Com essas palavras, Helena Nader, presidente da SBPC até ontem, abre as páginas do livro que contém um relatório minucioso e impressionante sobre a situação dos ribeirinhos expulsos de suas casas durante o processo de implantação da hidrelétrica de Belo Monte. O livro, publicado pela SBPC e lançado ontem (20) no Café Literário instalado na exposição ExpoT&C da 69a. Reunião Anual, é resultado da demanda colocada pelo MPF a partir da visita da procuradora Thais Santi à então presidente da entidade.
O relatório da SBPC produzido sob a coordenação das professoras Sônia Barbosa Magalhães e Manuela Carneiro da Cunha, reúne histórias, reflexões e propostas sobre a realidade ribeirinha nos entornos do Rio Xingu, duramente impactada pela construção da usina de Belo Monte.
No lançamento estavam presentes Thais Santi, a procuradora do MPF de Altamira, Raimunda Gomes da Silva, integrante do Conselho Ribeirinho, Manuela Carneiro da Cunha, antropóloga, professora titular aposentada da USP e professora emérita da Universidade de Chicago, e Helena Nader.
Thais Santi fez um breve relato sobre a situação das comunidades ribeirinhas em passado recente, isolados e sem interlocução junto aos atores públicos e privados responsáveis pela construção da Usina e concessão de todas as licenças necessárias. Destacou a importância da interlocução com a SBPC para a criação do Conselho Ribeirinho, que deu voz à comunidade local. Criado o Conselho, ressaltou a procuradora, foram os próprios ribeirinhos que impuseram sua participação na escolha dos destinos da comunidade, uma luta diária e ainda em curso.
A professora Manuela disse no lançamento que “a resistência dos ribeirinhos foi inspiradora para motivar os pesquisadores que trabalharam na coleta de informações para produzir o relatório”. Para ela, a criação do Conselho Ribeirinho passou a dar voz e força à comunidade, o que abriu caminho para a relocação dos ribeirinhos sem a displicência e sem o senso de justiça, como vinha acontecendo até então.
Comovida, Helena Nader reconheceu o trabalho como uma das principais realizações da SBPC em seus anos à frente da entidade, tendo afetado tantas vidas diretamente, e de forma tão profunda. Nader passou a palavra à Raimunda, que cantou um poema ribeirinho e emocionou a todos presentes no lançamento do livro.
“Eita espinheira danada que o pescador atravessa para sobreviver,
Vive com o barco nas costas, que dor insistente, não pode dizer,
Sonha com belas promessas de gente importante, que vive ao redor,
Mas entra ano, sai ano, e o tal de fulano é ainda pior,
Esse é meu cotidiano, pois eu não me engano, pois Deus é maior,
O mundo não acaba aqui, o mundo ainda está de pé,
Enquanto Deus me der a vida, levarei comigo a esperança e fé.”
Antecedentes
A demanda do MPF de Altamira, oficialmente encaminhada à SBPC em 2016, tinha o seguinte objetivo: “colher subsídios técnico-científicos que indiquem ao Ministério Público Federal os caminhos seguros à garantia do modo de vida ribeirinha no rio Xingu e os meios adequados de que dispõe o Estado brasileiro para proteger esses territórios tradicionais e os respectivos modos de vida”. Uma demanda humanitária urgente, buscando dados científicos como apoio para a solução do problema.
A partir dessa demanda, a SBPC ofereceu todo o suporte para a constituição de um grupo de pesquisadores de várias instituições brasileiras, que em menos de dois meses, em 11 de agosto de 2016, se reuniram na sede administrativa da SBPC em São Paulo, dispostos a colaborar com os estudos relativos aos ribeirinhos de Belo Monte.
E de fato, em pouco mais de três meses, foi produzido um relatório entregue durante audiência pública, realizada no dia 11 de novembro, em Altamira, onde se debateu a reparação de direitos após a construção de Belo Monte.
De acordo com a representante da SBPC na audiência, a antropóloga Manuela Carneiro da Cunha, coordenadora da equipe de pesquisadores, a reunião foi muito positiva, uma vez que instituições participantes, como o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), se comprometeram a cumprir algumas medidas sugeridas pelo relatório da SBPC o quanto antes.
Carneiro da Cunha, relatou que os moradores da área onde hoje fica o reservatório da usina sofreram um processo violento de remoção compulsória no ano de 2015, quando a Norte Energia passou a retirá-los sem considerar as peculiaridades de seu modo de vida, que dependia do Rio e da cidade. Pessoas que viveram sempre de pesca e agricultura foram removidas, com indenizações irrisórias, e passaram a ocupar áreas periféricas no núcleo urbano de Altamira, longe do rio e sem qualquer possibilidade de reconstruir suas vidas. “As investigações levaram à conclusão de que a implementação da hidrelétrica de Belo Monte vem acompanhada de um processo de expulsão silenciosa das populações ribeirinhas do Rio Xingu e os impactos não mitigados merecem efetiva e imediata ação reparatória”, afirmou.
O relatório
O relatório da SBPC foi elaborado por 26 especialistas multidisciplinares de diversas instituições do País, entre elas, a USP, a Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), a Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), o Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), a Universidade Federal do Pará (UFPA) e a Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR). O grupo incluiu antropólogos, ecólogos, ictiólogos, sociólogos, juristas, psicólogos, hidrólogos e engenheiros que se dedicaram a pesquisar a situação social, jurídica e ecológica da Região.
Assessoria de Comunicação – SBPC