu primeiro contato com a escola aos 10 anos de idade. Ele conta que na época não conhecia a língua portuguesa – língua falada pelo professor – e, por isso, sentia medo de ir às aulas. Mas foi incentivado pela família e seguiu estudando.
Para concluir todo o ciclo do ensino fundamental, precisou deixar sua aldeia. Na nova escola, participou de projetos sociais da Universidade do Estado do Amazonas (UEA), do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa) e da Fiocruz, como técnico assistente em estudos que envolviam piscicultura, avicultura, meliponicultora, entre outros temas. Segundo conta, ele foi o primeiro técnico indígena, sem titulação, com prática em um laboratório de psicultura.
A peregrinação continuou para seguir no Ensino Médio, quando precisou se mudar para Manaus, capital do Amazonas. “Retornando de Manaus para o meu território, estava ocorrendo o primeiro processo seletivo para curso de licenciatura em Física e descobri que tudo o que eu tinha feito no ensino fundamental, nos projetos sociais, tinha tudo a ver com a Física”.
De volta à Aldeia Santa Isabel do rio Aiari, na Terra Indígena Alto Rio Negro (AM), os conhecimentos no campo da Física ajudaram a criar o primeiro sistema de bombeamento de água em sua comunidade. A iniciativa se transformou em um projeto social que hoje beneficia mais de 40 aldeias dentro se seu território.
Para Baniwa, ciência e saberes tradicionais, todos os tipos de conhecimentos, devem caminhar juntos no enfrentamento das mudanças climáticas. “Diante dessa perspectiva das complexidades ambientais, da crise planetária, tudo isso requer uma construção de um conhecimento mais sistêmico do que o conhecimento fragmentado. Agregar esses dois campos de conhecimentos, ciência e saberes tradicionais, é fundamental para responder a esses desafios. Os impactos locais não vêm fragmentados, os impactos locais vêm sistemicamente destruindo bens patrimoniais, bens culturais, a biodiversidade. E isso requer que nós, enquanto humanos, aprendamos com a natureza. É importante lembrar que o conhecimento não está simplesmente no espaço de quatro paredes da universidade, ou no espaço de quatro paredes da escola, o conhecimento está fluindo na natureza, está fluindo no ar, está, sobretudo, fluindo na floresta, no solo, na terra”, defende.
Ele também alerta que que todo esse aprendizado com relação à adaptação e mitigação dos efeitos das mudanças climáticas deve ser tratado como um problema real, que precisa de ações conjuntas e urgentes. “Essa sustentabilidade planetária exige que cada um, cada coletivo, cada comunidade, cada sociedade contribua para que possamos viver num mundo que seja sustentável para todos. Dentro do pensamento indígena, isso chamamos de “viver bem”. O viver bem não é só dimensionado com a questão financeira, mas, sobretudo, na dimensão de ter território, de poder respirar o ar puro, de poder ter água de boa qualidade, de poder ter o espaço para fazer agricultura sustentável, orgânica. É nessa perspectiva de poder criar uma relação boa com a família, com a comunidade, com a natureza. Precisamos criar essa cultura do viver bem dentro do nosso espaço, dentro da nossa comunidade e dentro do nosso território. E é assim que a ciência e os saberes locais precisam construir essa perspectiva.”
Sete décadas de premiação
Ao lado de Baniwa, Ygor Jessé Ramos, professor adjunto no Departamento do Medicamento na Faculdade de Farmácia da Universidade Federal da Bahia (UFBA), também foi premiado no tema “Saberes e práticas dos povos tradicionais e sua importância para a conservação dos recursos naturais”, na categoria “Juventude”.
No tema “Gestão do risco climático na produção de alimentos”, os homenageados desta edição foram Thieres George Freire da Silva, professor associado da área de Agrometeorologia da Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE), e Elizângela Aparecida dos Santos, professora adjunta da Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri (UFVJM), respectivamente, nas categorias “Vida e Obra” e “Juventude”.
Os cientistas agraciados na categoria “Vida e Obra” receberam o prêmio no valor bruto de R$ 200 mil. Já os premiados na categoria “Juventude” receberam R$ 80 mil.
Lançado em 1956, o Prêmio Fundação Bunge chega à sua sétima década neste ano com uma lista de mais de 200 personalidades brasileiras homenageadas. Entre elas estão Mariangela Hungria, Adalberto Luis Val, Erico Veríssimo, Hilda Hilst, Jorge Amado, Lygia Fagundes Telles, Manuel Bandeira, Rachel de Queiroz, Marcelo Rubens Paiva, Oscar Niemeyer, Carlos Chagas Filho, Gilberto Freyre, Paulo Freire, Celso Lafer, Fernando Abrucio, além de Elisabete Aparecida de Nadai Fernandes e Durval Dourado Neto.
“A Fundação nasce do desejo da Bunge de promover a ciência no Brasil, mas sem negligenciar a diversidade, que faz do nosso país múltiplo e único ao mesmo tempo. A Fundação só chegou aos seus 70 anos porque sempre soube conjugar sua essência com as transformações da sociedade. Hoje, nós atuamos nos eixos da economia de baixo carbono e da inclusão de pessoas no mercado de trabalho. É uma honra para nós, em pleno 2025, celebrar o Prêmio com homenagens a pesquisadores que têm desenvolvido trabalhos em contextos tão diversos”, afirma Cláudia Buzzette Calais, diretora-executiva da Fundação Bunge.
Daniela Klebis, para o Jornal da Ciência – com informações da Fundação Bunge