A SBPC enaltece o empenho de todos os participantes da Marcha Pela Ciência no Brasil, realizada no último sábado, 22, em 25 cidades brasileiras, distribuídas por 16 estados. Mobilizando cientistas e amigos da ciência para lutar pela valorização da ciência, esta foi a primeira vez que um movimento do tipo foi realizado no País. A Marcha foi uma iniciativa que começou nos Estados Unidos e conseguiu a adesão de mais de 600 cidades pelo mundo. No Brasil, ela chegou em um momento crucial, em que a área de CT&I enfrenta golpes e cortes orçamentários severos, deixando a ciência nacional à beira de um colapso.
“É um momento mundial, o mundo está falando da importância da ciência, de não ao obscurantismo, e isso tem um timing perfeito no Brasil, porque o obscurantismo está chegando. Temos alguns representantes no Congresso Nacional que duvidam, questionam a Ciência, a evolução, defendem o criacionismo. E ainda este é um momento em que fomos violentamente cortados no orçamento. Sem financiamento, o Brasil vai ficar fora da sociedade do conhecimento”, declarou a presidente da SBPC, Helena Nader, que participou da Marcha em São Paulo.
Ela chama a atenção para a necessidade de a Ciência dialogar mais com a sociedade, e alerta que se o Brasil não tiver ciência, ficará a mercê da economia mundial, cada vez mais científica. “Temos que dialogar mais com a sociedade, explicar mais a ciência, para evitar a volta do obscurantismo”, ressalta Nader.
Na mesma linha, a vice-presidente da SBPC, Vanderlan Bolzani, que também esteve na marcha paulista, afirma que a Marcha é realizada em um momento extremamente importante de conscientização de toda a classe científica do Brasil, principalmente, e da sociedade brasileira, sobre a importância da ciência para o desenvolvimento da humanidade.
“Esse momento em que percebemos um movimento mundial de obscurantismo, de negação da ciência, é extremamente preocupante, ainda mais no Brasil, porque estamos em um patamar de desenvolvimento que necessita de uma política de estado que consolide a C&T nacional. Este é o único instrumento para sermos um país soberano e independente, para que possamos almejar aquilo que é o sonho de todo brasileiro: qualidade de vida humana em todos os aspectos”, comenta.
Segundo ela, esse tipo de mobilização mostra para a sociedade que a ciência faz parte do dia-a-dia do ser humano, da hora que ele acorda até a hora em que ele dorme, e que a participação de todos pode mudar o destino das políticas de CT&I no País.
Para o pesquisador Walter Colli, tesoureiro da SBPC, a marcha é importante porque mostra para o cientista a necessidade de dialogar com a sociedade.
“Os cientistas se enfurnam em seus laboratórios, em seus escritórios, e acham que seu conhecimento é óbvio, que todos acreditam neles. E quando eles falam, ninguém presta atenção. Estou surpreso de ver quanta gente tem aqui. Podia ter mais, mas já tem o suficiente. Na próxima vez, virão mais. E vai chegar uma hora que os políticos vão ter que nos perguntar, porque nós vamos influenciar as eleições”, declarou ao Jornal da Ciência.
Em seu discurso na mobilização em São Paulo, Colli, criticou o corte do governo paulista ao orçamento da Fapesp, no início do ano, e ressaltou a importância da reação da comunidade científica. Ele também se posicionou contra a fusão do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação com o das Comunicações, além da polêmica da fosfoetanolamina, que consumiu milhares de reais, para chegar à conclusão de que todos sabiam, que ela não cura câncer. “Os políticos não aprendem. Eles dizem que o importante é a tecnologia, mas não sabem e nem querem saber que a ciência é o motor da tecnologia”, ressaltou.
Colli também alertou sobre a necessidade de difundir o pensamento crítico sobre a ciência, por meio da educação, da divulgação científica e da aproximação entre universidade e escola. “É impossível construir um país sem ciência e sem educação. O obscurantismo penetra, e por isso, temos que valorizar o pensamento crítico através da ciência, precisamos de programas que aproximem professores do ensino médio e fundamental dos professores universitários. Precisamos difundir a ciência pelo bem dos brasileiros e pelo bem do Brasil”, concluiu.
O presidente da Academia de Ciências do Estado de São Paulo (Aciesp), Marcos Buckeridge, avalia que este foi um evento de extrema importância, porque marca o início de um processo de aproximação entre ciência e toda a sociedade.
“A Aciesp apoiou e continua apoiando esse tipo de movimento, porque é o tipo de ação que aproxima a ciência da sociedade. É só o início, não temos uma multidão muito grande, mas tivemos vários cientistas apoiando. Se começarmos a fazer esse tipo de evento com frequência, poderemos informar melhor a sociedade em geral sobre a importância da ciência”, destacou.
Rio de Janeiro
As recentes políticas que impuseram cortes orçamentários à CT&I foram o mote da Marcha no Rio de Janeiro: “Conhecimento sem cortes”, conforme ressalta o vice-presidente da SBPC, Ildeu de Castro Moreira. Em março, o governo federal cortou em quase 50% os recursos previstos para este ano, de R$ 5,04 bilhões para um total de R$ 3,25 bilhões, o pior orçamento da área da última década.
