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Em defesa das universidades públicas

A Academia Brasileira de Ciências e a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência vêm, através do presente documento, alertar para a situação crítica vivenciada neste momento pelas Universidades públicas. Nelas está concentrada a quase totalidade da pesquisa científica produzida no Brasil, que tem gerado conhecimento e inovações importantes para a população brasileira e para o protagonismo internacional do país.
Em manifesto*, SBPC e ABC alertam para a situação crítica vivenciada neste momento pelas universidades públicas
A Academia Brasileira de Ciências e a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência vêm, através do presente documento, alertar para a situação crítica vivenciada neste momento pelas Universidades públicas. 
Nelas está concentrada a quase totalidade da pesquisa científica produzida no Brasil, que tem gerado conhecimento e inovações importantes para a população brasileira e para o protagonismo internacional do país.  Desempenham também um papel fundamental na formação de recursos humanos em nível de graduação e de pós-graduação, indispensáveis para o desenvolvimento do país. 
Esse grande patrimônio está ameaçado, de um lado,  pela redução drástica de verbas, que compromete a continuidade das pesquisas, a qualidade do ensino e o processo de inclusão social realizado nos últimos anos; de outro, por impropriedades da legislação atual e de propostas de origem sindical. Estas corroem a identidade, o ethos e a missão da Universidade, ao banalizar a progressão na carreira; restringir o ingresso de docentes ao nível remuneratório inicial, impedindo assim o ingresso de pesquisadores de reconhecida competência em níveis compatíveis com as suas qualificações; menosprezar processos avaliativos; e esvaziar a representação dos docentes nos órgãos colegiados. 
Por isso mesmo, é fundamental  que as propostas relativas à carreira docente e à gestão das universidades, que fazem parte da pauta sindical, não sejam aprovadas pelo governo, nas negociações para encerrar a greve que afeta essas instituições.
É urgente que os seguintes pontos sejam considerados.
1. Excelência na diversidade. À sociedade que a sustenta, a Universidade pública deve a excelência no cumprimento de seu plano de metas e de sua função social. Excelência que pode se manifestar de forma diferenciada para cada instituição, de acordo com sua vocação e com as necessidades regionais, envolvendo um ou mais focos de atuação, como a pesquisa de fronteira, a formação de profissionais para o mercado de trabalho ou de professores para a educação básica, ou ainda a participação em processos de inovação tecnológica nas empresas ou de inovação social. 

2. Avaliação externa constante. Visando a aferição do bom uso de recursos públicos pela Universidade, o princípio da avaliação externa por pares, levando em conta a necessária diversidade das Universidades públicas e o plano de metas da instituição, deve estar sempre presente. 
3. Gestão responsável. A gestão deve ser atribuída predominantemente e sem ambiguidade a quem é inevitavelmente apontado pela sociedade como responsável pelo sucesso ou fracasso da instituição: o seu quadro docente. Neste sentido, devem ser respeitados, no momento atual, os percentuais que regem, na legislação vigente,  a composição dos órgãos colegiados e de eventuais consultas à comunidade universitária.
4. Uma carreira docente que estimule o mérito e atraia pesquisadores talentosos. As classes da carreira docente devem ser mantidas, pois definem claramente os diferentes estágios alcançados pelo professor, ao longo da carreira universitária. Em particular, a classe de Professor Titular deve caracterizar a maturidade e liderança intelectual, científica e profissional de um professor pleno,  cuja avaliação não pode ignorar padrões internacionais. O patamar já alcançado pelas Universidades públicas no país requer que o título de doutor, conferido por Universidade ou Instituição de Ensino e Pesquisa de reputação reconhecida, seja exigido para ingresso na carreira. Esta deve ter múltiplos pontos de entrada, correspondentes aos níveis iniciais das diferentes classes, incluindo a possibilidade de ingresso como professor adjunto ou titular. Isso permite que os corpos docentes se enriqueçam com pessoas de reconhecida competência intelectual, científica, ou artística, desenvolvida em institutos de pesquisa, instituições de ensino que não sejam IFES, órgãos de governo e empresas, no país ou no exterior. No mesmo sentido, o uso da língua portuguesa não deve ser obrigatório nos concursos.
5. Promoções com avaliação e concursos abertos para Titular. As promoções entre níveis e classes diferentes devem ser analisadas por bancas que tenham maioria de membros externos. Em especial, o nível de Titular deve ser acessado através de concurso público aberto, e não deve ser considerado como uma nova carreira para os docentes já em atividade.
6. Estímulo à dedicação exclusiva. Deveria ser estimulado, através de legislação apropriada e clara, bem como através de compensação salarial condizente, que os professores das Universidades públicas sejam, em ampla maioria, docentes doutores em dedicação exclusiva. O regime de 20 horas deve ser considerado como excepcional, e adequado para atrair profissionais que estejam no mercado de trabalho.
7. Estímulo à inovação. O Plano de Carreira do Magistério Federal (Lei 12.772/2012 e MP 614/2013/PLV 18/2013) deve ser compatibilizado com a Lei de Inovação Tecnológica (Lei no 10.973/2004). No Brasil, atualmente, as instituições que mais têm patentes são as universidades públicas, e são nelas que está a grande maioria dos doutores. Há que se fortalecer a relação entre o ambiente universitário e o ambiente empresarial, para que efetivamente o País avance na inovação, sem prejuízo da função social da Universidade. O atual Plano de Carreira limita no entanto o tempo de participação do pesquisador  nessas atividades a um máximo de 240 horas anuais, o que ainda está muito aquém da necessidade do país para a inovação. Deve ser prevista e claramente definida a possibilidade do pesquisador em dedicação exclusiva perceber retribuição pecuniária por colaboração esporádica de natureza científica ou tecnológica em assuntos de especialidade do docente, inclusive em polos de inovação tecnológica, que, no total, não exceda oito horas semanais ou quatrocentos e dezesseis horas anuais, mediante projeto a ser aprovado pelo Conselho Superior da IFES. Essa colaboração não deve isentar o docente de suas atividades de ensino e pesquisa, e deve ser acompanhada através de relatórios periódicos.
A crise atual oferece uma oportunidade de implantação de medidas que permitam às Universidades públicas responder adequadamente aos grandes desafios que emanam de um país com extenso território e grande população, com importantes recursos naturais e rica diversidade cultural, mas que ainda não consegue utilizar esse imenso potencial para construir uma sociedade menos desigual e reforçar seu protagonismo internacional. 
A educação de qualidade em todos os níveis é uma peça chave para romper essas barreiras. A conquista desse requisito básico para o desenvolvimento do país depende de uma legislação adequada, e também de um financiamento público responsável. A legislação adequada permitirá que as Universidades possam desempenhar seu papel com amplitude e protagonismo, e o financiamento irá assegurar que as condições necessárias sejam atendidas. 
É fundamental que os poderes da República percebam que, como ocorre em outras nações, o financiamento à educação e à pesquisa deve ser reforçado, e não adiado, em momentos de crise, de modo a criar os alicerces de um desenvolvimento econômica e socialmente sustentável.
*Este manifesto, assinado pelos presidentes Helena Bonciani Nader (SBPC) e Jacob Palis (ABC), foi enviado na última sexta-feira (14/08), em formato de carta, aos ministros Nelson Barbosa (Planejamento), Aloizio Mercadante (Casa Civil) e Renato Janine Ribeiro (Educação).