“No Rio de Janeiro, além das reivindicações da marcha internacional, sobre a valorização da ciência, nós também levantamos as questões do Estado, especialmente a questão dos cortes orçamentários. O nosso mote foi ‘Conhecimento sem cortes’. Fizemos um tesouraço, com tesouras representando, simbolicamente, nosso protesto contra os cortes”, conta.
Ele estima que cerca de 400 pessoas participaram do movimento no sábado na capital carioca. “Poderia ter tido muito mais”, diz, mas conforme pondera ele, o evento contou com participações significativas.
“A nossa comunidade científica ainda está muito apática, principalmente entre os jovens, que são o que mais sofrerão no futuro com essa políticas atuais do Brasil. Mas, no Brasil, o fato de ter havido atividades, mesmo que pequenas, em 25 cidades, quando se compara com países da América Latina e da Europa, nós tivemos uma participação pequena, mas muito significativa”, diz.
Moreira ressalta ainda que as comunidades do Facebook que organizaram as marchas no Brasil chegaram a quase seis mil seguidores, o que indica um potencial imenso para ampliar a divulgação de iniciativas como esta. “É preciso ver como incentivar as pessoas a participarem com mais força dessas manifestações. Temos que ver o que precisa ser feito para termos uma participação maior e, também, valorizar o que foi feito. Essa é uma causa da SBPC há anos. A Marcha vai continuar”, avisa.
Brasília
Na Capital Federal, pesquisadores e acadêmicos que participaram da Marcha pela Ciência, no sábado, alertaram que o corte drástico na área da ciência, tecnologia e inovação deve inviabilizar o andamento das pesquisas da área de saúde, como dengue e chikungunya e agravar mais os problemas da saúde pública do País. A mobilização em Brasília foi realizada em três locais: em frente ao Ministério do Planejamento, do Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC) – em razão da fusão realizada no ano passado-, e em frente do Congresso Nacional.
A pesquisadora Maria de Fátima de Sousa, diretora da Faculdade de Ciências da Saúde, Universidade de Brasília (UnB), afirmou que os cortes do orçamento da área de CT&I anunciados em março comprometem drasticamente as pesquisas não somente da saúde, mas também da agricultura, da educação e de todas os setores da política pública brasileira.
“Estamos vivendo uma situação caótica, com risco de sucatear os laboratórios. Corremos o risco, inclusive, de não ter aulas e não chegarmos à conclusão do semestre letivo”, alertou.
Em outra frente, a cientista da UnB, Laila Salmen Espindola, que é conselheira da SBPC, lamentou a fusão do então Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação com a pasta das Comunicações. Espindola lembrou que os retrocessos colhidos hoje na área da CT&I são resultado da fusão. Em seu discurso, em frente ao Congresso, ela afirmou que a plantação simbólica de balões em frente ao Poder Legislativo, representaria o depósito de uma esperança de dias melhores para a ciência nacional.
“Estão enterrando a ciência brasileira, mas esse ato simbólico é para que ela possa germinar”, disse.
Organização
A organização da Marcha Pela Ciência no Brasil começou há apenas dois meses, em São Paulo, com a iniciativa da professora do Instituto de Ciências Biomédicas da USP, Nathalie Cella. Foi ela que quem inscreveu o Brasil no mapa da Marcha global pela Ciência. Cella contou com o suporte de estudantes da graduação e da pós-graduação da USP e da Unicamp, que criaram a página no Facebook e trabalharam na divulgação da Marcha pelo Brasil. “Eu registrei a nossa Marcha no evento mundial porque, para registrar, era preciso ser um cientista creditado”, diz a pesquisadora. Com o registro, os coordenadores globais começaram a enviar materiais sobre como organizar a marcha em seu país.
Cella destaca o apoio da SBPC, que desde o primeiro contato se prontificou a divulgar o evento em seu boletim diário, o Jornal da Ciência Notícias, seu site institucional e sua página do Facebook. Ela destaca ainda o apoio da pró-reitoria da USP, da Associação Nacional de Pós-graduandos (ANPG), Associação dos Pesquisadores Científicos do Estado de São Paulo (APQC) e da Aciesp.
A cientista avalia que o evento foi um sucesso, e ressalta também o empenho dos organizadores nas 25 cidades brasileiras que aderiram ao evento. Segundo ela, essa foi apenas a primeira mobilização pela ciência no Brasil de muitas que estão por vir.
“Não temos nem escolha de fazer disso apenas um evento isolado. Certamente teremos um evento ainda maior. O desafio para a próxima Marcha é aproximar a ciência, torná-la uma causa de toda a sociedade”, comenta.
Dada a importância do tema, a presidente da SBPC, Helena Nader, conta que a SBPC vai publicar em maio um volume especial do seu Jornal da Ciência impresso dedicado à Marcha Pela Ciência no Brasil.
Daniela Klebis e Viviane Monteiro, Jornal da Ciência